Opinião

Opiniao 22 08 2019 8794

A prova é ilegal, mas o cadáver é verdadeiro – Luis Cláudio de Jesus Silva*

Já viraram rotina as notícias com denúncias de provas obtidas por meio de grampos telefônicos ilegais, sempre acompanhadas de manifestações que, tentando interpretar as normas jurídicas, defendem que se ignore os diálogos e possíveis confissões ou evidências de crimes revelados. Diante desse cenário, sempre me questiono se as revelações contidas nos grampos telefônicos ilegais detalharem a existência de um homicídio, inclusive com indicação de autoria e local onde se encontra o cadáver, também devemos ignorar essa prova (cadáver), pois foi descoberta por meio ilegal? Para trazer a realidade atual, destaco as recentes revelações de conversas entre o então juiz federal Sérgio Moro, com os membros da Operação Lava-Jato, tornadas públicas pelo suspeitíssimo site Intercept e já comprovadas que obtidas por meio de invasão telefônica, com uso de hackers. Ou seja, tais conversas caracterizam-se como prova ilegal, pois foram obtidas por meios ilícitos. É óbvio que, os atos ilegais devem ser reprovados por todos de boa fé. No entanto, mesmo entendendo não haver crimes nas conversas, penso que estas estão aí e, se provadas originais e verdadeiras, não podem simplesmente ser excluídas dos processos ou ignoradas como se nunca tivessem existido.

O direito processual penal trata a prova ilegal como gênero e desta derivam a prova ilícita e a prova ilegítima. Nosso objetivo é compreender a primeira, usada para interpretar e recriminar as interceptações telefônicas sem autorização judicial. Para nosso ordenamento jurídico, se o ato de grampo telefônico é ilegal, as conversas por este reveladas foram obtidas por meio ilícito e são imprestáveis como prova, devendo ser inutilizadas ou, se juntadas ao processo, desentranhadas e destruídas. Bem, se a norma é objetiva e as interpretações estão pacificadas, o que fazer se a conversa revelar um crime de homicídio e o local onde se encontra o cadáver? Destruir as conversas, as confissões, as provas, pois obtidas de forma ilegal? As inúmeras interpretações doutrinárias podem se valer da teoria dos frutos da árvore envenenada, da teoria da fonte independente, da teoria da descoberta inevitável, da teoria da mancha purgada, ou tinta diluída, ou limitação da contaminação expurgada ou, ainda, da limitação da conexão atenuada. Como se vê, o leque de interpretações é extenso, no entanto, nenhuma é suficiente para responder de forma objetiva o que fazer com o cadáver descoberto por meio de escutas ilegais.

A meu pensar, ao mesmo tempo que não se pode estimular ou premiar quem comete atos ilegais como a realização de interceptação telefônica sem autorização judicial, ou o uso de tortura para obter uma confissão, também não podemos, como regra, simplesmente ignorar os resultados quando reveladores de crimes. Que se puna a todos de forma exemplar, quem obtém a prova de forma ilegal e quem por ventura fora descoberto na prática criminosa. Do contrário, por mais que se ignore o que foi dito e revelado e o crimes confessados, o cadáver continuará lá, apodrecendo, rodeado de aves de rapina, e pondo a feder todo o nosso ordenamento jurídico. 

*Professor universitário, Doutor em Administração. [email protected]

Saber e Sabedoria – Flamarion Portela *

O melhor mestre é aquele que tem saber e sabedoria. Cora Coralina, poetisa e escritora goiana, definia saber e sabedoria dessa forma: “O saber se aprende na escola, com os mestres e com os livros. A sabedoria, com a vida”. 

Baseado na premissa dessa grande mulher, vou compartilhar com os queridos leitores essa bela história sobre o aprendiz e o mestre:

“O aprendiz perguntou para o mestre; – Mestre o que é veneno? – Qualquer coisa além do que precisamos é veneno, pode ser poder, preguiça, comida, ego, ambição, medo, raiva, o que for.

– E o que é o medo? – O medo é a não aceitação da incerteza. Se aceitamos a incerteza, ela se torna aventura.

