Opinião

Opiniao 22 01 2019 7565

Desenvolvimento e metodologias em Economia

Valdemir Pires*

Nas últimas três, quatro décadas, o ensino, a pesquisa e o exercício profissional na área da Economia têm sido fortemente marcados por uma abordagem metodológica quantitativista, que se ampara em duas causas proeminentes, entre outras: primeiro, a facilidade proporcionada pelas novas tecnologias de armazenamento e processamento de informações, que fazem das modelagens e cálculos brincadeira de criança; segundo, o prestígio que a suposta capacidade de previsão (quando não predição) de tais modelos e cálculos dá aos economistas. Moleza e prestígio se juntam e fazem desse profissional o novo sacerdote do Deus-Mercado.

Outro aspecto notável dessa tendência é que esses sacerdotes estão usando as técnicas econométricas fundamentalmente para buscar evidências da ineficiência do Estado, que culminam em recomendações para desregulamentações, privatizações, freios fiscais e políticas assemelhadas.

As metodologias e análises que optam por uma abordagem histórica ou que, pelo menos, considerem a História, foram praticamente abandonadas pelos economistas, sobrevivendo marginalmente. No Brasil, universidades e centros de pesquisa, órgãos governamentais e frações importantes da opinião pública consomem as análises e recomendações dessa vertente perigosa da Ciência Econômica, ostentando o domínio do “estado-da-arte”. E o estado-da-arte consiste na arte de rechaçar o Estado, basicamente.

Não vai nesta crítica nenhuma aversão à Matemática, à Estatística, à Econometria, aos esforços de quantificação e cálculo, tão fundamentais na Ciência Econômica, mas uma repulsa explícita à redução do mundo a esses elementos, redução que só é ouro para tolo: embasbaca quem não sabe fazer conta e se admira diante de quem parece saber (sem se dar conta de que “rodar o modelo” no computador não é tão difícil assim, com os pacotes estatísticos disponíveis).

O fundamental, nesse momento da economia mundial e nesta fase de encalacramento da economia brasileira, é produzir análises que, longe da prepotência pseudocientífica, atentem para as estruturas de poder e geopolíticas, para as relações estratégicas, para os interesses em confronto, na busca de um projeto de desenvolvimento, ou seja, uma articulação entre instituições mercantis e estatais que, no atual contexto global, viabilize as condições materiais para a sobrevivência dos que habitam as fronteiras do que vimos chamando de Brasil desde 1500. De preferência, com um pouco mais de perspectivas inclusivas do que tem sido feito até aqui; de preferência, incluindo nos cálculos elementos pertinentes à necessidade de melhor distribuição da riqueza e da renda.

*Economista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara

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Um brinde ao desejo

Walber Aguiar*

“Amamos mais o desejo do que o ser desejado” (Nietzsche)

A noite cai sobre a cidade. Chega empurrando a barra do dia, esparramando seus cabelos negros pelo chão da vida. Todos se aquietam. Uns vão para o bar, cheios de inquietação, outros seguem para casa. Ainda outros continuam trabalhando. O desejo é palpável e caminha ao lado de cada um.

Ora, a noite tem seus cheiros, marcas e inevitáveis lembranças. Cheiro de sexo, de dinheiro, de pulsões e compulsões. E desejar é coisa muito perigosa. Mexe com o peito magoado, com a psique adoecida, com a alegria de se estar vivo e pulsante. Isso porque não somos amebas, seres assexuados, tampouco portadores do celibato forçoso. Se o sangue corre nas veias, o desejo corre pela mente, disposto a cravar as unhas, a sentir os aromas, a beijar a boca que se insinua doce e convidativa.

Somos natureza enquanto estamos nus, cheios de paixão e de loucura por aquilo que desejamos possuir. Sem sermos hipócritas, temos que aceitar o fato de que não somos adeptos da era vitoriana, do tempo em que o sexo era feito por cima da roupa, sendo visto como coisa do demônio, como concupiscência dos olhos e da carne.

Quando a noite cai sobre o palco da realidade, traz consigo o véu do desejo e as cortinas da sexualidade. Traz também o desejo incontido e irresponsável de sair “pegando geral”, sem distinção de cor, raça ou condição financeira. Tal desejo se revela doentio, pois não há limitação para o prazer, que pode ser a dor do outro. São os discípulos de Epicuro que entram em cena, dispostos a todo tipo de lambuzamento, quer do corpo, quer da alma.

A sombra da noite também revela o desejo sadio, a sexualidade sem culpa. Desejar é bom, conseguir o que se deseja é melhor ainda. Isso se dá pelo fato de que ninguém pode se esconder atrás da cultura, da imposição, da tirania social. O homem é um bicho enquanto envolvido pela lógica da natureza e seus naturais impulsos. Não dá pra negar o desejo, a vontade. Não dá pra fingir que não acontece conosco, que somos intocáveis diante da sensualidade. O falso moralismo e o legalismo de usos e costumes não servem pra nada diante da sensualidade.

Desejar é extremamente perigoso quando não queremos aceitar as implicações do desejo. É como despetalar a flor em botão e não deixar que ela se abra naturalmente. É como atiçar uma colmeia e não ter disposição para correr na hora das ferroadas. Daí o autor de Cantares recomendar que não se acorde o amor até que este o queira.

Temos que concordar com Nietzsche quando afirma que amamos mais o desejo que o ser desejado. Se o desejo não for encarado com responsabilidade, acabamos por matar o ser que desejamos. Porque o desejo que sentimos ficará sempre conosco, egoisticamente, enquanto o objeto do desejo pode ser facilmente descartado.

