Opinião

Opiniao 12 10 2019 9097

BRUTAS HISTÓRIAS DE UMA PERIFERIA ESQUECIDA (Cena 6) – Hudson Romério*

Bala perdida!

Perdida é a vida que encontra a bala perdida.

Essa mundividência pessimista que nos abala todos os dias, esse vazio existencial que nos faz perder os sentidos e o rumo – dos tiroteios nossos do dia a dia, das balas perdidas, das balas achadas, dos mortos e feridos de todos os lados, da pobre menina dos sonhos interrompidos, perdidos a caminho da escola…

Na periferia amanhece, anoitece! Somos moradores, vítimas, cumplices… e às vezes não somos nada! Aqui o jogo é bruto, a vida é bruta… desde a tenra idade até o final desta, passamos por todas as mazelas, todas as tribulações possíveis… lá em cima, lá embaixo, na pracinha, na rua, na sede da associação, na igreja, no boteco, na feira… em todos os lugares é periferia! Em toda parte, tem gente… e onde tem gente… muita gente é periferia.

Nossa música não é ruim! Ruim são seus ouvidos que não escutam nossos gritos, nossos gemidos silenciados por aqueles que dizem nos proteger, nossa rima sem métrica, ou versos sem rimas… mas quem vai se importar com isso? Nossa identidade é o samba, é o funk, o candomblé, é a gíria que dessoa da palavra bem falada, da nossa moda que perturba a estética do vestir bem, do feijão com arroz e ovo frito que nos alimenta, da arquitetura esdrúxula e psicodélica de nossas casas e prédios, de tudo isso que nos transforma em suburbanos – esse ser resiliente, otimista e teimoso.

Esse amontoado de casas, de bichos, de coisas, esperanças, contas a pagar – todos ali, entrincheirados em seus lares, esperando o dia nascer, o dia acabar, o tiroteio cessar… cheio de gente! Só falta saber que tanta gente é essa! Gente de todos os tipos, de todas as cores, das multi-raças, matizes, de tantas falas e sotaques onde todos se entendem nessa Babel sem grandes pretensões de alcançar os céus.

Tiros! Tiros! Tiros! Mais tiros! Tiros…

Meninas e meninos indo para escola… tiros… mulheres a caminho do mercado… tiros… as ruas vazias, o mercado fechado, as escolas não abriram… sirenes… homens apressados indo para o trabalho… tiros… a vida às vezes até parece normal. Polícia, milícia, facção, política, tráfego, transporte clandestino, educação, gambiarras, ligação elétrica clandestina, tv a cabo clonado, venda de gás monopolizada, trabalho informal, baile funk, ensaio da bateria, ensaio da quadrilha, o culto da igreja, assistir ao jogo no boteco e tomar umas, ônibus cheios… a vida segue, a sina é incerta – o improvável às vezes é bem melhor que a rotina do bem-estar. Parafraseando Euclides da Cunha: os moradores das periferias, antes de tudo, uns fortes!

*Escritor e Cronista

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A origem das críticas no aniversário da Constituição Federal – Ricardo Prado*

Os tempos estão difíceis, mas nunca foram fáceis. Quando olhamos para o retrovisor, o caminho se mostra claro, no entanto, para a frente há muita névoa, encruzilhadas e abismos. “Perigosa travessia, perigoso a caminho”, já registrava Friedrich Wilhelm Nietzsche, o ilustre filósofo prussiano.

Após duas décadas sem liberdade de expressão, o Brasil se reuniu em Assembleia Nacional Constituinte e elaborou um documento chamado de Constituição Federal. Foi um grande pacto realizado entre as mais variadas correntes de pensamento existentes no país e que delinearam o Brasil do futuro.

Os constituintes, eleitos pelo povo, sonharam com um país grande, pujante, onde todas as pessoas tivessem seu espaço respeitado e assegurado. Foram muitos meses de debates, eram muitos temas, centenas de assuntos, inúmeras comissões, e mais de ano para ficar pronta. Sua publicação se deu em 6 de outubro de 1988, e o então presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, a chamou de Constituição Cidadã porque restabelecia e almejava a plena cidadania de toda a população.

