Opinião

Opiniao 11 03 2019 7809

Ascender pelo aceite

Tom Zé Albuquerque*

A conscrição atinge a todos. Quantas vezes seremos constrangidos a pisar sobre os espinheiros da calúnia? Quantas e tantas vezes transitaremos pelas veredas escabrosas da incompreensão? Eis a luta diária…

As árvores, nos ritmos de podas, tem seivas subtraídas ao ponto de afear-se mas, em pouco tempo, revigora-se robusta na oferta de beleza e de fartura. A água, minguada, abandona o aconchego de sua fonte, se alvoraça pelos inevitáveis movimentos, mas se ajusta no abanado do rio para alcançar a placidez grandiosa do mar. Assim vaga o espírito em sua missão na escola Terra.

Na labuta diária, encontramos impedimentos a granel, travando as ações libertárias. O fracasso faz parte do progresso; o aceite à falha do companheiro também; o fel que jorra pelos lábios dos facciosos fere a alma, mas, ao final, engrandece a essência humana. Por mais que não queiramos aceitar a lei da causa e do efeito, ela vingará. A pedra bruta deve estar em constante burilamento; é o espelho humano a serviço da organização quântica.

Caso perguntássemos ao grão de trigo acerca do moinho, certamente o apontaria como casa de tortura para qual se aflige e sofre; entretanto, é daquele espaço atroz que o pão da subsistência do mundo. Caso inquiríssemos a madeira em relação ao serrote, naturalmente responderia ser aquele objeto o responsável, em todos os momentos, do dilacerar de suas entranhas; noutra forma, faz-se indispensável para a guarda e habitação do ser humano. E se abordássemos a pedra para opinar sobre o buril, diria ser ele o detestável algoz de sua tranquilidade, ao feri-la impiedosa e diuturnamente; mas reconheceria também ser através dos golpes lapidadores que se elevam os brilhantes tesouros da Terra.

Não somente o agasalho protege o corpo, mas a sabedoria fortalece o espírito. A cirurgia reparadora adequa o defeito orgânico, mas o reparo íntimo enobrece o cerne hominal. Os títulos honrosos ilustram a face transitória, mas as virtudes etéreas enriquecem a consciência eterna. Além das flores, queiramos produzir frutos. O ensino é valoroso, mas a efetividade da ação muda contextos. Não somente Eu, mas também nós. No plantio do que é nobre, o tempo se encarregará da germinação, da florescência e da frutificação, no tempo certo.

A razão é luz gradativa, por ela conclui-se que a labuta diária não se restringe pela batalha entre o bem e o mal, mas a partir da peleja da ignorância contra o conhecimento. Há obreiros de toda casta, dos que mergulham na lida, incansavelmente, e daqueles que imputam num ou noutro fato externo como a desculpa para o recuo. Para o bem da humanidade, “O plantio é facultativo, a colheita obrigatória”.

A vida é curso avançado de aprimoramento através do esforço perene, mas quanto for adensado mais o ser humano, menos evolução terá. É como dizia William Shakespeare: “O que atrapalha minha evolução é esse espesso envoltório carnal que perece!”

*Administrador

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… DEUS ACIMA DE TODOS

Wender de Souza Ciricio*

Democraticamente, elegemos um presidente da República que declara explicitamente a crença em Deus, o Deus objeto da devoção do Cristianismo e devotado por boa parte da população brasileira. Ter no País seu maior líder falando rasgadamente o nome de Deus soa agradável aos ouvidos de muitas pessoas, faz bem, e cria expectativa de ter no poder, no mínimo, uma pessoa íntegra, pois sem negociação é essa a postura moral de Deus.

É viável, já que muitos concordam e se maravilham com esse novo slogan, compreender o valor e a substância da frase. Para isso, não precisa ater-se apenas ao presidente que dessa frase faz uso, mas ao brasileiro que nela cria grandes expectativas. Empolgados e esperançosos, às vezes, abraçamos algumas causas sem, contudo ter a percepção aguda e fina do que se trata. Afinal, quem é esse Deus e de onde procedem aos dados sobre sua pessoa?

