Opinião

OPINIAO 10291

Samaritanos ao amanhecer

Walber Aguiar*

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. (Renato Russo)

Três horas da madrugada. Uma figura atravessou a rua, caminhou na direção do posto médico. Barba por fazer, roupa simples, coração entregue ao silêncio da noite. Agnailton, mais conhecido por Romeu, não temia o desconhecido. Temia apenas a ingratidão e o desprezo. Ingratidão de quem deveria amar, desprezo de quem deveria acolher.

Depois de dormir no posto da Mecejana, ele enfrentou a fila e o mau humor de atendentes despreparados. De gente ranzinza, seca e mal amada. Também de gente disposta a servir com ternura e compreensão. Contudo, ele seguiu sua missão: levantar os feridos e humilhados, estimar os velhinhos e crianças, sorrir para os estranhos como se conhecidos fossem.

O dia amanheceu. Romeu esfregou os olhos e massageou o afeto. Esteve em paz consigo mesmo; carregou no coração a simplicidade e o desejo de ajudar, a vontade de transformar a dura realidade daqueles que não tem a quem recorrer nas horas da dor e do desamparo. Recusou ajuda, embora soubesse que também estava doente. Não trocava seus favores por dinheiro, mas recebia qualquer coisa que viesse sob o signo da generosidade.

Transformado em andarilho, tratou a todos com enorme carinho e gentileza. Sabia reconhecer um sorriso sincero. Fez amizade com todos, tratou de mano, mana, tio, tia, pai, mãe. Na tentativa de compensar o vazio afetivo que carregava no peito.

Romeu não precisava de terno e gravata; muito menos de tráfico de influência, quando se tratava de dar sem receber quase nada em troca. Ele não precisava mentir, trair, enganar, se corromper, como fazem os homens públicos, que desconsideram os desgraçados fora do período de eleição.

Ele vai fazer muita falta. Na hora do bom papo, da profundidade filosófica, da consulta a ser marcada para os que não enxergam, não ouvem, não conseguem andar direito. Para aqueles de coração adoecido e de mente confusa. Para os que frequentavam o bar do “Mineiro”, o bar do “Bispo” e as ruas do bairro da Mecejana e do Cambará.

Cansado de curtir e ser curtido pela solidão urbana, ele tomou o rumo do interior. À semelhança de Thoreau, um filósofo norte-americano, ele “foi à floresta porque queria viver intensamente”. Ironicamente, foi tragado por ela. Perdeu-se onde mais desejava se encontrar. Nunca mais retornou ao convívio com os amigos e irmãos a quem amava.

Seu corpo foi coberto pelo barro vermelho do cemitério, sua alma leve voou para o “céu dos samaritanos”.

Descanse em paz, irmão. Seu nome vai ficar entre nós como uma lenda viva. E quando o vento frio da madrugada soprar no rosto dos velhinhos esquecidos, dos andarilhos errantes, dos bêbados e enlouquecidos pelo amor, alguém lembrará de você com ternura, saudade e devoção. Tchau, um abraço!!!….

*Advogado, poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras. [email protected]

Consumo de bebidas alcoólicas pode reduzir o risco de infecção da covid-19?

Laura Cury*

Diversas mensagens estão circulando na internet, algumas em tom de piada, afirmando que o consumo de bebidas alcoólicas pode ajudar a reduzir o risco de infecção pelo coronavírus. Muitas dessas mensagens recomendam o uso do álcool para beber, além de limpar e higienizar.

O problema é que algumas pessoas estão seguindo à risca essas recomendações absurdas, que não têm fundamentação científica alguma e oferecem risco à vida. No Irã, por exemplo, cerca de 300 pessoas morreram de intoxicação após consumirem metanol tóxico na esperança de que a bebida alcoólica ajudaria a curar o novo coronavírus.

É importante esclarecer: o álcool pode, sim, ser utilizado para desinfetar as mãos de pessoas e superfícies de objetos contra a covid-19, mas em grau etílico de 70%, condição que propicia a desnaturação de proteínas e de estruturas lipídicas da membrana celular, e a consequente destruição do microrganismo. Apenas para efeito de comparação, a vodka pode chegar a ter, no máximo, 40% de teor alcóolico. 

O consumo de bebidas alcoólicas não oferece proteção contra o coronavírus ou qualquer outra infecção, muito pelo contrário como explica Maristela Monteiro, assessora em consumo de álcool e substâncias psicoativas da Organização Panamericana da Saúde (OPAS): “O álcool é uma substância imunossupressora e facilita a infecção por todo tipo de vírus, inclusive o coronavírus. O único álcool que pode ser utilizado com esse propósito é o que desinfecta a pele, não o que ingerimos.”