Este mês, a Constituição completou 31 anos de existência, cercada de muita polêmica, mas, também, de muitas conquistas.

A Constituição desagrada à Direita porque interfere demais nos destinos da economia. Essa linha de pensamento prega menos Estado e mais liberdade, fincada no princípio de que as pessoas sabem o que fazem e devem colher os méritos (e deméritos) de suas ações. Todavia, o sistema de liberdade econômica prevaleceu, a Constituição Federal assegura a propriedade privada, o direito à herança, e a liberdade econômica (artigos 5º, incisos XXII e XXX, e artigo 1º, IV, combinado com 170). Portanto, muito do pensamento da Direita foi incorporado na Constituição.

Todavia, a Constituição desagradou à Esquerda porque não adotou um regime socialista; mas assegurou inúmeros direitos aos trabalhadores. O capítulo dos direitos sociais é amplo (artigos 6º a 11), e os mecanismos de seguridade social bastante estruturados (artigo 194). A gratuidade dos serviços de saúde estatal foi assegurada à população (artigos 196 e 198 §1º), além de inúmeros outros benefícios assistenciais.

A Constituição Federal não compactuou com os radicalismos, por isso, é tão criticada pelas correntes ideológicas mais extremadas. Os constituintes tiveram que negociar a aprovação do texto com todos os espectros ideológicos, todas as correntes de opinião, e para chegarem a um acordo, o óbvio, tudo mundo teve de abrir mão de uma parte de suas expectativas em prol de um destino em comum. Momento raro de confluência política, se comparado aos tempos atuais.

No entanto, exatamente por não haver atendido integralmente a ninguém, é que a Constituição continua a ser contestada e reformada.

O modelo político adotado pela Constituição Federal de 1988 não é o modelo liberal norte americano, embora dele traga alguns componentes; também, não é o antigo modelo socialista russo que vigorou por décadas em grande parte do mundo oriental. Os constituintes costuraram um caminho intermediário, ora mais à direita, ora mais à esquerda, e chegaram a um modelo de Social Democracia, inspirados no modelo europeu ocidental.

A Constituição de 1988 é contemporânea ao fim da guerra fria. A queda do Muro de Berlim, que pôs fim à divisão do Mundo entre Ocidente e Oriente, ocorreria no ano seguinte. Foi um momento importante de convergência da humanidade.

O Brasil chegou a flertar com o parlamentarismo, consagrado nos modelos europeus, mas, nesse ponto, a inspiração presidencialista norte americana, já adotada na velha República, prevaleceu (o artigo 2º das disposições transitórias previu plebiscito para solução do impasse, realizado cinco anos depois, em 1993).

Criamos um sistema híbrido, com o objetivo de atender ao maior número possível de interesses. Desagrada um pouco a todos, mas assegura inúmeros direitos, também, para todos. O lema de Rousseau, consagrado durante o Iluminismo, nunca esteve tão presente: a restrição à liberdade deve ser a menor possível, apenas o suficiente para assegurar o convívio social.

Jean-Jacques Rousseau foi o responsável por desenvolver a teoria do contrato social, da forma como a conhecemos, inclusive o princípio da soberania popular. O Direito Constitucional e as Constituições incorporaram muito de suas ideias. O mundo pós-monarquia seria outro graças aos geniais pensadores do século XVIII, denominado Século das Luzes. Muitas dessas ideias permanecem vivas até hoje.

A Constituição Federal de 1988, o contrato social dos brasileiros, ainda está em pé decorridos 31 anos. Não foi sem solavancos, ameaças de ruptura e momentos de tensão, mas a Constituição tem sobrevivido e se fortalecido.

É documento essencial para garantir a estabilidade do país e de suas instituições.

Temos vivido crises sucessivas, devido principalmente à imensa desigualdade de rendas e de instrução entre as pessoas. Ainda não conseguimos diminuir o abismo que separa parte significativa da população do mercado de trabalho e de condições dignas de vida. Isso causa imensa instabilidade social: criminalidade em alta, comércio ilegal de drogas em franca expansão, crises políticas decorrentes do desvio constante de recursos públicos, e outras mais.

