Opinião

Opiniao 06 01 2020 9567

O encanto do carro de boi

Oscar D’Ambrosio*

O cotidiano é o maior e o melhor museu que existe. Ele é o maior porque se trata de um acervo onipresente, que está ao nosso redor e para o qual geralmente mal reparamos. É o melhor, porque revela que nossas ações diárias e nossos objetos pessoais ou coletivos são parte de histórias únicas e peculiares.

Dentro da simplicidade dessa filosofia, mas marcada por uma profundidade de pensamento que às vezes se perde, a cidade de São Bento do Sapucaí, SP, possibilita a visita do Museu do Carro de Boi Quim Costa. É uma oportunidade única de ver diversos tipos de carro de boi e de visualizar a sua existência no cotidiano da cultura rural.

O Museu, inaugurado em 2016, homenageia o mestre carreiro regional Joaquim Pereira da Costa e abriga os carros de boi e as múltiplas ferramentas construídas por ele. É possível sentir naquele ambiente, em que o visitante é guiado pela família, a dedicação de uma vida a uma prática artesanal que inclui o fazer e o vivenciar.

Não existe pureza maior do que essa. Estar onde o mestre viveu e faleceu é um portal de entrada para uma percepção do mundo renovada que leva a uma reconexão com o trabalho cotidiano, árduo, mas prazeroso, intenso, mas pleno de significado para quem o pratica e para quem o admira.

Assim, no Museu, temos a nossa humanidade restaurada com o encanto e a sabedoria da simplicidade de um fazer mágico pleno de complexidade inimaginável ao leigo, que demandam habilidade, precisão e amor ao detalhe. Somente dessa maneira se torna possível dar a cada minuto o valor da eternidade. É o que Quim Costa fez durante e mesmo após a sua existência.

*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Volta às Aulas

Linoberg Almeida*

Antes, angústia e ansiedade tomam conta daqueles que precisam fazer matrícula na rede municipal de ensino. E quando a resposta da prefeitura é “paciência”, fica claro que concentrar no telefone como único meio de acesso não é mais suficiente. Acabar com cadeiras acorrentadas em árvores e filas desumanas foi sucesso em 2013. Oito anos depois, ficar somente no telematrícula é arcaico, ultrapassado e caro.

No mês de outubro foi publicado o calendário escolar 2020. Início de dezembro houve matrículas para as creches e Casas Mãe quando pais e mães precisaram ligar no famoso Call Center, que já mostrava debilidade de atendimento: demora, atendentes ocupados, dificuldade para entender as informações. Em diversos casos que mapeamos, na próxima etapa presencial de vaga confirmada, houve inúmeros erros na ficha cadastral, desde soletração a sobrecarga física de atendimento.

Identificamos que elementos previstos em contrato como Cortesia e Educação; Impostação de Voz; Ausência de Vícios de Linguagem merecem destaque positivo, mas a qualidade textual; clareza e objetividade; correção gramatical e digitação; e a pertinência do sistema para uma capital que não é mais a mesma de década atrás carecem de ajustes. As 60 posições de atendimento previstas para os serviços da educação se mostram insuficientes.

Errar é humano, mas a um custo de quase 10 milhões de reais em dinheiro público para serviços técnicos de implantação, operação, manutenção e gestão de atendimento telefônico ao cidadão do Município de Boa Vista, inclusive com gestão de relacionamento, permitem ao usuário levantar questões.

É preciso evidenciar que estamos diante de mais um caso que não prima por clareza ou transparência. O edital do processo n.º 006776/ 19 tem características idênticas ao de n.º 25008/ 19, com mesmo objeto, no qual as empresas vencedoras são as mesmas e que os extratos de contratos publicados somam ora mais de 3 milhões, ora 12 milhões no edital. Não é tarefa simples entender os portais.

O acesso universal aos serviços públicos, além de ser uma garantia constitucional, é um dos direitos fundamentais de cidadania. O acesso não equivale à simples utilização do serviço, mas também à oportunidade de dispor dos serviços em circunstâncias que permitam o uso apropriado dos mesmos, no tempo adequado, para o alcance dos melhores resultados. 

