Opinião

Opiniao 02 12 2019 9392

O Beco

Um dia Manuel Bandeira disse: “Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

— O que eu vejo é o beco.” Para quem sofria de tuberculose e desejava uma Pasárgada distante, o mar e a bela igreja na esquina eram cenas de uma vida que parecia menor, daquelas de caminho estreito e sem luzes. Sai pra lá, eu não sou de becos. Se fosse o ‘do Batman’, aquele grafitado e boêmio em São Paulo, poderia ser. Nem tudo é problema, e se há acertos, por que não reconhecer?

Quinta à noite, após aula na Universidade, rumava pela Av. Nova Iorque, a que liga a bola da pirâmide ao pórtico da instituição (certeza que você não sabia o nome daquele caminho), quando as luzes de natal, ah… o natal!, resolveram me parar. Larguei o carro e entre borboletas e milhares de vaga-lumes andei até o Aeroporto. Se no beco escuro explode a violência, eu não tava preparado para olhos iluminados, flashes, cores e tanta gente na rua. 

Eita, Paralamas… E não é que num mundo com amor, ódio, urgência, como se não fosse nada, minha cabeça de contratos e processos e provas se viu iluminada com sucesso pelo espírito do natal. Para além das bolas, velas, pinheiros e compras, é a misericórdia, o amor essencial, a bondade e a paz. Árvores privilegiadas e sobreviventes na Ene Garcez seguiam gentes de toda sorte, ainda guiadas pelo melhor ângulo das fotos, mas que um dia se verão parte da rua ocupada e cidadania transbordando de coração.

Claro que sei que nos becos escuros muitas coisas se escondem. Se transparentes fossem, não se faria um iluminado observatório como ferramenta para disponibilizar dados e indicadores sobre diversas áreas do município, sendo que completamos 10 anos da obrigação legal da gestão ter que disponibilizar, em tempo real, tintim por tintim sobre seus passos na coisa pública. Apagão.

Informações são dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento. E aqui, hoje, falta luz neles. Tomara que reunir em maratona veículos de comunicação, financiados muitas vezes com dinheiro público, além dos informes publicitários, não cegue a possibilidade de acesso à sagrada luz do saber. Senão vira liberdade vigiada e quem paga dita as regras. E quem cala consente.

Olha só, você já percebeu que sou de nadar contra a maré. Mas, isso não é autossustentável. Me guio por sonhos e por uma vontade de vencer, apesar dos pesares. “A orla tá caindo, duas plataformas sumidas, em obras de novo, e ele falando de sonho e natal?” Sim. Perseverança, inconformismo e força de vontade não podem nos limitar a ver os sucessos ao nosso redor, sem esquecer os erros. É a vida.

Paixão de muitos, insônia e doença de outros, o como se não fosse nada vai crescendo, crescendo e vira um mundão de coisas que nunca se deu bola. Sem os salvadores da pátria parece que nunca se resolverá. Aí ficamos amarrados às mesmas figuras. Não acredito em Papai Noel, mas bem que o bom velhinho podia libertar tanta gente dessa maneira de se apropriar da política se valendo do esquecimento seletivo alheio.

Com tanta luz e gente na rua neste doce dezembro, vou pegar o beco, como dizem por ai, partir a fechar médias, notas e cadernos. Mas antes de ir, obrigado prefeitura por me reanimar a chama da vida em meio milhão de luzinhas acesas. É quase uma para cada pessoa em Boa Vista. Já que elas nos trouxeram até aqui, que iluminem nossos destinos. Elas sabem que o beco não é o melhor caminho. 

Linoberg Almeida

América Latina em estado de convulsão

Sebastião Pereira do Nascimento*

A América Latina, desde o descobrimento aos dias atuais, vem sendo alvo de cobiça, tanto da Europa como dos Estados Unidos. Diante disso, ainda no início dos anos 70, o escritor uruguaio Eduardo Galeano abordou no seu famoso livro “As Veias Abertas da América Latina” a seguinte pauta:“… A América Latina nasceu para obedecê-los, quando o mercado mundial ainda não se chamava assim, e aos trancos e barrancos continuamos atados ao dever de obediência. […] “Segundo a voz de quem manda, os países do sul do mundo devem acreditar na liberdade de comércio (embora não exista), em honrar a dívida (embora seja desonrosa), em atrair investimentos (embora sejam indignos) e em entrar no mundo (embora pela porta de serviço). Essa triste rotina dos séculos começou com o ouro e a prata e seguiu com o açúcar, o tabaco, o guano, o salitre, o cobre, o estanho, a borracha, o cacau, a banana, o café, o petróleo… O que nos legaram esses esplendores? Nem herança nem bonança. Jardins transformados em desertos, campos abandonados, montanhas esburacadas, águas estagnadas, longas caravanas de infelizes condenados à morte precoce e palácios vazios onde deambulam os fantasmas. Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças…”.

Assim, mais triste do que isso são as veias políticas internas da América Latina, as quais polarizam os sistemas governamentais, onde seus líderes trazem à luz uma retórica que, na maioria das vezes, inviabiliza um debate sério sobre as graves questões regionais. Muitos governantes, tanto da direita quanto da esquerda, têm adotado uma política esfacelada que pode ser conveniente entre seus pares, mas que dificulta o diálogo com governos de outra orientação ideológica, tornando-se difícil alcançar um equilíbrio socioeconômico.