Não existe qualquer possibilidade de falar, estudar e se entranhar de Deus sem abrir as Escrituras sagradas. Longe dessa ferramenta, qualquer cristão ou não cristão produzirá um conhecimento pobre e inadequado sobre Deus. Não tem como depositar fé em alguém que não se revela e se expõe, e Deus o faz através da Bíblia. Esse livro tem um percurso histórico gigante, demorou cerca de 1.500 anos para ser finalizado, e mesmo nessa distância de tempo não se prova nada contra a unidade de pensamento entre seus vários escritores. Homens escreveram, respeitando seus ambientes culturais e históricos, apresentando o caráter de Deus e a expectativa que ele tem para o homem.

A partir dessa fonte denominada Bíblia, o Brasil pode compreender melhor o significado do slogan “Deus acima de todos”. E de antemão adianto que se forem a fundo vão correr dessa causa, porque vestir a camisa de Deus não se dá de forma irreverente e banal. Na concepção teológica, “Deus acima de todos” não é colocá-lo aos pés do Brasil ou de qualquer indivíduo. Não se trata de um Deus que desce para obedecer, mas um Deus que espera ser obedecido. Existem conceitos vindos do céu que frontalmente mexem com nossa condição moral e com nossa efêmera e conflitante ética.

Sabe de uma coisa? Deus tem normas e princípios irrevogáveis. São princípios que não negociam com culturas e costumes diversos. O Deus acima de todos não é volúvel, é categórico e tem uma única personalidade que não muda com o tempo nem com o espaço físico. Ele é Ele e pronto. Tem apenas uma couraça, uma única palavra. É isso que se relata nas Escrituras. Se o Brasil quer Deus, não será um Deus costurado e construído nos moldes deste País, porque antes do Brasil ser Brasil, Deus já existia e já estava pronto com seu caráter definido e eterno.

Acalma-se porque, nessa conjuntura toda, esse Deus que o Brasil tanto cita é benevolente, afável e altruísta. Imaginar que obediência a Ele fará do ser humano um vassalo e escravo de um coração pesado e atribulado é um enorme equivoco, tire isso de sua cabeça. A herança inquisitória ainda transita no coração de muitos que creem em Deus, tratando como se a essência dele fosse apenas castigo, açoite e condenação. Deus é amor, diz a Bíblia, e amor nesse contexto significa entrega, renúncia a favor do homem e da mulher, e isso inclui todo brasileiro.

O “Deus acima de todos” é aquele que, que apesar da disparidade entre Ele e o terreno, desce e toma a iniciativa de construir uma relação, uma aliança e uma amizade com esse homem e essa mulher. É o Deus do encontro, do tato, da empatia, do apego e do cuidado. O Brasil ganha muito e muito se abraçar esse slogan com força e com vontade.

Sem qualquer burocracia, vaidade e empáfia, Deus é aquele que se incomoda conosco, respeita muito nossa liberdade de abraçá-lo ou não, sabe de nossos limites e tem paciência desmedida para com cada um de nós, mesmo sendo nós vazios, imperfeitos e até arrogantes. O cantor João Alexandre canta: “Brasil olha pra cima, existe uma chance de ser novamente feliz”. Tantos coices levamos em nossa história. Não ser
ia hora de olhar para Deus?

*Teólogo, historiador e psicopedagogo

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Sobre a violência

Oscar D’Ambrosio*

E a violência tem razão de ser em alguma ocasião? Aparentemente não, é claro, mas certos filmes nos obrigam a pensar essa questão em condições extremas.  Embora se trate de uma ficção, “Você nunca esteve realmente aqui”, da diretora Lynne Ramsay, tem esse poder e conta com a marcante atuação de Joaquin Phoenix para atingir esse objetivo.

