Opinião

Opiniao 02 07 2019 8482

A água não tem forma – Oscar D’Ambrosio

O filme ‘A forma da água’, de Guillermo del Toro, parece ter sido feito como uma luva para a cidade contemporânea. O amor entre uma sedutora criatura fantástica, espécie de Iara masculina, presa em um laboratório dos EUA nos anos da Guerra Fria, e Elisa, faxineira muda com uma vida cotidiana sem maiores atrativos, torna-se um relicário.

A obra tem tudo para ser venerada, pois conta uma história de entrega entre dois seres que parecem estar muito além das vicissitudes contemporâneas, em que o discurso produtivo caminha ao lado da desconstrução das sensibilidades e onde a discordância é interpretada como resistência.

Contam que o escritor argentino Jorge Luis Borges, ao ser perguntado como se sentia ao assumir a direção da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, respondeu apenas que havia se preparado a vida inteira para isso e que, ao ser chamado para dar uma palestra sobre William Shakespeare, apenas disse o nome do bardo inglês, se levantou e saiu.

Temos dois personagens que se encontram na plenitude por parecerem feitos para isso. Suas histórias anteriores, que pouco conhecemos, os formaram assim – diferentes; e fortes em sua aparente fragilidades de prisioneiro e de empregada.

E eles também não precisam de palavras. A criatura misteriosa acorrentada numa piscina urra de dor ao ser torturada e Elisa não pronuncia palavra alguma. Mesmo assim, ambas comunicam um universo de possibilidades de entendimento do mundo. Seus não falares são inteligências do cotidiano a serem desvendadas. 

O filme nos lembra ainda o piloto Nelson Piquet em dois episódios. Ao ser perguntado sobre a quem dedica seu primeiro título mundial, disse: “A mim mesmo” e, certa vez, em uma entrevista que o incomodou, o filho tirou da tomada o cabo de luz dos refletores de iluminação.

Elisa e a criatura representam essa ambiguidade. Sozinhos por natureza, aparentemente não tem com quem contar. No entanto, para conseguirem realizar o seu amor, necessitam de três ajudas: um publicitário homossexual com desenhos vistos como ultrapassados perante a entrada da fotografia na área; um cientista russo, que coloca o conhecimento acima das rivalidades ideológicas, e uma colega faxineira que começa a descobrir que pode se libertar do estigma de ser mulher, trabalhadora e negra.

Sim, a água não tem forma. A forma é dada por nós e por nosso conceito de humanidade, qualquer que ele seja.

*Jornalista, mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp, é Doutor em Educação, Arte e História da Cultura.

Caboco do rio – Walber Aguiar

‘O livre é morada àquele que não se auto-aprisiona.’ Anand Rao

O sol nasceu na beira do rio. Peixes batendo, anzol dançando sob as águas. Na areia um braseiro, uma garrafa de aguardente, farinha, limão e pimenta. Peixe moqueado, assado e feito caldeirada. Na alma, fartura de alegria, satisfação pelos pés descalços da infância e da juventude. Liberdade no gosto do arabu, no cigarro pitado sem culpa.

Viver é muito simples. Desde que haja prazer e ludicidade; desde que não enfeitemos tanto o existir. É seguir a seta do coração, pensando que tudo passa, até mesmo as mais lindas e perfumadas flores.

A partir daí o caboco do rio Uraricoera traz à tona um grande naco de vida, um pedaço substancial daquilo que só existe em Roraima. Sede do Rio Branco em dia de carnaval, bloco do pó em dia de aridez na alma, festa entre a Jaime Brasil e a Sebastião Diniz, batalhas de confete, água levada em carro de boi, banco dos blefados em efervescência pela arte da paquera e pela sensação boa de quem caía da “caixa d’água”.

