Jessé Souza

JESSE SOUZA 12577

Apenas um pequeno capítulo dentro do grande enredo do garimpo ilegal

Jessé Souza*

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirma a liminar  que havia suspendido a “lei do garimpo” aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado e sancionada pelo governador Antonio Denarium (PP), enterra de vez a pretenção do Governo de Roraima de querer liberar o garimpo com uso de mercúrio em áreas que não sejam indígenas.

Esse é apenas  um pequeno capítulo de um complicado enredo que envolve a garimpagem em Roraima. Embora a lei ora enterrada pelo STF não abrisse brecha para a extração mineral em terras indígenas, ela tinha o papel de fortalecer a garimpagem sob o pretexto da legalidade, dando não apenas incentivo aos garimpeiros que ainda hoje seguem ilegalmente na Terra Indígena Yanomami.

A liberação de garimpo “fora de terras indígenas” fazia parte de uma grande estratégia de abrir caminhos para a ilegalidade, pois seria difícil fiscalizar o que seria destinado para um garimpo supostamente legal, ao redor de áreas preservadas, para o ilegal, dentro dessas áreas. Os garimpos imaginados pelos defensores da lei estadual iriam ser a porta de entrada para o avanço da garimpagem em terras indígenas.

Hoje o esquema para a ilegalidade já funciona desta forma, com propriedades ao longo dos rios Uraricuera e Mucajaí servindo de apoio e porteira para entrar para garimpos em terras indígenas. Inclusive, existe um pedágio, no valor de R$5mil, cobrado pelos donos dessas propriedades, para que pessoas, equipamentos, combustível e alimentos passem por lá.

Esse garimpo ilegal é mantido por um esquema bem maior, que envolve pessoas de grande poder aquisitivo, inclusive dentro da política, operando voos clandestinos, bancando logística e recrutando mão de obra, o garimpeiro de verdade (ou não), aquele que vai para linha de frente dos grotões, que é apenas mais uma peça da grande engrenagem.

É por isso que há uma grande dificuldade por parte das autoridades policiais e do Exército em combater o garimpo ilegal. Porque não se trata de apenas garimpeiros desesperados em busca de ouro, se arriscando em embarcações em rios inóspitos, Mas um negócio lucrativo mantido por influências por todos os lados, que conta com (senão apoio) a conivência daqueles que não enxergam problemas em invadir terras indígenas.

Não veem problemas porque a sociedade de uma forma geral não é apenas a favor do garimpo, com também excessivamente antiindígena. Basta ir a uma feira e perguntar o que as pessoas acham sobre os indígenas. Ninguém está se importanto com a vida dos indígenas, nem com as severas consequências da ação predatória do garimpo, nos principais rios de Roraima,  que pode provocar uma grande crise hídrica em futuro bem próximo.

Esse consentimento, incutido no inconsciente coletivo, dá mais força ao garimpo legal. Não custa lembrar que a  Polícia Federal já apreendeu avião que dava apoio ao garimpo que pertencia a parlamentar. Também apreendeu grande quantidade de ouro em posse de outro político. Ambos  investigados, presos e envolvidos no mesmo esquema de suposto desvio de recursos destinados ao combate ao coronavírus.

Tudo se entrelaça na grande ramificação da ilegalidade que se abate sobre Roraima. É por isso que o fim da “lei do garimpo”  é apenas uma pequeno capítudo dentro desse grande enredo. Há muita mais coisa oculta dentro desse grande emaranhado, a ponto de ficar difícil o povo entender que o garimpo ilegal só beneficia uma pequena parcela de pessoas influentes.  

*Colunista