Premiada duplamente (Melhor Ator e Roteiro) no Festival de Cannes, a obra conta a vivência de um veterano do exército na casa dos 40 anos, que vive com a mãe, com sintomas de Alzheimer, e trabalha como assassino profissional. Ao ser contratado por um pai que teve a filha de 11 anos sequestrada por um grupo de traficantes de mulheres, envolve-se numa jornada de sangue sem volta.

A menina é objeto de desejo do governador do Estado e o jogo de influências, em suas mais diversas escalas, é difícil de mensurar. As consequências são as piores possíveis para todos os envolvidos em uma série de eventos que se conectam pela eliminação daqueles que de fato podem fazer alguma coisa contra o poder instituído e daqueles que apenas talvez pudessem ter alguma ação.

Os elos de violência se alinhavam e espalham de modo a deixar o protagonista e a menina juntos ao final, numa cena ambígua, em que dois finais se entrecruzam no sentido de apontar o que poderia ser e o que realmente poderia ter acontecido. Trata-se de algo intercambiável numa sociedade em que a violência parece estar ganhando o primeiro plano.

*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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Reencontro sem encontro

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Uma declaração positiva é uma declaração sobre o que você quer e não sobre o que você não quer”.

Sempre que nos aborrecemos, perdemos tempo com o que não queremos. Nunca queremos aborrecimento. Mas ficamos a vida toda o procurando. Não conseguimos viver sem ele. Aborrecemo-nos até conosco mesmo. Mas na caminhada da vida, vamos aprendendo a contornar. Lamentável é que apenas a minoria da população mundial é capaz de fazer isso. De viver contornando os desvios e evitando os aborrecimentos. E pelo que vejo, acho que esse curso começa já na infância. E somos sempre autodidatas nesse particular. Comecei nessa faculdade ainda criança, mas só aprendi a lição depois de décadas de vivência. É muito difícil aprender com exemplos. Requer muita experiência, e esta só vem através das caminhadas. E isso quando sabemos caminhar por caminhos ínvios.

Esperando que um dos meus filhos desocupasse meu computador para eu trabalhar, dei uma vasculhada na minha velha e maltratada estante. Sem nenhuma intenção, peguei o livro “Várzea do Açu”, do escritor potiguar Manuel Rodrigues de Melo. Abri o livro, ao acaso, e me deparei com uma foto do Arthur Felipe, um revolucionário, assassinado em mil novecentos e trinta e dois, dois anos antes de eu nascer. Aquela foto remeteu-me à minha infância, quando eu brincava muito, com o filho mais novo do Arthur Felipe. O garoto tinha um pouco mais de idade do que eu. Havia nele uma particularidade que só agora me ocorre e me lembra, por que eu me irritava tanto com ele. E isso sem que eu percebesse o porquê. Só naquele dia, setenta anos depois, foi que me toquei. Era que ele só vivia dizendo que quando crescesse iria matar o cara que matou o pai dele.

O garoto era obsessivo. Ele falava do assassinato, com impressionantes detalhes, como se o tivesse assistido. Aquilo me irritava, na minha inocência infantil. Mas acho que foi um alicerce para meu amadurecimento vida afora, lidando sempre, e não sei por que, com pessoas de pensamentos doentios. Não sei qual foi o futuro daquele garoto. Por isso, não menciono seu nome. Talvez ele tenha se reencarnado no Denis da Rocinha, que antes de se tornar um dos maiores traficantes cariocas, foi, quando jovem, meu auxiliar numa empresa carioca, no Rio de Janeiro. As conversas do Denis não me irritavam, mas eu o aconselhava a maneirar, sempre que ele me dizia:

– Seu Afonso… Eu ainda vou ser muito famoso. O Brasil todo vai me conhecer… O homem pra ser safo tem que ser safado!

E ele foi. Décadas depois, foi assassinado na prisão, como um dos maiores traficantes da Rocinha. Pense nisso.

*Articulista

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99121-1460