Opinião

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A POSIÇÃO DO STF SOBRE RETIRADA DE GARIMPEIROS DA TERRA INDÍGENA YANOMAMI: O QUE FICOU DECIDIDO?

Juliana de Paula Batista*  Luiz Henrique Reggi Pecora**

Nos dias 3 e 5 de agosto o Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve liminar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso em uma ação judicial cujo objetivo é a implementação de medidas para a proteção de indígenas durante a pandemia provocada pela Covid-19. Entre as medidas, o Ministro determinou a contenção de não-indígenas que estejam em sete terras, entre elas a Yanomami. 

A repercussão da decisão trouxe certa confusão. De acordo com Barroso, não é possível que o Tribunal determine, na canetada, a execução imediata das desintrusões, que exigem “planejamento adequado e diálogo institucional entre os Poderes”. Mas isso significa que o STF proibiu ou vetou a retirada de garimpeiros da Terra Yanomami? 

Não. Não significa. 

O Ministro Barroso, durante o julgamento, afirmou categoricamente: “A remoção dos invasores das Terras Indígenas é medida imperativa, imprescindível, e é dever da União. É inaceitável a inação do governo Federal”. O Ministro chegou a citar nominalmente o Estado de Roraima, dizendo que “além da extração ilegal de madeira temos também o garimpo e a mineração ilegal, que faz com que Estados como Roraima sejam o principal exportador de ouro do Brasil sem produzir nem uma grama! […] E, portanto, não reprimir esses crimes é gravíssimo, é um crime de lesa pátria, e incentivá-los ultrapassa todos os limites do absurdo”.

Portanto, o que o STF fez não foi vetar ou proibir a retirada, mas sim dar à União uma oportunidade de se organizar e promover a extrusão de não indígenas das terras afetadas, sem a intervenção do Tribunal. Se nada for feito voluntariamente, o STF poderá voltar ao assunto para definir medidas e ações concretas a serem realizadas para a “União equacionar o problema das invasões e desenvolver um plano de desintrusão”.

O STF também não definiu que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais que apresentem relação com a matéria objeto da ação. Com isso, permanece válida a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que ordenou a extrusão de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami.

Sabemos que os problemas econômicos que afligem o estado de Roraima são graves e precisam ser equacionados. Mas, infelizmente, garimpo em terra indígena não só é atividade ilegal e proibida, como resulta em graves impactos ao meio ambiente, à saúde e a vidas humanas. Não há como ser tolerante com atividades que contrariam o Estado de Direito, ou também teremos que ser tolerantes com o tráfico de drogas, de armas, de pessoas. Tampouco podemos ser negligentes com seus efeitos sobre a nossa saúde e bem-estar. A Lei é a Lei.

Cumpri-la é demonstrar vontade política em equacionar os graves problemas socioambientais e econômicos que afligem a Amazônia, buscando meios lícitos e capazes de gerar empregos de qualidade e renda segura para a população. Tais medidas são fundamentais para atrair investimentos e ajudar o País a sair da grave crise econômica agravada pela pandemia da Covid-19.

É este, inclusive, o recado de investidores e empresas. Ouvi-los é importante se quisermos atender aos mercados consumidores de nossas commodities e produtos. Quando a pandemia passar, o mundo estará disputando esses investimentos. Conseguirá mais quem mostrar maior capacidade de assegurar a legalidade, conservar florestas e respeitar os povos indígenas. Roraima tem tudo para sair na frente.

*Advogada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Trabalha desde 2010 com direitos indígenas e socioambientais, em especial na Amazônia brasileira. *Advogado e Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Colúmbia (NY/EUA). Atua na área de direitos humanos desde 2014, e desde 2019 com o tema dos direitos dos povos indígenas na Amazônia. 

