Opinião

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CAIMBÉ E MURICI

Linoberg Almeida*

Lembro bem meu pai cantarolar um samba de Bezerra da Silva que dizia algo sobre uma tal lei de murici, em que cada um cuida de si. A danada e versátil frutinha doce que dá do nordeste até aqui não tem noção de como “políticos” oportunistas em suas estratégias de se manter no poder desagregam, desunem, estimulam decepções. Só esquecem que em terra de caimbé, o que não provoca nossa morte faz com que fiquemos mais fortes.

Os antes fantasiados de arautos do combate à corrupção, de contra os que envergonham nossa terra, se aliam ao seu próprio umbigo, ao enriquecimento instantâneo, cheirando a ilicitude, à falta de pautas que levem nosso estado a outro patamar. Pobre Cândido, herói de Voltaire, decepcionado com um mundo em desencanto, firmou que cultivássemos nossos próprios jardins. Não! Só trouxas caem em tolos que fingem quebrar correntes.

São tempos difíceis em especial para a democracia. Tenho que lidar com cidadãos que dizem que apareço perto de eleição e políticos que ao não fazer Política todo dia, alimentam essa desesperança e incompreensão da engrenagem. Até alguns partidos que deveriam primar por programas que representem propostas lutam por “seu pirão primeiro”, fingindo “ideologias” que só têm apreço pelo poder e dinheiro fácil dos fundos.

A sanha dessa gente nunca é o do interesse das pessoas. Recebi recado de um senador que se “eu não me juntar tô fora”. Vi um voto meu recente se aliar a gente que nem nome de bairro sabe direito. Outro chamou de arrogância o meu querer fazer diferente num mundo de errados encastelados. Pisam na lama, cheiram fossa, se curvam a desordem pública e depois é só esperar o sininho pós-verde confirma na urna eletrônica. E lá vem gado, viagens, terrenos, bebidas, marcas, farsas.

Lá estão eles calados, de braços dados à retirada de direitos. E nós, vamos ficar de braços cruzados? Não sobra ninguém na dança da desilusão? Onde estão os que não se acomodam com desigualdades, falta de dignidade, destruição do sistema de saúde, a morte de nossos amigos e parentes, falta de creche, poluição de rios e igarapés, com os alagamentos de sempre, a falta de segurança de sempre, a falta de transparência e participação das pessoas?

Aos que querem poder pelo poder, tô fora. Aos que nas campanhas são cheios de papo e se dizem de diálogo, mas nos mandatos não respondem ofícios e sabem pouco de orçamento, tô fora. Aos de bem, é só chegar. Esta máfia organizada precisa aprender de uma vez por todas que seu dinheiro e lábia não compram todo mundo.

Em breve, vão falar de pautas polêmicas, misturar público e privado, vender ideias da boca do marqueteiro, mas tirar TCCs e diplomas das gavetas, dar emprego aos jovens, respeitar famílias, tratar de jeito técnico e planejado a vida da cidade não vão porque não sabem, e infelizmente, muita gente se cega pela propaganda e não pela essência. Pena que a mágica cessa, e muitas vezes sobram os mesmos de sempre. E eu no meio, sem perder a essência, como caimbé, para lembrar, mesmo que queiram me apagar ou calar, que não ando só. Só não me misturo com o que encabula nossa gente. Não sou dos que depois de eleito larga mandato no meio e rompe compromissos com o povo. Quem conclui seu dever de ofício é a única alternativa ao que está se desenhando.

Não tenho hordas de robôs, nem minha família é tradicional, nem sou viúvo com espólio eleitoral. Não tenho “ex” glamoroso, nem padrinho político lobista. Não fui a Harvard, mas conheço a cidade, tenho princípios, moral ilibada, consciência cidadã e uma vontade de trabalhar que nem se imagina. Aguento risos de quem me vê no sol a medir calçadas. Bom que sou aliado da espada e da balança da justiça pela força, equilíbrio e ponderação; espero que você também. Mal sabem “eles” que não vamos repetir erros do passado, pois ainda dá tempo de resistir à desilusão à vista.