Odir Lucas, o professor, a quem tive o enorme prazer de conhecer e conversar, exalta não apenas brincadeiras e pescarias, vaquejadas e fartura nas fazendas, mas, sobretudo, evidencia o caráter das pessoas de seu tempo. De Seu Genésio do Trombone, que arrancava um fio de bigode ao empenhar a palavra dada, do mestre Dorval Magalhães, de saudosa memória, filho de Manduca Magalhães e neto do fundador de Boa Vista, Sr. Inácio Magalhães. De rábulas como seu Nouzinho, de médicos como doutor Elesbão, de advogados feito doutor Finn.

O caboco do rio retrata os homens do povo, o pai do Futrica, que vendia quibe com rala rala, na praça Capitão Clóvis; também funcionários como Antônio Telegrafista e professor Vivaldo Barbosa. Hoje, ainda restam algumas exceções, pois a regra é enrolar e atender mal àqueles que precisam do serviço público.

As lembranças passam na mente do autor enquanto as lágrimas caem de seus olhos, alternando tristeza e felicidade, angústia e saudade, numa espécie de banzo regional, de quem foi tirado da tradição sadia de sua terra, de quem foi assaltado pela rapinagem política dos dias atuais, pela corrupção, desvio de verba e compra escancarada de votos. 

Mas é preciso lembrar dos açudes, cacimbas, caimbés; rios, lagos, igarapés e serenatas na janela, cantando um amor que está cada dia mais raro. O caboco do rio ainda vai figurar entre os membros da Academia Roraimense de Letras, pois sua alma escreve enquanto canta e canta enquanto escreve, fartando a alma roraimense de boase belas lembranças.

O sol nasceu na beira do rio, junto com tracajás, aguardentes, jundiás, tucunarés. Junto com a vida livre e solta de Odir Lucas, o caboco do rio. 

*Poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras. [email protected] 

Vivemos somente uma vez – Marlene de Andrade

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. (Efésios 2:8-9)

Quem acredita no carma é de fato uma pessoa muito resignada. Ora vejam só, se eu passo pela terra fazendo o bem, vou reencarnar com uma qualidade de vida melhor, mas espera aí: a Bíblia diz que no mundo teremos aflições, então pergunto: onde estão essas pessoas que foram boazinhas neste mundo e agora estão vivendo aqui na terra, novamente reencarnadas, às mil maravilhas, sem passar por aflições? Sinceramente, ainda não conheci ninguém, a qual viva num mar de maravilhas. Será que Madre Tereza de Calcutá foi uma reencarnação de alguém muito especial? E o Gandhi? Será que eles não tiveram problemas?

Outro questionamento que faço em cima da teologia do carma budista e Hinduísta é o seguinte: se a pessoa foi reencarnada para gozar uma vida melhor, porém não sabe nada do que lhe aconteceu em seu passado, pergunto: que satisfação ela vai sentir por hoje ser alguém tão especial? Quando alguém ganha um prêmio deve ser sabedora de tal fato, pois não existe uma pessoa aqui na terra que não tenha problemas e aí, do que adiantou retornar para este mundoque cada vez fica mais violento em todos os sentidos?  

Tem outra situação nessa teologia cármica, equivocada, é que aqui na terra cada indivíduo nasce com uma digital diferente de todos os outros seres humanos, inclusive até os gêmeos univitelinos. Então, a pessoa que reencarnou vai ficar com sua mesma digital, ou vai ganhar outra? Se ganhar outra, deixou de ser fulano (a) e aí ela vai viver
nesse mundo afundado até o gargalo de miserabilidade, feliz da vida? Vai ter muito dinheiro, não vai estar exposto a doenças, vai poder dormir de janelas abertas porque sua vida agora foi premiada e nada mais de ruim lhe ocorrerá?

Desculpem-me os que creem nessa doutrina, mas eu vou pelo que a Bíblia nos ensina e ela é um livro tão verdadeiro que nunca precisou ser alterado em nada, aliás, ela é o único livro aqui na terra que nunca sofreu acréscimos e nem lhe foi retirada uma só palavra. Como médica, não posso dizer o mesmo acerca da medicina, a qual já teve que alterar seus conceitos uma enormidade de vezes e como exemplo cito o apêndice que os médicos acreditavam não ter nenhum valor e hoje os cientistas chegaram a conclusão que o apêndice é um órgão importante à vida humana.