DIREITO A TERRA

Ronildo Rodrigues dos Santos*

Terra, nosso corpo, nosso espírito da terra…Terra, a humanidade precisa da terra. A existência e os direitos da vida. Com a certeza e a grandeza dessa esfera. Nascerá uma nova era nesta terra. Nossa mãe, resistência, flor e fera. Boi Caprichoso 2020

A terra vem cada dia se tornando um elemento importante na questão dos Direitos Humanos e em defesa do direito à vida. A questão do direito ao território vai além da terra em si. Falar de terra é falar da vida, da proteção, do reconhecimento e afirmação das culturas, proteção e preservação de povos, modos de vidas, identidades, rios, matas, animais. Precisamos sair dos debates amorosos e quentes de interesses privados, para o debate consciente, humano de proteção à vida em primeiro lugar. 

Hoje, além dos diversos conflitos históricos que enfrentamos no Brasil, em que poucos têm muito e muitos têm pouco, a Reforma Agrária abandonada ou rejeitada por quase toda classe política brasileira, ainda é a única solução, para que possamos avançar na tentativa de romper com essa estrutura social, forjada na desigualdade.

No Brasil a luta pela terra virou um verdadeiro campo de guerra. Os camponeses, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, vem perdendo vidas há anos em busca de direitos não conquistados e em defesa de direitos ameaçados. Apesar de termos o Estatuto da terra de 64, o próprio artigo 5º da constituição federal nos incisos XXII e XXIII, artigo 186º da constituição e a lei complementar 8.634/93, de que deixam claro muitas questões sobre a terra, essa luta continua cada dia mais violenta contra os movimentos sociais e os povos que defendem a terra, e lutam para ter terra.

Precisamos de políticas claras em relação a proteção da terra e as pessoas que dependem dela, como exemplo, o pequeno agricultor, a produção familiar que vem a cada ano sendo esquecida pelos investimentos públicos. Estes que a cada dia estão vivendo sob ameaças, devido ao discurso da ilegalidade do seu chão, e pela tentativa do agronegócio de lhe retirar do seu espaço. Camponeses que sofrem sem estradas, sem meio de escoar sua produção, jovens do campo sem acesso ao ensino, sem formação técnica para voltar ao seu chão e produzir. Povos indígenas vivendo com suas terras invadidas, sendo destruídas, contaminadas, tendo que lutar contra as tentativas de legalização dessas invasões. 

O futuro da humanidade está totalmente ligado a terra e seu modo de uso, não só a questão da moradia, da propriedade ou uso, mas na temática da segurança alimentar. Saber como usar, como produzir, de que forma produzir, afeta o futuro da sociedade. No Brasil a produção de milho e soja vem crescendo, reduzindo a produção de alimentos que estão e precisam estar presente todos os dias em nossas mesas. A forma de produção brasileira é a base de veneno, os conhecidos agrotóxicos, que a cada dia são utilizados vigorosamente, e que tem nesse atual governo brasileiro a liberação de uma infinidade de produtos tóxicos para serem usados na produção agrícola.

Aqui temos dois problemas sociais graves. O primeiro reside na questão da saúde, muitos desses agrotóxicos são extremamente perigosos a saúde humana. Esses produtos à base de veneno estão todos os dias em nossas mesas, em grandes supermercados e agora tem aparecido em nossas feiras populares. São produtos que vem gerando câncer e outras doenças. Estamos falando de uma sociedade que será mais vulnerável a doenças, uma população que vai envelhecer com mais problemas de saúde, afetando a produção econômica, pois quanto mais vulneráveis, sua capacidade de produção no mercado de trabalho será deficitária, seu tempo
de trabalho será menor, o que ocasionará várias interrupções por causa da saúde. Neste sentido, o estado será obrigado a aumentar os investimentos em saúde pública e em tratamentos de doenças graves geradas por contaminação.

Pensar numa produção mais saudável é um investimento em saúde, que resvala na econômica e no social, além de dar ao Brasil uma maior competitividade internacional. O segundo problema está inserido na atualidade do debate que trata da produção agrícola brasileira e as suas ressonâncias no esquema de exportação. O acordo MERCOSUL e UNIÃO EUROPEIA, além dos conflitos políticos que dificultam o fechamento desse trâmite liderado pelo Presidente Francês, o modo de produção brasileira esbarra em diversas cláusulas desse termo de cooperatividade. Não só o uso absurdo de agrotóxicos, mas o uso desses produtos já banidos em solo europeu. O uso de terras ilegais, o desmatamento desenfreado, as queimadas criminosas são alguns dos problemas internos a serem enfrentados, com reflexos nas relações comerciais do Brasil com o mundo. O País vem perdendo espaço internacional aos seus produtos, e essa irresponsabilidade interna vai custar caro a economia.