– E o que é a inveja? A inveja é a não aceitação do bem no outro. Se aceitamos o bem, se torna inspiração.

– E o que é raiva? Raiva é a não aceitação do que está além do nosso controle. Se aceitamos, se torna tolerância.

– E o que é o ódio? O ódio é a não aceitação das pessoas como elas são. Se aceitamos incondicionalmente, então se torna amor.

– E o que é maturidade espiritual? – É quando para de tentar mudar os outros e se concentra em mudar a si mesmo. É quando você aceita as pessoas como elas são. É quando você entende que todos estão certos em sua própria perspectiva. É quando você aprende a deixar ir. É quando você é capaz de não ter expectativas em um relacionamento e se doa pelo bem de se doar. 

Maturidade espiritual é quando você entende que o que faz, você faz para a sua própria paz. É quando você para de provar para o mundo o quão inteligente você é. É quando você não busca a aprovação dos outros. É quando você para de se comparar com os outros. É quando você está em paz consigo mesmo.  Maturidade espiritual é quando você é capaz de distinguir entre precisar e querer e é capaz de deixar ir o seu querer. 

E por último, e mais significativo, você ganha maturidade espiritual quando para de anexar felicidade em coisas materiais”.

Esse texto nos traz uma bela reflexão sobre nossos conceitos. Muitas vezes somos egoístas a ponto de achar que sabemos de tudo, que conhecemos tudo, pelo simples fato de sermos mais letrados que o outro, de termos um nível intelectual mais elevado que o outro.

É preciso que tenhamos a consciência de que somos todos iguais e, embora uns saibam mais que os outros, estamos em constante aprendizado, seja pelos livros, seja pelas experiências adquiridas.

A vida é um eterno aprendizado que nos conduz à sabedoria, construída só, e tão somente, ao longo dos anos vividos.

*Ex-governador de Roraima

AQUELE GAROTO QUERIA MAIS DO QUE DOCE DE LEITE – Wender de Souza Ciricio*

Um fato inusitado me chamou a atenção. Um garoto, parecendo ter 7 anos de idade, que vivia de mendigar, me abordou e pediu doce de leite. Isso mesmo, doce de leite. Encostou próximo da janela do carro e com uma voz calma e serena disse: “Tio, o senhor pode me dar doce de leite?”. Fiquei surpreso. Não tinha exatamente o que ele queria, mas ofereci dinheiro, um valor que daria para ele comprar o que pediu. Quando estiquei os braços para entregar o dinheiro ele rejeitou e novamente disse: “Tio, não quero dinheiro, quero doce de leite”. Sua mãe, em seguida, o puxou pelo braço, o afastou de mim e enfaticamente bradou: “não importune as pessoas”.

Essa inquietante situação me transportou para o mundo daquela criança e de sua mãe. Como alguém que mendiga pode escolher o que quer ganhar? Tem, ele, o direito de escolher? Não é melhor ao mendigo esperar o que o doador, por livre e espontânea vontade, decidir o que dar? Afinal, o que eles falaram era o que eles queriam falar? Não, claro que não. Aquele pequeno mendigo se dirigiu a mim não como mendigo, mas como um ser que tem nome, que tem certidão de nascimento e que um dia foi registrado nu
m cartório depois de ter nascido numa maternidade assim como nascem ricos, pobres, negros, brancos, nordestinos, paulistas, europeus e asiáticos. O garoto veio a mim como um alguém, alguém com nome, desejos, vontades e singularidade. Quando ele nasceu para o mundo legal, o mundo da lei não o registrou com o nome de mendigo, mas com o nome de gente e de homem.

Aquele doce de leite trouxe consigo um diálogo, trouxe uma substância, trouxe uma verdade, a verdade de que não existem melhores ou piores, maiores ou menores, mas existem carentes, não de doces de leite, mas carentes de serem respeitados como seres que têm dignidade e que tem história. A vontade do garotinho era específica e própria de alguém que ao manifestar um desejo esperava uma devolutiva de alguém que o visse além do estereótipo de mendigo, mas de um homem que por ser homem pode falar, bradar, chorar, insinuar e desejar. 