Numa visão sistêmica e integrada, Boa Vista poderia aprender com Amsterdã e Nova Iorque a combinar estruturas públicas de assistência social, saúde e educação para antecipar demandas e simplificar a entrada no sistema educacional; com São Paulo e Palmas a ter sistema online multiplataformas que automatize e democratize acessos numa parceria pais, escolas e secretarias. Isso é pensar em planejamento urbano e cidade inteligente a partir de necessidades reais das pessoas.

E não tem que inventar a roda. Na era digital do lavrado, quase todos têm acesso a um smartphone, computador, lan house, laboratório de informática da escola do bairro ou sua igreja, o CCTI, locais de integração tecnológica a um site institucional, com link da escola ou escolas pretendidas e 72 horas para efetivar matrícula. Pena que faltam bibliotecas e o BV Online, que custou 681 mil reais, nos últimos quatro anos anda sumido das praças. Ambos completariam a rede digital de acesso à coisa pública municipal.

É hora de pensar em larga escala e rever características relativas à organização do sistema. Apesar de lançar luz aos problemas, não alcançamos sua totalidade. Ouvir de perto cada um da comunidade escolar, ter acesso aos relatórios de qualidade das empresas que prestam serviços de teleatendimento, verificar erros e acertos em experiências já citadas e no Peru, Israel, Fortaleza podem qualificar nossa capacidade de pensamento estratégico e gestão humanizada com jeitão de século XXI.

Dar respostas às demandas deste serviço público essencial, com estratégias mais eficazes e eficientes na garantia de acesso a eles com os recursos disponíveis e caminhos que temos insistido com ofícios, indicações e relatos junto à prefeitura no papel de vereador, fiscal da coisa toda que hoje nos cabe. Se por esse mundão afora já fazem, por que não por aqui? 

*Professor e Vereador de Boa Vista

No trem da mudança

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Há momentos na vida que para você ser o mesmo tem que mudar”. (Leonardo Boff)

As mudanças são necessárias para que sejamos o mesmo. Quando não mudamos continuamos no balaio de gatos. E acabamos nos envolvendo no pantanal da unanimidade. É quando perdemos nossa capacidade de pensar. E se não sabemos pensar, não sabemos agir. E quem não sabe agir vive pendurado nos galhos da incompetência. Cuidado quando se sentir tentado a fazer parte da unanimidade. Se nós somos o que pensamos, devemos cuidar bem dos nossos pensamentos. E quando sabemos pensar, mudamos a cada momento; mesmo quando nem percebemos que estamos mudando. E não se iluda, porque você faz parte do grupo. E é neste barco que navegamos em busca do crescimento. E só crescemos quando mudamos. 

C
aminhei pelas ruas de Boa Vista, nos últimos dias. Muita coisa mudou, mas nem tanto. Somos uma cidade capital de um Estado, nascida de uma transformação. Surgida num momento de tremendas mudanças políticas. Mas não estávamos, nem estamos, preparados para mudar. Ainda continuamos no carrossel da imitação e da cópia. E o pior é que copiamos o que há de pior nas políticas dos outros Estados. Ainda não aprendemos a ser nós mesmos. Inda não nos preparamos para acompanhar o crescimento nacional, que também caminha a galope de jegue. Não imagino quando será que seremos respeitados pelos responsáveis pelo nosso desenvolvimento, para que nos desenvolvamos. Coisa que não conseguiremos sozinhos.

As justificativas que ouvimos de autoridades responsáveis pelo nosso desenvolvimento, sobre os desmandos políticos atuais, nos deixam boquiabertos. Mas ainda não mudamos para enxergar, entender e corrigir os disparates. E o pior é que nem mesmo nos conscientizamos de que a responsabilidade pelo que acontece é nossa, enquanto cidadãos, e de mais ninguém. E enquanto não mudarmos nossa maneira de pensar no que somos, seremos sempre o que somos: marionetes e títeres dos que não querem nossas mudanças. E não querem porque não lhes interessa. Assim como os políticos dos velhos tempos nunca se interessaram pela solução para as secas do Nordeste. Naquela de, o que fazemos, fazemos para o povão; e se é para o povão, quanto pior melhor. 

Vamos mudar? Por que não fazer por nós mesmos o que os que deveriam fazer não fazem? Por que devemos continuar fazendo parte da unanimidade? Por que não aprendemos a pensar com nossos pensamentos? Por que temos que fazer parte do circo dos coitados, mesmo não parecendo coitados? Você conhece a origem do termo “coitado”. É o que somos, já que não sabemos ser outra coisa. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460