Opinião

OPINIAO 10422

Caboco das águas III –

Walber Aguiar*

Tudo é mais simples diante de um copo d’água

Drummond

Sonhei que estava no meio da Serra Grande, entre pedras e árvores monumentais. Também haviam ingaranas, Maranatas pra nadar no poção das cobras, papéis de contas que se transformavam em miragens, que se perdiam em enorme desertos. No sonho, o caboco das águas, com um olhar apreensivo.

Conversávamos filosofia, história, geografia, causos que pareciam com os do Lula, o Luciano Alvarenga, contador de estórias e histórias. Mas, ali, entre um riso e outro, um poema e uma canção, percebia seus olhos marejados por aquilo que mais o preocupava como guardião das águas, como aquele que ensinava a preservar, usar racionalmente e amar o bem mais preciososo:a água, o manancial, o rio de águas limpas, branquejantes, que nos sustentava todos os dias, que nos fazia visitar a CAER, a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima, que nos banhava e alimentava com o chafariz existencial, que escapava magicamente pelas torneiras da cidade.

Assim, sonhei que estava com o caboco Dagmar, conversando sobre o futuro, a vida e a morte, sobre as águas que corriam sob nossos pés, sobre uma pretensa privatização do líquido essencial, abundante, majestosamente imprescincível.

Ele falava na preocupação com os desertos que, futuramente, poderiam assumir o lugar de rios, igarapés e outros mananciais. Dizia da ganância dos que faziam suco de dinheiro, daqueles que, não satisfeitos em tirar o pão da boca das crianças e o remédio da vida dos velhinhos, tinha sua alma entristecida pela probabilidade do mar virar sertão, do rio tornar-se sequidão de estio, aridez.

Começamos a entristecer com aquela possibilidade, com aquele pesadelo que parecia virar realidade. Onde o líquido essencial escorria por entre os dedos da ignorância, do medo, da carestia, da privatização daquele recurso que tínhamos em abundância.

Contava o caboco que a vida se tornaria inviável, e que o lugar das águas claras, tipo o reino encantado de Monteiro Lobato, estava lamentavelmente ameaçado. Pensamos na possibilidade de convocar a todos para uma grande manifestação, onde, dadas as mãos, formaríamos um imenso muro de margaridas, um paredão de águas e mais águas.

Um protesto de todos contra aquela miserável decisão de privatizar o grande lugar dos reservatórios e mananciais. Ora, somente entrariam nessa luta, nesse combate, os defensores da natureza, os que amavam a fauna, a flora, os igarapés e buritizais. Por isso fora confiado ao caboco aquele sonho, aquela revelação.

Assim, estávamos assustados com a ganância, a ambição desmedida, a loucura daqueles que se diziam representantes do povo, mas que não passavam de desumanos, insensíveis, destituídos de grandeza, ética e caráter. Aqueles que, durante a peste que matava e asombrava a todos, se enchiam de sarcasmo e engordavam seus corações em dias de matança.

A prevalecer o argumento da água sendo vendida pra quem cuidava das fontes e do mistério da perenização ameaçada, veríamos, finalmente, o dia em que as águas escasseariam da Amazônia, de Roraima, da terra inteira.

Teríamos que unir forças e convencer os miseráveis políticos de que as águas não poderiam ser vendidos a um preço exorbitante, sendo que tínhamos aquela riqueza em abundância no subsolo, nos rios, igarapés, açudes e outros mananciais.

Ali estávamos nós. Eu, Dagmar, a Serra Grande, o Maranata e as ingaranas. De repente, assim do nada, seus olhos ficaram muito marejados. E o volume de lágrimas foi aumentando, aumentando, até virar um enorme igarapé. O caboco das águas sumira de repente do meu sonho. A mensagem última foi o amor às águas, o desejo de mergulhar, de não privatizar, de viver submerso.

*Advogado, poeta, historiador, professor de filosofia e membro da

Academia Roraimense de Letras

[email protected] tel. 99144-9150

COVID-19

Marlene de Andrade*

“O coração bem disposto é remédio eficiente, mas o espírito oprimido resseca os ossos.” (Provérbios 17:22).

A COVID-19 mata, mas outras doenças matam e muito e elas devem ser faladas na televisão, rádio e em todos os canais midiáticos, pois prevenir é a melhor escolha.  Falar da COVID-19 é importantíssimo, mas há que ser falado também acerca de outras doenças. 

A Organização Pan Americana de Saúde/OPAS declarou que no Brasil de Janeiro a Junho de 2020, ocorreram 1.040.481 casos de dengue com 580 mortes, porém no Brasil temos também casos de desnutrição devido à fome; tuberculose; hanseníase; leishmaniose; meningite; pneumonia; câncer; doença de Chagas; sífilis; AIDS; doenças sexualmente transmissíveis; tabagismo; alcoolismo; malária; resfriado; gripe e entre outras, verminose em grande escala.

