Opinião

Opiniao 06 09 2019 8889

BRUTAS HISTÓRIAS DE UMA PERIFERIA ESQUECIDA – (Cena 3) – Hudson Romério*

A periferia não é só um amontoado de casas, é um amontoado de coisas, de vidas, de situações sem nexo, de crianças que brincam descalças nas ruas, das impertinentes cacofonias, dos botecos que disputam os fregueses com igrejas – seus míseros dízimos e os parcos trocados… nada salva: nem a prece, nem a cachaça.

O subúrbio é o que há de mais real e cru na Babilônia: gente, gente, gente! São os pretos, os brancos, os pardos, os índios, os maranhenses, os evangélicos, os venezuelanos, os outros… homens, mulheres, travestis, camelôs, feirantes… toda essa gente se mistura e se transmuta num só tipo de gente, o ser-urbano.

Gente, gente, gente, gente, gente! A periferia não é só um amontoado de miséria, é uma profusão de histórias, de lutas, de mortes, de vidas… onde estão muitos ou todos agarrados num fio de esperança – à espera de um milagre acontecer. Lá existe mais fé do que qualquer outro lugar – a fé cega! Mas o coração enxerga as dores do próximo.

Casamentos, nascimentos, batizados, aniversários, funerais, briga de casais, tretas entre vizinhos… uma multiconfusão de toda ordem, de todo gênero, número, grau… arroz com feijão, ovo frito, sardinha, pão com margarina, café com leite… me empresta um real? Cachorro, gato, galinha… estou liso! Me consegue um vale-transporte? Me dá uma carona até o centro? Mãe, pai, tio, sobrinhos, amantes… vamos fazer uma feijoada sábado lá em casa? Já ouviu aquele sertanejo top? Me vende um analgésico fiado? Meu nenê está com febre… de toda água do rio que podemos tomar, essa é a fonte da verdade.

A periferia é um shopping às avessas: vende-se solidariedade em vez do glamour – a regra não é o lucro, é a fidelidade do freguês amigo, do chapa… tem de tudo! Vende-se tudo! A qualquer hora do dia! Em qualquer lugar… as fofoqueiras de plantão dão o tom da tendência do dia: a vida alheia é a fake News disseminado nesse coletivo de muita fé e pouca ambição…é a prova que a mentira repetida mil vezes torna-se verdade.

Gente! Gente! Gente! Ruas, vielas, valas, becos, brejos, campinhos de futebol… quando passo lá e vejo o sorriso dela, percebo o quanto a vida é doce – o que nos causa um sorriso! Quanto disso tudo, de todos eles, se integram e completam essa paisagem tão singular na vida desse povo? Seis da manhã, meio-dia, tardezinha, meia-noite, madrugada, meio-da-noite, boca-da-noite, uma réstia de felicidade… todas as horas, ou tempo-algum… gente, gente, gente, gente…nasce gente, morre gente, vive gente… a periferia não para! É própria dela a pulsante vontade de dar vida! De não ser apenas um lugar distante do centro.

*Escritor e Cronista

Tel: +55 (95) 99138.1484

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O povo brasileiro é um entefeliz? – Sebastião Pereira do Nascimento*

O que consiste de fato em ser feliz? A felicidade realmente existe? Para muitos não só existe como é uma característica própria das vocações axiológicas da pessoa humana, onde cada uma constrói a sua escala de dimensão axiológica a ser seguida em busca de um maior equilíbrio, o que pode resultar na plenitude da felicidade.

Não bastante, a busca do equilíbrio também passa por um contexto que para ser feliz é preciso ter uma conduta ética. Pois a pessoa seguindo uma racionalidade ética, ela sempre estará antecipando coisas boas com o propósito de estabelecer o bem supremo, o bem que justifica todos os outros. Sendo o supremo fima própria felicidade, e não se trata dos prazeres, riquezas, honras, e sim de uma realização saudável tanto para si como para o(s) outro(s).

Quando nos referimos ao(s) “outro(s)”, é porque a felicidade não depende (e não pode estar) apenas num indivíduo. Ela depende também da capacidade do(s) outro(s). E na medida em que uma pessoa consegue um bem feliz, esse bem também pertence a outrem. Isso é o que se configura como um “bem absoluto”, que é um bem superior pelo fato de trazer a plenitude a todos que comungam do mesmo momento. De outro modo, aquele “bem” que possa trazer um estado de graça a uma pessoa e levar infelicidade a outras não pode se manifestar como um bem superior. Portanto, estar em estado de graça não significa estar feliz, significa viver um momento de euforia por alguma coisa favorável àquela pessoa, ainda que possa ser prejudicial a outrem.

Para Sócrates, a felicidade reside em vislumbrar o fim de uma ação plena. E esse momento tem por objetivo preparar o indivíduo humano para conhecer-se, tendo em vista que o conhecimento é a base do agir correto e o vislumbramento é o efeito da plenitude. Para este filósofo, a felicidade prima pelo bem do coletivo em detrimento do bem individual. Pois, onde reside o bem comum, pode-se dizer garantida a existência da felicidade plena.