*Professor e Vereador de Boa Vista

A DEMOCRACIA E A PANDEMIA

Gaudêncio Torquato*

 

O planeta está assustado com a pandemia do Covid-19. Países grandes e pequenos, pobres e ricos, estendem os olhos aos laboratórios científicos na ânsia de receber respostas de vacinas que entram na fase 3 do teste. Mas, na paisagem das Nações, uma questão se impõe: que ajustes poderão ser feitos após a crise sanitária nos sistemas democráticos? Haverá evolução ou as regras continuarão as mesmas? O tema merece reflexão.

Comecemos com uma introdução histórica. A democracia de Aristóteles tem mudado de feição. O filósofo concebia a política como a responsabilidade do cidadão em relação à polis. Os habitantes submetiam-se a uma missão, não entendiam a política como profissão. Na Ágora, praça central de Atenas, a democracia nascia sob o clamor das demandas populares. Plantava-se a árvore da democracia direta.

Ao correr dos tempos, o Estado substituiu o absolutismo dos monarcas pelo espaço da República. O poder imperial cedeu lugar ao poder popular. Um poder arraigado no Estado moderno pelo ideário da Revolução Francesa, cujo escopo abrigava o governo representativo, as liberdades, os direitos e os deveres dos cidadãos nos campos da expressão, produção e comércio.

O conceito firmou-se com o axioma de Abraham Lincoln: “a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas ciclos de crise se sucediam abalando os fundamentos democráticos, inclusive em Nações avançadas, corroendo as frentes da representação. Os três Poderes, arquitetados pelo barão de Montesquieu como forma de se obter harmonia e independência entre eles, passaram a vivenciar tensões. Certa interpretação de tarefas começou a azedar as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desvios se acentuavam, a ponto de o chamado presidencialismo de coalizão ser frequentemente acusado de presidencialismo de cunho imperial, como é o nosso caso, em razão de o Poder Executivo usar o “poder da caneta” para negociar a governabilidade.

Sob outro prisma, os conjuntos representativos desviaram-se de seus papéis, a ponto de Norberto Bobbio ter dado forte puxão de orelhas ao acentuar que a democracia não tem cumprido suas promessas, entre as quais a educação para a cidadania, a transparência, o acesso de todos à justiça e o combate ao poder invisível.

Dito isto, ingressemos na atualidade. Os problemas emergem em escala geométrica, corroendo as áreas da saúde (veja-se atual pandemia que devasta Nações), da educação, da mobilidade urbana, da segurança pública, da habitação, do saneamento básico, entre ou
tras. No campo da sustentabilidade ambiental, a irresponsabilidade campeia, rasgando a terra, queimando florestas, destruindo riquezas naturais. Países perdem o bonde da história ao não acompanhar os avanços civilizatórios. Conflitos étnicos e religiosos explodem em todos os quadrantes. O comércio e o poder competitivo das potências intensificam querelas, como este entre a China e os EUA, uma espécie de segunda guerra fria. Até consulados são fechados.

Esse é o panorama que acolhe a pandemia do Covid-19. O que acontecerá na textura democrática após a crise? A resposta tem a ver com o estado d’alma sociedade mundial. Já vem de algum tempo um sentimento de contrariedade dos cidadãos em relação aos políticos. Tal contrariedade abriga rancores, ódio, indignação, a denotar desprezo pelos governantes. O sentimento tem se propagado nos últimos anos, como se observa nos conflitos que cercaram a primavera árabe, em 2010, abrangendo Tunísia, com a derrubada do ditador, e se estendendo pela Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã.

