Opinião

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REFLEXÕES NA CRISE

Gaudêncio Torquato*

A Covid-19 deixará um rastro de destruição sobre a Humanidade. Negócios serão aniquilados, empreendimentos deverão ser remodelados, o saber deixará de ganhar valiosos avanços, milhões de crianças perderão tempos preciosos na aprendizagem, a pobreza cobrirá o planeta com sua devastadora capacidade de aumentar as desigualdades sociais, a angústia e a depressão vestirão milhões, senão bilhões, de pessoas com o manto da tristeza. O planeta atrasará em muito seu ritmo de avanços. Há quem faça projeções mais otimistas, como essas que sinalizam descobertas revolucionárias na medicina, com a chegadas das vacinas, a integração solidária entre as Nações no esforço de encontrar armas eficazes para combater as doenças e seus surtos, maiores investimentos em saúde e no bem-estar das pessoas.

É razoável apostar, sim, em passos adiante. Mas não há como deixar de reconhecer o atraso na vida educacional de uma geração, obrigada a permanecer em casa, mesmo assistindo as aulas por meios virtuais. Aliás, esse ensinamento à distância, seja para crianças, jovens e adultos, deixa muito a desejar. Vejamos as aulas para jovens, por exemplo. Passar quatro horas ouvindo um ou dois professores, em sequência, ministrando aulas para uma plateia virtual, lendo seus escritos – mesmo bem fundamentados – é um exercício cansativo e pesaroso. Poucos prestam atenção ao pensamento do mestre, a interação é muito escassa, o diálogo, peça essencial na aprendizagem, se perde na cadência monótona do bombardeio mental. Imaginem o que significa o atraso de um semestre, de um ano, na vida de um estudante. Ou mesmo a defasagem educacional que perseguirá sua trajetória, a não ser que faça extraordinário esforço, mais adiante, para recuperar os passos perdidos. E mais: se essa metodologia de ensino virtual for adotada nos tempos pós-pandêmicos, haverá de ser bem recauchutada.

Milhões de micros, pequenos e médios negócios fecharão as portas. O pequeno empresariado tem pela frente o desafio de recomeçar, talvez em outras áreas, os seus afazeres. Reconstruir o que foi perdido. Remontar o que o bichinho microscópico corroeu. Os gigantescos conglomerados também sofrem, mas os grandes círculos de negócios sempre arrumam um jeito de perder aqui e ganhar ali, no jogo de oportunidades que eles tão bem dominam.

No plano espiritual, os danos maltratam mentes e corações na forma de impactos emocionais e racionais. Quantas pessoas estão desabando no despenhadeiro da depressão, da angústia e da tristeza, quando em suas redomas repassam suas vidas, o tempo perdido em apostas sobre o futuro, em uma cadeia de ilusões que se desfazem nas correntes de vento que balançam a vida. O que fazer, como refazer, tem sentido pensar em um novo modus vivendi, que lógica conduzirá meus passos amanhã? Claro, milhões de pessoas não serão atingidas pelo vírus da depressão. Continuarão suas vidas sem acréscimo de uma vírgula aos capítulos de seu cotidiano. Certas camadas são insensíveis às intempéries da vida.

Mas volto os olhos aos imensos contingentes que pensam muito sobre o circuito de sua existência. Que sofrem em ver tantas injustiças, que se tomam de indignação contra a corrupção na política, que não se conformam com a facilidade como as massas são manipuladas, com os desvarios de governos, pessoas que têm grande dom de se expressar e pequena motivação para agir. Penso nos milhões que estão fora da mesa do consumo, padecendo sua fome em acampamentos em terras isoladas e devastadas por guerras, nos milhões de crianças recém-nascidas que não chegam a viver para compreender o que são e onde estão.

São pensamentos e reflexões na crise. E aqui por nossas plagas, o que poderá acontecer? Se os tempos fossem normais, a hipótese se configuraria como verdadeira: Jair Bolsonaro não completaria o mandato. O repertório de situações absurdas e a ineficiência de seu governo abasteceriam os estoques de contrariedade no meio da sociedade e a pressão sobre a esfera política para sua defenestração assumiria intensidade inigualável. Mas em tempo de pandemia, qualquer ato político impactante semeará caos no país. A alternativa que resta é a pressão por mudanças: no comportamento do presidente, na motivação dos políticos para dar continuidade às reformas, na força aos governos e municípios para que possam ser bem-sucedidos em sua guerra contra a Covid-19.

Quanto às eleições de novembro – na crença de que serão adiadas –, que os candidatos reflitam sobre seu discurso, sua maneira de se apresentar ao eleitorado e procurem realizar um ato de contrição. Sejam simples, modestos, honestos e sinceros. Amanhã será outro dia.

*Jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Twitter@gaudtorquato

QUEM SOMOS NÓS?

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Enquanto a cor da pele for mais importante do que o brilho dos olhos haverá guerra.” (Bob Marley)

Quando lutamos pela igualdade é porque nos sentimos inferiores. Quando entramos no campo de futebol para disputar é porque não sabemos realmente competir. Quando sabemos realmente qual a nossa competência, competimos e não disputamos. Um ensinamento de relações humanas que deveria ser dado a todos nós. Porque a vida, em si, é uma eterna competição. E é precisamente por isso que devemos nos reconhecer como todos iguais. E só nos igualamos quando respeitamos as diferenças. E pelo que vemos, ela, as diferenças, não está sendo respeitada. E o desrespeito vem de ambos os lados que não deveriam ser lados, já que somos iguais. Simples pra dedéu.

Já falei pra você, aqui, do dia, logo depois da criação da lei das cotas. Eu estava à janela quando ouvi um barulho forte lá na Praça da Sé. Desci e fui até lá. Surpreendi-me quando soube qual o motivo do movimento. Eram muitas pessoas negras, que lotavam a Praça, em frente à Catedral da Sé. E já lhe falei. Aquelas pessoas negras protestavam contra as cotas nas universidades. Porque elas, as cotas, são um desrespeito à classe negra. Mas foi entusiasticamente aplaudida e aceitada. O que colocou você no grupo da inferioridade. E não temos como discutir. Então faça sua parte e mostre quem você é, e não o que os idiotas dizem que você é, e querem que você seja.

Faça uma reflexão sobre isso. Não é o formato do seu cabelo, nem a cor da sua pele, que vai dizer quem você é. Não tenho espaço suficiente, aqui, para mencionar o número de negros, e negras que construíram o mundo. Mesmo porque estamos mais preocupados com o negativo que embutem na mente do povo negro. Vamos separar o respeito da familiaridade. Por que você tem que lutar pela igualdade, quando você se sabe superior? E só somos superiores quando sabemos respeitar as diferenças. E você não as está respeitando quando tenta igualá-las. Não perca seu tempo com idiotas que julgam você inferior porque você é negro, ou negra.

Valorize-se no que você é e vá em frente. Olhe-se no seu espelho interior e veja o brilho dos seus olhos. É ele, o brilho, que vai dizer quem você realmente é. Nós vivemos num planeta em evolução, há vinte e uma eternidades. E quantas eternidades nós ainda viveremos por aqui, vai depender de cada um de nós. Do quanto nos valorizamos para evoluir. E nunca evoluiremos perdendo tempo com briguinhas comadrescas. Você vale muito mais do que os que não valem, dizem. Então não dê bola pra eles. Nuca se iguale. Olhe sempre para o hor
izonte do seu futuro. Pense nisso.

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