Nessa direção vejamos o que nos diz Hebreus 9:27: “…aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo…” Como se vê a Bíblia afirma que o homem vive somente uma vez, porém ninguém está obrigado acreditar nesse santo livro, todavia, queiramos ou não, viver somente uma só vez aqui na terra tem mais lógica do que nascer morrer e voltar para esta terra, a qual é um vale de lágrimas e que se oxida dia após dia, ou seja, está se acabando. Que confusão é essa? Não é possível crer num ciclo sem fim de nossas vidas aqui na terra, tendo que voltar sempre para o mesmo lugar e passar por todas as agonias pela qual passamos no passado.

Marlene de Andrade

Médica Especialista em Medicina do Trabalho/ANAMT-AMB- CFM

CRM/RR-339 RQE-341

Maneirando – Afonso Rodrigues de Oliveira

“Os domínios do mistério prometem as mais belas experiências.” (Eistein)

Nasci e vivi, desde minha infância, num ambiente meramente político. Conheci e convivi com grandes políticos nacionais, do Vereador ao Presidente da República. Não sei se já lhe falei dos dias em que eu encontrava o Café Filho, quando ele ainda usava terno branco com chapéu-panamá. Comi churrascos com o Jânio Quadros, na residência do Vereador Tarcílio Bernardo. Foi num daqueles churrascos em que o Jânio esbravejava contra o Adhemar de Barros, que o Deputado Emílio Carlos falou ao meu ouvido, referindo-se às falas do Jânio: “São briguinhas comadrescas, Afonso.”

O que quero dizer é que nunca me influenciei. Sempre tive e mantive meu senso crítico, mas com dignidade e respeito. Uma de minhas características é a de criticar sempre o ato, e não quem o praticou. O julgamento fica por conta da justiça. 

Faz alguns anos, eu estava no Rio de Janeiro quando li, pela manhã, na Folha de São Paulo, essa pérola do Ministro Joaquim Barbosa: “Somos o único caso de democracia que condenados por corrupção legislam contra os juízes que os condenaram.” Não pude deixar de sorrir, porque é pura verdade. Hoje desfolhei minha agenda, ansioso para ver mais pérolas ditas e escritas por grandes políticos, e intelectuais, que deveriam nos despertar para a realidade em que vivemos. Vamos rever mais umas poucas. Já as citei por aqui. Mas sempre é bom rever o que vimos, mas não lhe demos atenção.

O Rui Barbosa, por exemplo, tem essa: “Quanto mais corrompida a República, mais leis.” Já prestou atenção ao número de leis vazias e sem nexo que nascem todos os dias, para acobertar e encortinar desmandos no poder público? O grande Afonso Arinos nos manda essa: “Os partidos nacionais são arapucas eleitorais e balcões de venda.” Mas, como disse o Ibrahim Sued, “…vamos entrando devagarzinho.” Vamos amenizar, entrando com duas viradas. A primeira é do Ulisses Guimarães: “Na Câmara não há bobos. O menos esperto ficou na suplência.” E sabemos que na Câmara temos expertos e espertos. Mas deixa para lá e vamos ao Jarbas passarinho: “Com o Congresso podemos até não ter nenhuma liberdade, mas sem o Congresso não teremos liberdade nenhuma.”

Daqui pra frente, a interpretação fica por sua conta. Mas vamos nos educar politicamente para sabermos eleger nosso Congresso. Nada de precipitação. A responsabilidade é de cada um de nós, responsável por nós mesmos. Cuidado com o que vai fazer nas urnas, nas próximas eleições. Estamos numa fase de transformação que necessita de muita maturidade. E ser maduro é ser responsável. Pense nisso. 

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