Vivemos um tempo misterioso, de futuro incerto com essa pandemia. Vidas se perderam, vidas ainda estão sendo perdidas. Precisamos repensar nossa humanidade, em nossas relações humanas e com a terra. Necessitamos repensar nossa produção alimentar. Urge repensar o debate ao direito à terra, não apenas na legalidade da propriedade, mesmo sabendo que ainda temos muito que avançar nesse debate, mas o direito de ter direito na terra, no campo, na comunidade, no quilombo. Pois sem segurança jurídica, educação, saúde, mobilidade, condições de produção, escoamento, o debate do Direito a terra se torna vago. O debate tem que ser não só sobre ter propriedade, mas em ter condições para viver na propriedade.

*Acadêmico de Ciências Sociais

APRENDA COM ELAS

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“A vida é para quem topa qualquer parada. E não para quem para em qualquer topada.” (Bob Marley)

As crises sempre nos alertam para as mudanças. O importante é que aprendamos a prestar mais atenção às crises, e aprender com elas. Não estou dizendo que sua companheira do lar seja uma crise. Longe disso. Mas são iguaizinhas. Ou você aprende com elas, ou você cria uma crise. E se prestar atenção vai ser divertido e gostoso. O importante é que você saiba viver a mulher associada à crise. Ou você será um tolo. 

A quarentena atual está nos torturando, porque não percebemos que não sabemos viver sem as crises. Simples pra dedéu. Ficar preso, vinte e quatro horas, todos os dias, com a companheira dentro de casa, esperando que ela lembre você que está na horta de lavar os pratos, é boboquice. E isso sempre traz arengas.

Ontem eu estava pingando nervosismo. Tentei combinar alguma coisa com ela, e ela sempre respondia com outro assunto. E você não imagina o quanto isso me irrita. E quando estou irritado sou uma fera. Faço careta até pro fantasma. E a arenga, aparentemente provocada, levou-me ao desespero. Pulei pra frente, levantei o dedo em riste e gritei tão alto que acho que os vizinhos ouviram:

– Você tá me provocando. Não demora e vou perder a calma. 

Ela estava sentada na cama, arrumando-se, não sei pra quê. Arrumava o vestido, alisava os cabelos e parecia não dar a mínima pra meu arrufo. Continuei ameaçando, sem perceber que ela não estava nem aí. De repente ela levantou-se, aproximou-se, arregalou os olhos bonitos, pôs o dedo em riste quase tocando meu nariz. Estiquei o corpo, preparando-me para o embate. Bem séria, ela falou suavemente: – Eu tô bonita assim? Tá gostando? 

Cara… O riso explodiu. Rimos como dois desgovernados. Abraçamo-nos e saí quase chorando, para me divertir como os quero-queros picando a grama da Praça. 

Dia desses, quando a crise ainda se iniciava, acho que ela, a dona Salete, já se preparava para os trancos da crise. Um dia ela me olhou e disse: – não sei como consegui viver sessenta e dois anos, aturando essa figura. 

E ela se referia a mim. Quando estiver se envolvendo numa briguinha comadresca com sua mulher, reflita. Será que você é superior a ela? Será que não é ela que o está aturando? Aprenda a aprender com ela. Quando vocês se uniram, no casamento ou na convivência, a escolha foi dupla. Cada um é responsável pelo que escolheu. E só assim respeitamos um ao outro como cada um é. Cara, você está sempre por baixo, acredite nisso. Se algo estiver errado, a escolha foi sua. Então assuma a responsabilidade na escolha. Pense nisso. 

*Articulista  Email: [email protected] (95) 99121-1460