Em finais de 2011, um movimento chamado Occupy London, ao lado da catedral St Paul, chamava a atenção por reunir uma multidão numa das capitais mais democráticas do mundo. Pouco tempo depois, em 2012, foi a vez de Washington ver instalado o Occupy Wall Street, que pedia mudanças no sistema financeiro. Culpavam-se os governantes por problemas, como poluição, tratamento cruel contra animais, desigualdade social. No Brasil, tivemos as grandes manifestações de junho de 2013, empuxo do impeachment da presidente Dilma.

O fato é que, de uns anos para cá, a sociedade passou a ter participação mais ativa na política. Nos horizontes, vislumbra-se um poder centrípeto – das margens para o centro – revigorando as estacas da democracia participativa. Esta é, portanto, uma tendência a ganhar força nos tempos pós-pandemia.

Novos polos de poder se multiplicam aqui e alhures, usando estruturas de entidades intermediárias, como associações, sindicatos, federações, núcleos, setores, movimentos. Infere-se, assim, que o poder político tende a ser mais descentralizado, fortalecendo a ideia de um sistema compartilhado com o povo.

Já a nossa democracia atravessa gargalos: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; um governo ortodoxo e a manutenção de mazelas históricas.

 

 *Jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação 

Twitter@gaudtorquato

PAIRANDO NO VOO

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Quando ela canta me lembra um pássaro. Não um pássaro cantando, mas um pássaro voando.” (Ferreira Goulart. Em homenagem a Nara Leão)

É assim que me sinto quando ouço boa música. O que anda meio difícil, ultimamente. Acho que estamos voando na tempestade da evolução, sem saber evoluir. A “sofrência” anda fazendo mal. E isso não porque ela seja sofrência, mas pelo descaso que lhe dão. Saudade não é sofrência. Mas vamos deixar isso de lado e vamos nos cuidar. Precisamos de muita calma. E não a encontraremos onde não houver qualidade no que fazemos. Então vamos fazer o melhor no que fazemos. Simples pra dedéu. Semana passada, senti muito pelo falecimento do meu amigo Cardoso. Foi uma perda, de fato. E ele nos trouxa muita harmonia no seu trabalho encantador. Ele está numa ausência que não é ausência nem distância. Por isso, vai daqui meu abração pra você, amigão de sempre.

Voltemos à música. Sempre que ligo minha seleção de músicas, pela manhã, me sinto bem durante o dia. São clássicos e populares que estão se tornando clássicos pela sua qualidade. E não podemos sentir emoção sem o aperfeiçoamento da mente. E não podemos aperfeiçoar nossas mentes sem qualidade. Você não imagina o que estou sentindo, neste momento, ouvindo uma seleção de clássicos. Tente analisar seus sentimentos, ouvindo músicas suaves. Mas comece não perdendo tempo com dúvidas sobre a qualidade. Apenas sinta-a penetrando na sua mente, como um calmante espiritual.

Eu ainda era criança, quando em frente à porta de minha cara tinha um alto falante preso a um poste. O que era comum nas estações de rádio, na época. Elas colocavam os alto falantes nas ruas para divulgarem as notícias e, certamente, as músicas. E todos os dias eu acordava ao som de clássicos. E sempre às seis da manhã. Minha mãe adorava, porque não precisava nos acordar para ir para a escola. Não sei se ela adorava a música clássica, mas estava sempre as cantarolando, enquanto lavava a louça e a roupa. Legal pra dedéu.

Mas voltemos a falar sério. Vamos dar uma treguazinha no nosso arrufo cultural. Se é que estamos evoluindo culturalmente. Sei não. Novamente estou necessitando, mas sem coragem, de lhe dizer o que o Barão de Itararé disse sobre a influência da televisão nessa gangorra. A fala do cara é meio pesada e vai aborrecer muitos comunicadores. Então vamos mudar de rumo. Vamos nos divertir. E ainda há pouco estive me lembrando de amigos como o Jorge Macedo, o Plínio Vicente, e tantos outros que, de uma maneira ou de outra, contribuíram, e muito, para essa reflexão. E você nem imagina o que acabo de ouvir ali na rua. Pense nisso.

*Articulista

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