Opinião

Opiniao 06 05 2019 8135

Por que sentimos inveja? – Roberta D’Albuquerque

“Por que eu não sou uma Guiomar Novaes?… – Por que eu não fui estudar na Europa?… – Se eu tivesse ido, eu seria uma Guiomar Novaes!…”.

A fala é de Ernesto Nazareth. Segundo a (ótima) pesquisa realizada pelo Instituto Moreira Sales, foi dita e redita por ele depois de um recital de Guiomar Novaes no Theatro Municipal. Durante a apresentação, Nazareth teve uma crise de choro, saiu do teatro e pegou o primeiro bonde, onde repetiu inúmeras vezes o trajeto de uma estação final a outra. Até chegar em casa para lamentar não o que era, mas quem não era.

Você conhece o Ernesto Nazareth? Talvez sim, talvez não. Mas é bem possível que conheça esse lamento. Esse desejo, ainda que temporário, de ser um outro, ou uma parte dele. Inveja? O Michaelis define a palavra como um desejo muito forte de possuir ou desfrutar de algum bem possuído ou desfrutado por outra pessoa; avidez, cobiça, cupidez. 

‘Algum’. Um desejar que não se sabe todo, desejo de parte. De Guiomar Novaes, Nazareth queria o talento e a experiência vivida na Europa. Só e nada mais. Embora seja impossível saber o que fez o talento possível, o que veio antes ou depois dele, saber da experiência completa do período fora do Brasil, o que foi preciso, ou possível viver por lá? Nazareth não sabia o que significava ser uma Guiomar Novaes. Talvez (e muito provavelmente) nem mesmo a Guimar Novaes tenha tido essa dimensão. 

O que pensamos conhecer e, por que não, o que invejamos no outro além de ser parte é pouco preciso – a princípio no sentido de precisão, mas em uma análise mais profunda no sentido de necessidade mesmo. Aquela viagem à Europa (para ficar no exemplo de Nazareth) acompanhada nas redes sociais, é um fragmento de viagem. É uma imagem congelada de um filme longo e complexo. Aquele talento arrebatador, aquele acerto desconcertante do colega de trabalho é retalho de vida. A vida completa que temos é uma só: a nossa. Que seja possível concentrar-se nela. E sim, em um único clique no youtube você descobrirá que conhece o Ernesto Nazareth. Ele foi grande e sinto pensar que precisou chorar por não saber. 

*Psicanalista

Carta para Malú – Selma Mulinari

Sempre me pego divagando nas lembranças, relembrando os momentos importantes da minha vida, pensando em pessoas que foram ou são importantes na minha trajetória. Então, num desses momentos, relembrando o dia que conheci meu marido, divaguei na lembrança de uma pessoa que certamente teve lugar de honra em minha vida: Maria Luisa Vieira Campos, ou simplesmente, Malú. Pois eu conheci o Vilson justamente numa comemoração de aniversário da Malú.

De repente me vi procurando em minha memória, quando a minha vida cruzou com a tua, Malú. Voltei o pensamento e as lembranças e te encontrei em muitos momentos. Encontrei a tua presença constante na minha adolescência como mãe da minha melhor amiga. Depois te encontrei como minha professora, nos ensinando os textos de história através de música. Te encontrei como artesã incentivando a todas nós a procurar os nossos talentos, a trilhar uma carreira de sucesso. Depois te encontrei como colega de trabalho na antiga EMATER e depois como professora na SEED. Eu, já mãe, te encontrei também na função carinhosa de ser avó postiça dos meus filhos.

Mulher de fibra, batalhadora, que soube como ninguém superar as adversidades que a vida lhe impôs e não foram poucas, trilhando com muito sucesso uma vida plena de realizações. Mãe, esposa dedicada, professora, artista, escritora. Sempre amou o que fazia e sempre se dedicou a desbravar espaços onde se colocava de forma competente e dedicada. 

Depois de se dedicar com sucesso ao magistério, iniciou um trabalho dedicado ao artesanato junto aos artesãos de Roraima, que culminou com criação de um centro de artesanato e futuramente um Sindicato de Artesãos. Trabalho este que até hoje valoriza talentos e dá dignidade a muitas pessoas, homens e mulheres que mesmo sendo talentosos artesãos não tinham um espaço digno para trabalhar.

Você, querida Malú, conseguiu e foi além, levou a nossa arte regional para mostrar ao Brasil, através da participação em feiras de artesanatos por todo o território nacional, encantando a todos com o teu trabalho, com a nossa arte e principalmente com tua alegria. Através do trabalho e dedicação veio a valorização e o reconhecimento do trabalho e da arte desenvolvidas pelos artistas locais, abriram-se os espaços para o artesanato regional.

Mesmo assim, pra você não foi o bastante, se enveredou na política e mais uma vez trilou o caminho da vitória, sendo eleita vereadora em Boa Vista e posteriormente deputada estadual. No entanto, nunca se esqueceu de onde veio e das pessoas que contribuíram para sua ascensão. Continuou na sua luta pela arte, pelos artistas e artesãos, pela valorização das mulheres.

Mesmo nos momentos difíceis que a vida te colocou em prova você se levantou e seguiu em frente. Perdemos o “Dêca”, grande amor da tua vida, marido querido e dedicado. Então você escolheu viver e continuou a tua trajetória com a saudade gostosa de quem amou muito e foi amada. 