A noite cai sobre a cidade. O desejo cai sobre cada um de nós. Resta saber o que vamos fazer com ele.

*Advogado, poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras.

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Deus age de maneira sensacional

Marlene de Andrade*

“No dia da minha angústia clamarei a ti, pois tu me responderás.” (Salmo 86:7)

Fui submetida à cirurgia de catarata em meados de novembro pela equipe de Dr. Alexandre Marques e após 15 dias fui operada do outro olho pelo mesmo motivo. No dia 13 de dezembro, fui submetida à cirurgia de artroplastia de quadril pela equipe do ortopedista Dr. Bruno. Essas cirurgias me deixaram abalada. E o interessante é que fui tratada muito bem por todas as duas equipes de saúde e hoje minha recuperação pós-cirúrgica tem sido de excelência.

Bem, mas aonde quero chegar? Não está indo tudo bem e minha recuperação não está caminhando dentro da normalidade? Sim, está. Ocorre que sou muito ativa e ficar parada dentro de casa, só lendo, é algo muito assustador para m
im e em cima dessa constatação pensei: como o Senhor age nas nossas vidas?!

Deus nos dá saúde, mas de repente nos joga numa situação de dependência para percebermos que somos pó da terra. Aí vem uma doença devagarinho e nos coloca num canto chorado e isso é muito sensacional, pois podemos entender melhor que somos uma folha seca jogada ao vento e que dependemos de Deus e das pessoas ao longo de nossas vidas de forma muito mais evidente do que pensávamos.

Desse modo, Deus está me ensinado que dependo dEle 24 horas por dia e isso é sensacional mesmo e de agora em diante vou me lembrar disso sempre e cada vez mais e depois desse chega para lá de Deus, vou pensar duas vezes antes de achar que tudo posso fazer e que não tenho limites. E por que isso ocorre? Porque é Deus agindo para nos mostrar a nossa limitação.

Devido a essa prova, comecei a pensar nos pacientes crônicos hospitalizados. Entendi melhor o sofrimento daquelas pessoas jogadas à própria sorte, abandonadas por suas famílias e muitas vezes lesadas pela parentela que fica com o dinheiro da aposentadoria do doente e que, muitas vezes, até mudam de endereço e somem na poeira.

Que bom que Deus me ensina que sem Ele sou um barco à deriva e junto dele nada tenho a temer, pois Ele mesmo disse: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha mão direita” (Isaias 41:10).

Não posso reclamar de nada, pois estou sendo bem assistida e por isso só tenho que dar graças a Deus por tudo que Ele me tem proporcionado. E o interessante é que precisei passar por esse teste para entender que preciso fazer um trabalho com doentes crônicos, dando apoio para pessoas enfermas e carentes, principalmente, de carinho.

*Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT – CRM/RR-339 – RQE-341

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Milagre existe, sim

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“A experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido.” (Confúcio)

Recentemente lhe falei de quando vínhamos da praia e a dona Salete encontrou sessenta reais jogados ao chão. Ela passou o dia todo torturada sem saber se usaria o dinheiro ou se o doaria para alguma entidade beneficente. Demorei pra dedéu para convencê-la de que nós somos uma identidade beneficente. Por que não? Mas ela continuou imaginando que o dinheiro poderia ter sido perdido por alguém que necessitasse muito dele. Finalmente a convencemos. No dia seguinte, saímos para uma caminhada pela praia. Quando passamos por onde ela encontrou o dinheiro, insisti para que entrássemos pela rua. E como houve resistência, procurei ver o nome da rua para me lembrar sempre dela. Fiquei em pé com os olhos arregalados. Os dois olharam para a placa da rua e começaram a rir. Era Rua Brasília. Aí rimos e convencemos a dona Salete de que o dinheiro poderia ter, muito bem, caído de alguma mala cheia.

Passamos a manhã na praia. Na volta para o almoço, ela não quis voltar pela Rua Brasília. Voltamos pela Avenida São Paulo. Já estávamos perto de casa quando o Alexandre falou alto:

– Aqui, mãe! Aqui! Pega aqui!

Ela virou-se, abaixou-se e pegou o objeto. Era uma moeda de cinco centavos. Pulamos de alegria, chamando a atenção do pessoal. Ela levantou o braço exibindo a moeda e falou pra mim:

– Pronto, Seu Afonso. Agora é a sua vez. E não me venha com essa de achar algo inferior a cinco centavos. Eu te conheço.

Aí fechei a cara porque também me conheço. Faz uma semana que eu caminho pelas ruas da Ilha e ainda não achei coisa nenhuma. Mas não vou perder a fé que tenho nos milagres. Desde que a moeda seja superior a cinco centavos. Senão, não vou mais ter crédito com a família. Dona Salete achou sessenta reais, o Alexandre achou cinco centavos e agora é minha vez. Quem sabe, vou tirar o pé do atoleiro. Nada como acreditar que os milagres acontecem. Mas não deu pra ir à praia ontem. Amanheceu com um chuvisquinho friinho. E quando o Sol acordou, já era hora de preparar o almoço. Provavelmente, a sorte também acordou preguiçosa e vai me esperar pra depois.

Mas não consigo me lembrar se alguma vez já achei, pelo menos, alguma moedinha pelas ruas. Mas isso não importa. O importante é que fico feliz quando alguém fica feliz. E até uma simples moedinha de cinco centavos pode fazer um grupo de pessoas levantar os braços e festejar por encontrá-la. Quem sabe, amanhã será meu dia. Vou me levantar cedo e caminhar pelas avenidas e ruas e tentar a sorte. Pense nisso.

*Articulista

[email protected]

99121-1460