Assim, com base nessas premissas podemos considerar que o brasileiro não é um povo feliz, pois difícil é achar alguém que possa ser feliz num país tão desigual como o Brasil, onde historicamente já se apresenta ao mundo, desde a chegada dos portugueses, gerando enormes problemas sociais como ataque aos povos nativos, escravidão, pobreza, corrupção, concentração de renda, entre outras violências humanas. E diante do que assistimos hoje, parece que esses males foram tão massivos na nossa cultura que as mesmas agruras de antes persistem ainda hoje, evidentemente com cenários e atores diferentes.

Isso leva conjecturar que o brasileiro está fadado a uma eterna infelicidade? Não necessariamente. Mas quando observamos a nossa realidade, percebemos que existe ainda um longo caminho a ser percorrido. Visto que há um fracasso da mobilização coletiva, onde o povo pouco sai da zona de conforto para oferecer resistência às coisas que afetam o seu dia a dia. Submetido a um contínuo processo de desconstrução dos valores comuns, ele manifesta seus mais intensos desejos de satisfazer seus próprios apetites, que conduzem sempre a um conflito com o meio social em que vive, gerando assim a infelicidade.

Estudos recentes feitos pelo World Happiness Report” (Relatório Mundial de Felicidade), que mede o Índice de Satisfação com a Vida (ISV) apontam que o povo brasileiro nunca esteve tão infeliz como na atualidade, onde as pessoas vêm descontentes com o curso de suas vidas e com o contexto social do país. Os estudos mostram que o estado de infelicidade vem se ampliando cada vez mais na medida em que as mazelas do país se multiplicam e passam
a interferir no bem-estar das pessoas. Sendo os aspectos financeiros, as desordens políticas e a falta de perspectivas alguns dos principais motivos que aceleram a infelicidade do povo.

O relatório avalia até mesmo o consumo de informação pelas redes sociais. Aqui há evidências entre o uso crescente das mídias digitais em relação aos índices de felicidade, ou seja, quanto mais infeliz a pessoa, mais ela se remete às redes sociais. Outra coisa que chama a atenção no relatório é a alta taxa de infelicidade gerada pela péssima qualidade de renda da maioria da população brasileira. Sobre isso, os estudos concluem que nenhum país tem relação mais intensa entre felicidade e renda que o Brasil. Também os analistas mostram que os países com melhor índice de igualdade social são muito mais felizes que os países com vastas desiguais sociais, como é o caso do Brasil.

Assim, com tantas divergências sociais, não há motivações para qualificar o povo brasileiro como feliz. No entanto, o esforço de cada um em consonância com o exercício da ética, que torna o sujeito virtuoso, pode reverter esse quadro de insatisfação e trazer por fim o bem supremo, ou seja, o bem que não remete a nenhum outro bem, aquele bem que por finalidade podemos chamar de felicidade plena.

*Filósofo

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A grandeza na beleza – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“A beleza não é qualidade própria das coisas. Ela existe no espírito que a contempla. E cada espírito percebe uma beleza diferente.” (Gabriel Chalita)

Se todos nós víssemos as coisas do mesmo modo, não haveria a diferença. E um mundo igual seria insuportável. Não sei por que, mas ainda não nos acostumamos com as diferenças. Nem aprendemos a respeitá-las. Respeitar as diferenças é uma maneira de mostrar o quanto já estamos nos educando. E quando nos educamos para nós mesmos, estamos evoluindo racionalmente. Sabemos que nem todas as nuvens são negras. Ou mais precisamente, nenhuma nuvem é negra. Quando as olhamos, assustados com a escuridão no céu, não percebemos que as nuvens estão apenas carregadas e tornando o céu escuro. O que indica que pode vir chuva. E o que devemos fazer é nos preparar para o temporal.

Na vida também é assim. Às vezes ficamos assustados com o que pode acontecer, e não nos preparamos para o acontecimento. Uma nuvem escura pode ser feia para uns e bonita para outros. Depende do modo como a vemos. A beleza numa pessoa pode muito bem estar no seu sorriso, na sua simpatia e na sua postura. E é por isso que devemos tomar cuidado com o que somos no que mostramos ser. Portanto, cuidado com sua postura, onde quer que você esteja. Onde você está você está mostrando quem você é. Logo, nada de exibicionismo nem preocupação. Seja você no que você é. E você pode e deve ser o que quiser ser. Logo, escolha o melhor para você na sua naturalidade. Porque é assim que crescemos na nossa evolução. E somos seres de origem racional, vivendo num mundo em evolução, que exige nossa evolução. E só você pode fazer isso por você.

Contemple sempre a beleza das coisas simples à sua volta. Tudo de que você necessita para ser uma pessoa feliz está ao seu lado. A beleza pode estar até numa simples flor silvestre ao pé da sua calçada, e você nem percebe. Pode estar na formiguinha que vai passando e você, em vez de admirá-la, mata-a tolamente. Contemplar a natureza é uma forma de aperfeiçoar o dom de admirar a beleza. Refleti sobre isso mirando as nuvens cinzentas que cobriam o horizonte, distanciando-o na imensidão do mar revolto. Não sei como as pessoas que estavam ao meu lado estavam vendo e julgando a beleza do firmamento. Parece fútil, mas não é. É um modo de ver a beleza onde ela está, e no momento exato em que necessitamos dela.

Vá refletindo um pouco sobre a necessidade que você tem, e sente sem saber que sente, de admirar a beleza da simplicidade. A felicidade está onde a pomos. E devemos mantê-la em nossas mentes, que é onde ela está. Pense nisso.

*Articulista

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