Todos nós sabemos que no Brasil, o sistema de saúde é péssimo e que o teste da Covid-19 quase não está sendo realizado nos postos de saúde. Outra situação, a qual chama muito atenção é que a maioria dos governadores, prefeitos e políticos em geral, não tocam nesses assuntos e não usam os canais de televisão para explicar a gravidade de todas essas doenças acima citadas.

O combate ao Aedes Egipt, procriado em águas paradas até mesmo dentro de nossas residências, desencadeiam dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Será que eles não poderiam disponibilizar um tempo desses canais televisivos, para ensinar o povo a ser mais higiênico e quiçá fazer como era antigamente, ministrar aulas de matemática, português, geografia, história e, entre outras, ensinar como fazer prevenção de doenças, em vez de só ficar falando da COVID19?

Infelizmente, muitos políticos se envolveram em compras de respiradores com defeitos e embolsaram parte desse dinheiro.  Máscaras e testes? A população sabe o que aconteceu.  Nas entrelinhas, explicam que a quarentena horizontal é a melhor saída, mas por detrás dessa ordem, existem interesses escusos.

O COVID-19 tem que ser tratado no início dos sinais e sintomas e são eles: febre, às vezes, ausente; dor de garganta; perda do paladar; perda do olfato; inúmeras evacuações, por vezes, sem diarreia; dores no corpo; cansaço extremo; dor nos olhos; dor de cabeça e tontura. Há que ficar, no entanto explícito, que nem sempre o início da COVID-19 possui todos esses sintomas e tem mais: o tratamento dessa 1ª fase, na maioria das vezes, cura o paciente, porém não podemos nos esquecer de que as pessoas do grupo de risco são mais vulneráveis e precisam de uma atenção maior. Cuidado: tosse, febre e falta de ar é sinal de que a COVID-19 está numa fase grave. E saiba: o teste pode dar falso negativo, mas assim mesmo temos que fazê-lo. Aos primeiros sinais e sintomas, procure imediatamente um médico, pois não devemos  aguardar o resultado do teste para iniciar o tratamento.

*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT-AMB-CFM

CRM-RR/339 RQE-431

SAUDADE NA VOLTA

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Depois do caso passado,

Mesmo sabendo que és triste,

Quero fazer um roçado,

Levantar um tapiri,

Deixar o mundo de lado p>

E morar perto de ti.”

(Alcides Werk)

Acordei com um dia preguiçoso, com uma manhã friinha e gostosa. Coisas típicas da Ilha Comprida. Apesar do frio, o sol saía preguiçoso, mas bem quentinho. Fui desfrutá-lo ali na varanda, apreciando o barulho dos quero-queros. Foi gostoso pra dedéu. Aí entrei e por acaso, abri o livro “Trilha Dágua,” do queridíssimo amigo que já não está entre nós, Alcides Werk. E olha só a delicadeza com que me deparei. Está citado aí encima. Aí senti saudade de Roraima. Muita saudade. Passei toda a manhã dançando nas lembranças de amigos, família e tudo mais que sempre me encheu o coração de alegria e felicidade. E como não devo ir caminhar pelas ruas proibidas, fiquei caminhando dentro de casa. Li mais o Alcides e não consegui me afastar da saudade. Coisas de quem sabe viver os momentos que vive. E como vivi bons momentos na terra de Macunaíma.

Voltei à varanda, fui até a cozinha, voltei e me cansei. Nada mais indesejável do que ficar em prisão domiciliar, sem ter cometido nenhum crime. Pensei nisso e ouvi um barulhinho bem delicado lá fora da janela. Agucei o ouvido e percebi que era o vírus querendo que eu saísse. Dei uma banana indelicada pra ele e liguei o televisor. Acho que você sabe o que quer dizer, “banana indelicada.” No meu tempo de criança levávamos muitos puxões de orelhas das professoras, quando dávamos banana para os colegas nas brincadeiras do recreio. Pergunte para seu avô o significado de banana, numa discussão, e ele explicará.

Mas vamos falar sério. Não sei se irei resistir a essa saudade malvada que está me torturando. Embora eu saiba que se eu voltar pra Boa Vista, vou morrer de saudade da Ilha. Ajude-me. O que devo fazer? E nesses momentos recorro a dois gênios que sempre admirei: Bob Marley com “Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos.” E o Laudo Natel com “Saudade é a presença da ausência.” E por falar em Laudo Natel, tenho refletido muito sobre sua morte, recentemente. Foi um dos maiores e melhores governadores do Estado de São Paulo. Eu o conheci pessoalmente. E sempre me encantei com a simplicidade dele, da família e, sobretudo, da Dona Zilda, sua esposa. Talvez por isso a mídia nacional não tenha dado nenhuma importância à notícia sobre o seu falecimento.

Bem, estou terminando o papo e apressado para voltar à varanda, e admirar o movimento e o dançar do sol sobre a grama alta, sacudida pelo vento friinho da manhã. É muito importante viver. Pense nisso.

*Articulista

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