A mãe, coitada, foi vencida pela baixa autoestima. Estava entregue, se viu por baixo, perdeu a dignidade e achou que o filho não deveria se comportar como gente, mas como mendigo. Os mendigos fogem da luta, do enfrentamento e se submetem à vergonha. O filho não se humilhou, não se arrastou, não se intimidou, não queria o dinheiro, queria o doce de leite, e pronto. Teve personalidade e coragem de ser quem ele era e o que ele era ficou estampado em deixar claro que queria o doce de leite. O dinheiro oferecido passou a ser qualquer coisa, passou para o campo da irrelevância e deixou de ter significado, porque o que importava era a firmeza de personalidade de que alguém que queria o específico e não o genérico, de alguém que trouxe no doce de leite seu nome, sua identidade e sua dignidade. A pobreza é péssima, machuca e maltrata, mas jamais derruba o homem e a mulher que tem dignidade, jamais se rende a um semblante caído e derrotado. 

Um mendigo sofre pela ausência de gêneros básicos, mas não precisa abandonar seu nome e sua honra. Uma empregada doméstica não precisa ser chamada de secretária como se isso a tornasse melhor, pois ser chamada de empregada doméstica não fere em nada sua dignidade. Um negro não precisa se sentir diminuído por ter essa cor, afinal sua honra não está na cor, mas em seu caráter, assim como do branco e do pardo. Enfim desfrute do doce de leite, desfrute de quem você é, você tem nome.

*Psicopedagogo, historiador e teólogo [email protected]

Vivendo vidas – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Saudade é a presença da ausência.” (Laudo Natel)

Nada de saudosismo. Trata-se apenas de lembranças de vidas que devem continuar vividas. Foi o que senti, hoje pela manhã, lá para as dez da manhã. Cheguei até a varanda e me deparei com um dia ensolarado, o que não vemos, há dias, aqui pela Ilha. Uma manhã das que nos levam a tempos e lugares do passado, mesmo que estes não estejam tão distante. As crianças brincando ali na Praça, nos escorregadores e aquele cachorro preto caminhando em passos cadenciados, quase me fizeram pular do primeiro andar, para brincar. 

Mas precisamos ter vivido para lembrar. E as lembranças vêm nas diferenças em lugares onde a vida foi vivida. A beleza da Natureza reside nas diferenças e mudanças. As belezas que já tive o prazer de contemplar por esse Brasil dos brasis a fora me trazem momentos felizes. As mudanças que vivi desde minha infância, em distâncias, umas pequenas outras enormes, amadureceram-me na contemplação. Experiências em Natal, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, e Roraima, deram-me a vivência de uma caminhada estafante. E o que me leva às recordações são os retornos. É neles que notamos e vivemos as diferenças que enriquecem. E o enriquecimento mental é fundamental para uma vida bem vivida.

Viva a vida para que ela lhe traga momentos agradáveis, com os quais você se sinta feliz por estar vivendo. E viver a vida como ela deve ser vivida exige que saibamos o que devemos viver. O que nos faz feliz depois de realizado. O amadurecimento mental enriquece o espírito. E não há como ser feliz sem um espírito concentrado na racionalidade. E ser racional é saber viver o mundo criado pelo Racional. E nada de ficar pensando que estou tentando levar você para alguma religião ou coisa assim. Estamos centrados na racionalidade. E só com ela podemos ser feliz em viver a vida que temos para ser vivida. Sinta-se feliz nos momentos mais simples da sua manhã, do seu dia, dos seus momentos. Você não precisa sair por aí procurando a felicidade, ela está em você. É só você ter a sensibilidade para percebê-la. Se não estiver se sentindo feliz, talvez você esteja olhando para o lado errado. As coisas são como as vemos. O importante é que saibamos olhar para as coisas como criações da Natureza. Sejam boas ou más, não importa. O que importa mesmo são o seu jeito e sua maneira de olhar. Crianças brincando no parque até pode aborrecer os desajustados, enquanto alegra os de mentes sadias. Tudo vai depender de nós, no que somos. E somos todos da mesma origem. Logo, somos todos iguais nas diferenças. É só considerá-las e respeitá-las. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460