Por outro lado, estamos vivendo um dos maiores períodos democráticos da história do país. Dois presidentes, um de direita, outra de esquerda, foram destituídos sem que houvesse ruptura institucional. Parlamentares cassados já se contam às dezenas. E tudo isso dentro da normalidade institucional: sem guerra civil, sem quarteladas, sem revoluções e contrarrevoluções.

Nossa guerra diária está concentrada no trânsito e nas disputas pelo comando do tráfico de drogas e dos presídios. Não são poucos os problemas, nem fáceis as soluções.

As inúmeras propostas de CPIs (Lava Toga, Lava Jato, Vaza Jato) e os pedidos de impeachments de diversos ministros, dão conta dos enormes desafios a resolver. Se os mecanismos constitucionais funcionarem, sairemos dessa crise com nossa Democracia mais forte e mais vigorosa. Fora da Constituição, os caminhos são incertos e não recomendados.

Esperemos que a Democracia brasileira se consolide de forma permanente. É o regime das liberdades tão essenciais ao desenvolvimento do ser humano; mas, para isso, é preciso que as instituições cumpram as suas funções, que a população acredite no Direito enquanto forma de solução das controvérsias, e as pessoas aprendam que há limites para a ganância, e que o respeito ao pensamento e ao agir diferente são essenciais para uma convivência pacífica.

Vale encerrar com as sábias palavras do texto constitucional:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

*Presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e mestre em Direito Processual Penal.

Vamos sair do cabresto – Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Todo povo é uma besta presa pelo cabresto.” (Arthur IV)

O Rei Arthur pensava e falava assim no século dezesseis. Imagina se ele vivesse hoje, se pensaria do mesmo jeito. Acredito que sim. Porque é assim que pensamos na nossa Educação, mesmo sem saber que pensamos. E por que não sabemos que pensamos? Porque ainda não nos educamos politicamente. Continuamos presos ao cabresto da ignorância, assim como o elefante de circo é criado preso ao círculo de elefante. E não estou falando da Educação no Brasil, mas no mundo inteiro. O cara vai à urna, vota no incompetente e depois vai para as ruas, gritar e espernear contra o incompetente que ele elegeu. Estamos ou não, na era do Arthur IV?

É estafante o tempo que perdemos diante do televisor, ouvindo notícias verdadeiras, e que por isso mesmo são estafantes. Ouvimos sobre novidades que a ciência atual está descobrindo e que já deveriam ser consideradas anacrônicas. As novidades sobre a modernidade na Educação surpreendem, não pela novidade, mas pelo tempo que passou debaixo do colchão da ciência. Alguém já disse que a ciência e a religião andam de mãos dadas. A religião quando descobre algo e não consegue provar, fantasia. A ciência, quando descobre e não consegue provar, engaveta. E é nesse engavetamento que continuamos engavetados na ignorância política.

Necessitamos de mudanças a cada instante. Não podemos parar. E as mudanças exigem mudanças. E é por isso que se quisermos mudar, teremos que mudar a nós mesmos. Mudar nosso modo de pensar sobre nós e nosso mundo. Temos que mudar o mundo que está pendurado no abismo. Mas não o mudaremos com protestos violentos nem bagunça nas ruas, crimes contra a civilidade e coisas assim. Vamos iniciar nossa tarefa, mas com racionalidade. Qual o seu critério na escolha do seu candidato para as próximas eleições? Ou você ainda está no grupo dos que votam no desonesto porque ele rouba, mas faz? Faz o quê? Ou você ainda não sabe que o máximo que um administrador público faz, na sua administração, é apenas parte do que ele deve fazer? Porque é você que está pagando o alto salário dele para ele fazer o que deve fazer. O governo não paga o salário do deputado bem remunerado. Ele, o governo, apenas faz o pagamento com o nosso dinheiro. O dinheiro que passamos para o governo pagar, com o imposto que pagamos até mesmo no preço do pão que compramos para o café da manhã. Simples pra dedéu. Mas não fique triste. Apenas faça sua parte, educando-se politicamente, para merecer ser um cidadão ou uma cidadã, de fato e de direito. E comecemos com a faculdade do voto. Pense nisso.

*Articulista

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