Não é de hoje que pesquisadores observam uma associação entre o consumo excessivo de álcool e efeitos adversos relacionados ao sistema imunológico, como a suscetibilidade à pneumonia, conforme mostra o artigo Alcohol and The Immune System, publicado na revista Alcohol Research: Current Reviews, em 2015.

Além do engano sobre os falsos poderes antissépticos da ingestão de bebidas alcoólicas, à medida que o distanciamento social se instala, o estresse, a solidão e a depressão podem aumentar, ampliando também o consumo dessas bebidas. Segundo Sabrina Pressman, psicóloga e vice-presidente da Associação brasileira de estudos do álcool e outras drogas (Abead): “A desesperança também é um dos fatores de risco e envolve a falta de motivos para cuidar de si mesmo e o excesso de motivos para se anestesiar. Abrir mão do prazer do uso da droga e manter-se abstinente tem um propósito quando você quer conquistar objetivos.” 

É preciso alertar a população para a prevenção do consumo de bebidas alcoólicas em casa, já que muitas pessoas estão comprando essas bebidas para estocar e consumir durante a quarentena. Perante a crise, estão surgindo relatórios indicando um número crescente de casos de violência doméstica e de abuso e negligência de crianças – situações que muitas vezes também estão relacionadas ao uso abusivo do álcool. 

Mais do que nunca, é importante que as pessoas não acreditem em boatos que circulam na internet e não utilizem o álcool de maneira abusiva para aliviar o estresse, o que pode causar ainda mais problemas de saúde e sociais. Deve-se buscar informações técnicas em veículos de comunicação de credibilidade e em instituições oficiais, como o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em tempos de pandemia, usemos o álcool apenas para limpar as mãos.

*Assessora em Relações Internacionais da ACT Promoção da Saúde e integrante do Comitê para Regulação do Álcool (CRA), apoiado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

Coração ferido

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Os soluços longos dos violinos de outono ferem-me o coração com monótono langor.” (Voltaire)

Adoro este texto do Voltaire. Só ainda não entendi por que os aliados na Segunda Guerra Mundial usaram-no como código para um ataque. E foi um dos mais terríveis ataques, na Normandia. E como você já conhece a história e ela não nos interessa agora, vou me calar. Mas a verdade é que a prisão domiciliar que estamos vivendo, forçada e legalm
ente, levou-me ao relaxamento. Deitei-me no sofá, e comecei a ouvir músicas pelo celular. E olha o que ouvi. Um grupo de mulheres lindinhas, tocando violinos. Não eram de outono, claro. Mesmo porque estamos começando a abrir as portas para a Primavera. Que não tem nada com outono.

Os violinos sempre me encantaram. Sobretudo quando são tocados por mulheres. Acho que estou ficando sentimentalista. Será que é por conta da idade? Sei lá. Mas sempre me emociono com a presença das mulheres em eventos musicais. Mas mais precisamente em orquestras. Não sei quanto tempo fiquei ali, ouvindo as mais belas músicas. Elas, as músicas sempre me encantaram. Mas estou falando de música. Deu pra entender? De repente senti um cheirinho agradável vindo da cozinha. Não sou grande coisa em olfato. Mas me esforcei e identifiquei. Aí dei uma de João-sem-braço. Levantei-me e fui até a cozinha. Entrei como quem não queria nada, espreguicei-me, pigarreei, e caminhei devagarzinho. Aí ela me olhou com o rabo do olho, o que, classicamente chamamos de soslaio. Aí ela falou: já entendi, entendi… já te conheço. Tome, mas é só essa fatia. Agora só no almoço, tá?

Fingi não ter feito nada propositadamente e voltei para o sofá. Tentei ligar o televisor, mas recuei. Não estava disposto a blá-blá-blás. Voltei às músicas do celular. Mas antes dei uma olhadinha para a Praça sem movimentos. O vento frio acariciava carinhosamente o capim da Praça e já não fazia mais o barulho de ontem. E mesmo detestando o ostracismo, voltei para a ordem imposta pelo Governo: ficar dentro de casa, mesmo sem ter o que fazer.

Enquanto ouvia as músicas, pensava como seriam os dias futuros, com a entrada do segundo semestre de um ano que, praticamente, não existe. Mas não quis dar bolas ao mal, e continuei deitado. Mas logo ouvi um gritinho vindo da cozinha: – Ei… Sinho… Será que dá pra você levar esse lixinho lá pra lixeira?

E o mais inteligente, nessas horas é você não reclamar nem questionar. É pegar o lixo e correr. E foi o que fiz. Desci a escada quase correndo, joguei o lixo na lixeira e o vento me empurrou escada a cima. Entrei sem falar nada e me joguei no sofá. Pense nisso.

*Articulista

Email: [email protected]

95-99121-1460