A vida te impôs outras provações e a Alessandra se foi ainda muito jovem. Você conseguiu se erguer e continuar a tua caminhada. Depois perdemos o Neto, único filho homem, amado e esperado em meio às meninas. Mais uma vez a vida te testou e você conseguiu se erguer, superou mais uma provação e não jogou a toalha. Desistir é para fracos e com certeza você nunca chegou nem perto de fraquejar.

Parecia amiga querida, que seria o fim de todos os percalços, que você teria uma vida de amenidades e plenitudes para curtir a tua família, brincar com os netos e bisnetos que já corriam ao teu redor. Então, vieram as tuas batalhas pessoais com a tua saúde. Mesmo assim, mais uma vez você nos mostrou que precisamos de pouco para trilhar verdadeiramente o caminho da felicidade. 

Assim, convivemos com o teu largo sorriso, com a tua cabeça sonhadora, com tua alegria constante, otimismo diário de quem tem uma vida inteira pela frente e um único propósito: ser feliz! Assim era você, assim foi a tua trajetória!

Poderia ficar aqui relatando todas as nossas vitórias, realizações, momentos de alegria, sonhos realizados, conquistas no campo social e familiar. Não vou, elas estarão em minhas lembranças carinhosas, no lugar mais importante de todos que é o coração. Hoje quero continuar lembrando a essência de uma mulher guerreira, talentosa, com brilho próprio, que tive o privilégio de conhecer, conviver e amar.

Sempre lembrarei da mulher de fé, da mãe afetuosa e dedicada, da amiga prestativa, que você sempre foi. Sempre me lembrarei da ouvinte atenta e da conselheira discreta. Mãezona para todas nós que vivíamos ao seu redor. Quero agradecer os momentos felizes, o carinho, os conselhos, as palavras de conforto. Quero agradecer por ter sido mãe, amiga, avó e principalmente ter sido um grande exemplo para todas nós. 

As adversidades sempre estarão presentes em nossa vida, o importante é termos coragem para lutar, a confiança de que vamos superar e a fé para seguir tentando. Obrigada por ter existido na minha vida! Malú faleceu no dia 27 de abril de 2018!

*Mestra em História Social; Conselheira do CEERR [email protected]

Foi o fim de semana! – Afonso Rodrigues de Oliveira

“O mundo é dos otimistas. Os pessimistas são simples expectadores”. (Dwight Eisenhower)

Meu fim de semana foi aquele. Começou no sábado pela manhã. Já que ninguém na família se manifestou, fui pegar o jornal. Sempre que pego o jornal, seguro-o pela ponta e saio com ele pendurado entre os dedos. Minha caminhada você já conhece, é como se eu estivesse competindo numa corrida. Lá na frente vinha uma mulher caminhando como eu, de repente ela parou na minha frente e quase gritou como se estivesse apavorada:    

– A frente! A frente! A frente! Quero ver a frente, a frente. Quero ver a frente. 

Não entendi bulhufas do que ela queria dizer. Aturdido, parei e me postei na frente dela, estiquei os braços para baixo e me empinei. Ela acenou com a mão aberta, e falou acelerada:

– Não… É o jornal. Eu quero ver o jornal!

Não vacilei porque entendi que ela queria ver a primeira página, com a curiosidade nas manchetes. Abri o jornal e, a mulher começou a ler. Feliz por tê-la entendido, eu a ajudei na leitura. Ela empinou o corpo e exclamou já se retirando:

– Vige Maria!… Vamos ficar o dia todo sem luz!!!

Continuei minha caminhada, sorrindo pela rua. À tarde resolvi limpar quintal. Foi a maior furada. Dormi cansado e no domingo recebi, ainda cedo, a ordem para fazer um churrasco no quintal. Foi o preço por tê-lo limpado. Nunca faço um churrasco onde há um gaúcho. Ele se sentiria um aprendiz na minha frente. Haja habilidade, cara. Até que foi fácil acender o fogo. Chegou a carne. Devia ter mais de um quilo. Comecei preocupado porque, com certeza, a família viria toda para a festa. Quando vi que não ia conseguir, resolvi chamar um dos filhos, paulistano, mas com habilidade gaúcha para os churrascos. Come como ninguém. Mas não o chamei. Resolvi que o problema era meu. 

Eu não suporto linguiça. Mas tive que experimentá-la. Não sabia se estava no ponto ou não. Já estava tudo pronto quando chegou um dos filhos. E foi logo me corrigindo:

– Assando toda essa carne, pai? Mas vai ser só o senhor e a mãe! Eu já almocei. E não se assa carne assim, pai. Tem que pô-la ali e a linguiça ali no cantinho. 

Ele entrou, acordou o filho, que estava dormindo, e se mandaram. Onde o garoto foi almoçar, não tenho a menor ideia. Dona Salete e eu almoçamos. Logo, um telefonema. Era outro filho. 

– Já almoçaram? Ótimo. Estou de serviço, mas daqui a pouco estarei aí. 

Falo sério, não sou bom de churrasco. Como-o muito pouco. Já estava aqui neste papo com você quando ele chegou e almoçou, às três da tarde, e se mandou para o trabalho. Foi ou não foi O fim de semana? Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460