Tudo isso abre espaço para a multiplicação dos diversos problemas nos países latinos americanos, tendo como um dos mais agravantes o aumento da pobreza na região, onde o relatório do Panorama Social da América Latina (organismo das Nações Unidas) aponta que nos últimos anos o número de pessoas vivendo na pobreza chegou a 184 milhões de pessoas (cerca de 30,2 % da população latina), dos quais 62 milhões se encontram na extrema pobreza (10,2% da mesma população).

Além dessa violência social, assistimos também a violência física que atinge drasticamente as camadas mais pobres da população latino-americana. E como ativador disso vem a violência praticada por muitos governantes, sobretudo quando negamos direitos e garantias dos povos, limitam a liberdade de expressão e as cláusulas fundamentais dos direitos humanos. Diante de tudo que assistimos na América Latina, vemos nos braços de muitos governos neofascistas e fundamentalistas religiosos, atitudes hostis que, em função de algumas resistências, resultam em graves conflitos sociais e políticos. Na atualidade, esses movimentos ganharam corpo e alma espalhando o ódio e preconceitos (político, religioso e racial), sucedendo diferenças formas de violência.

Assim, os extremos ideológicos se ampliam na América Latina, onde até mesmo políticos mais moderados distorcem fatos ou abraçam ideias duvidosas, em vez de demandarem respostas profusas, na tentativa de resolver as questões regionais. Esses governantes respondem de acordo com suas convicções ideológicas, alimentando uma polarização política que gera mais instabilidades, a exemplo do que vem acontecendo na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Venezuela,
entre outras nações latino-americanas. Essa política desorientada é agravada ainda por interesses de governos beligerantes que seguem atitudes que beiram o golpismo, muitas vezes com respaldo de parcela da população que acredita na ideia de mudança, apenas para o seu lado.

Como possível saída para isso, seria importante trazer novamente os encontros presidenciais da região,assim como ocorreu em Brasília no ano 2000, a primeira reunião de presidentes da América do Sul. Embora houvesse ali presidentes de diferentes correntes ideológicas, o evento contou com a participação de todos os líderes sul-americanos, além de representantes de várias organizações de desenvolvimento humano. Um encontro desse tipo, ampliado para toda América Latina, seria oportuno para discutir o papel da democracia na região, aprofundar as cooperações regionais, defender os direitos humanos, reduzir as desigualdades sociais, promover a integração econômica e atuar conjuntamente no combate à violência e ao crime organizado. Contudo, sem um líder com capacidade de mediação, a América Latina seguirá presa nas amarras do embate ideológico e refém dos países desenvolvidos.

* Filósofo [email protected]

Ir além do limite

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“O único meio de se descobrir os limites do possível é ir além dele alcançando o impossível.” (Arthur Clarke)

Nunca estabeleça seus limites. Você pode ir além deles. O importante é saber quais os limites, dentro da racionalidade. Simples pra dedéu. E na verdade, não conhecemos nossos limites.  Nós os estabelecemos porque ainda não somos racionais. E nunca o seremos, enquanto não acreditarmos em nós mesmos. Ainda somos seres humanos num processo evolutivo a passos de tartaruga. Acredito até que ainda não temos contatos com outros seres de outros universos, porque eles nos consideram trogloditas. 

Você pegaria seu jatinho, ou seu helicóptero de luxo, para ir visitar uma tribo indígena primitiva em algum lugar, numa floresta? Claro que não. E quem sabe ainda somos considerados nativos de um planeta com pouco mais de vinte e uma eternidades de existência? Talvez para eles, os que nos veem assim, não haja o impossível. Mas o mais importante é que ainda chegaremos lá. Quando descobrirmos que ainda somos apelidados de animais racionais. E ainda não pensamos racionalmente sobre nós. 

Vamos debulhar a espiga. Você nunca prestou atenção a alguma ocorrência, na sua vida, que deixou você pasmado, ou pasmada, sem saber como analisá-la? Claro que já. O fato é que por lhe parecer impossível você tenta esquecê-la. Embora nunca consiga. Eu já vivi, pelo menos, dois acontecimentos que não vou falar deles. Eles me deixam feliz por indicarem o caminho que percorremos sem saber que o fazemos. 

A vida é uma caminhada no progresso a regresso. Estamos progredindo numa evolução muito lenta. Estamos regressando na mesma lentidão. O que indica que estamos na iminência de uma parada provisória que não sabemos quantos milênios ela existirá no anonimato. A Terra é de uma formação. Nós, seres humanos, também. A Astrologia Espacial nos diz que estamos na iminência de um novo dilúvio. E como no último dilúvio, não estamos preparados para a sobrevivência. E por isso teremos que reiniciar nossa existência como seres humanos, nos mesmos padrões do último reinício. 

O retorno será inevitável. E a aceleração no progresso será, também, a mesma. Porque não evoluímos neste período longo, iniciado depois do último dilúvio. 

Vamos fazer uma reflexão sobre o que somos? Pensar no que seríamos se soubéssemos viver dentro dos padrões da racionalidade? Quanto tempo perdemos desperdiçando-o em lutas desnecessárias, que só nos representam como trogloditas, diante do racional? Há um capítulo bíblico que só o encontramos em bíblias antigas, que nos diz: “O reino de Deus está dentro de nós.” Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460