Opinião

Opiniao 13 01 2020 9608

É cilada, Bino Linoberg Almeida*

Essa mania de pôr a culpa em São Pedro, no sol, na chuva ou na quantidade de carros de uma via para justificar a má qualidade da pavimentação asfáltica é uma armadilha como aquelas que Antônio Fagundes alertava Stênio Garcia em Carga Pesada. Isso ocorre com frequência na gestão pública. E na vida real não tem música de suspense nem adianta fazer cara de que não está entendendo nada. Afinal, quem avisa amigo é.

Quase tudo na vida tem prazo de validade e não seria diferente com o asfalto. O tempo médio de durabilidade é algo em torno de 20 anos, mas você já deve ter percebido que obras novas não têm durado tanto. Quer ver só? O anel viário, contorno oeste da cidade, não tem 10 anos e não é lá essas maravilhas, mesmo com fluxo de veículos reduzidíssimo.

Sempre que vejo ônibus biarticulado correndo com suas 40 toneladas por ruas não preparadas para receber esse tipo de equipamento, penso como somos vítimas do paradigma da mobilidade urbana em tempos de muita propaganda política e pouco planejamento urbano de verdade. Outra cilada. O gigante passa e leva cerca de 200 pessoas. E como nunca está no horário, quem perde fica tempão no ponto. Ora, se fossem variedades de modelos, capacidades, rotas, não cairíamos no conto do papa-fila ou busão, que só fura nossa paciência.

Seja Carlos Pereira de Melo, Benjamim Constant (obras milionárias já com aditivo e nem tão pista de avião assim), Princesa Isabel (recém feita e sem qualidade) ou a da sua casa, todas precisam de manutenção adequada e mais atenção no quesito normas técnicas referentes ao uso do solo com planejamento racional e a ocupação ordenada, além de efetiva fiscalização. Infelizmente, Boa Vista é resultado de um processo de urbanização que ocorreu de forma acelerada e desordenada, desconsiderando questões ambientais, jurídicas e de inclusão social.

As ciladas só crescem ao estarmos atentos às farmácias municipais fechadas por férias de servidores e falta de substitutos; o arrastar da obra no centro de zoonoses com estranha dispensa de licitação mesmo com empresa licitada executando serviços; a adesão de ata dos uniformes escolares de nossos curumins e cunhatãs que gera emprego e renda em Suzano (SP) e Itaboraí (RJ), e não nas malharias, confecções e costureiras daqui, com os 8,5 milhões de reais que mandamos pra lá; os empréstimos que vendem sonhos e em pouco tempo entregam pesadelos como abrigos de ônibus sujos, enferrujados e aparelhos de ar sem funcionar, como na própria Benjamim Constant. E por aí vai.

A “cidade-modelo” e suas contradições colocam em confronto a realidade da prática urbana e o urbanismo tecnocrata de quem faz e acontece. Não é só fazer. É fazer para durar. É fazer com respeito à legislação vigente e ao dinheiro público aplicado. Fazer de modo que a narrativa possa ser capaz de educar as pessoas a cuidar da cidade e cobrar qualidade de quem quer que ocupe o palácio e a câmara. 

É óbvio que o plano urbano tem suas limitações, no entanto o Plano Diretor ainda é o guião capaz de despersonalizar a gestão pública com cara de corredores e gabinetes. Cidade tem que ter cara de gente, de audiências, conselhos, processos decisórios que tirem do individual pondo nossos destinos no colo coletivo. Escola que é parque, cidade que é jardim, saúde preventiva até com o que se leva à boca, estimulada pela gestão municipal, só se faz se houver esforço para gestão democrática da coisa pública.

E não basta ter ideias; tem que saber tirá-las do papel. Está bem na época de demonizar o trabalho de políticos em mandato para outros salvadores da pátria brotarem. Fique alerta à cilada de achar que vereador asfalta, constrói, muda sistema. É trabalho de formiguinha que leva luz àquilo que fazem de tudo para você não ver. Vereador é fiscal do povo se souber das suas competências presentes no artigo 31 da Constituição Federal. O controle externo da atuação do gestor público municipal é sua missão principal e incompreendida por culpa do patrimonialismo, da falta de hábito, do vazio de educação política, entre outros. 

Olha, para terminar, os assuntos citados já viraram pauta de mandato legislativo e quem acompanha de perto a vida política local sabe que ao executivo cabe o autoelogio e ao fiscal a crítica construtiva. E como citei Pedro, interpretado por Fagundes, e Sassá Mutema me está na cabeça, fica a dica de que para evitar ciladas, larguemos a tentação de buscar Salvadores da Pátria e se enganar, sem encontrar. A cidade é nossa e cada um tem um papel a desempenhar. O de vereador independente, nesse caso, está sendo feito, Bino.

*Professor e Vereador de Boa Vista 

Por que arrendar, quando podemos viver!

Fábio Almeida*    

Defender que indígenas arrendem terras para produção agrícola de terceiros é assumir claramente que o Estado brasileiro possui políticas para alguns iluminados. O barco incorpora todos, caro Doutor, mas o direito de sentar à mesa é de alguns. Sua retórica amplia as contradições da desigualdade, pois reforça privilégios.

Atribuir aos indígenas a estigma de latifundiários é um contrassenso teórico. Se olharmos as duas maiores terras indígenas do Estado temos na TI Yanomami 247 hectares por indígena. Já na TI Raposa Serra do Sol temos a relação de 70 hectares. Onde está o latifúndio, meu caro? Existem políticos, juízes e promotores donos de milhares de hectares improdutivos.

A alta no preço dos alimentos deve ser atribuída a fatores como o ganho de capital em mercados especulativos – afastam bilhões de dólares da produção – bem como, aos problemas meteorológicos, questões objetivas da escassez. Não é a falta de áreas produtivas, mais sim a falta de financiamento e a concentração de terra e renda que impõe vivermos hoje com quase 1 bilhão de pessoas com fome.

Saliento que produzir commodities não é produzir alimentos. Precisamos garantir segurança alimentar ao nosso povo, não lucros a alguém que se encontra na cadeia especulativa das exportações. O crescimento da exportação de grãos e carnes cresceu nos últimos 20 anos. Igualmente ampliou-se o número de pessoas com fome. O sistema é falho. Por que o reproduzir?

O artigo que publicastes consiste apenas na defesa da expansão da fronteira agrícola, bem como na incompatibilidade de aceitação, pela elite brasileira, de que vastas terras não componha o patrimônio privado de suas famílias. O intuito não é produção, caso contrário, por que não produzimos alimento nas áreas que não se encontram dentro de terras indígenas em Roraima?

Por fim, os indígenas não estão fora do “modelo de desenvolvimento”. Ocorre que a pauta é desenvolvimento sustentável. A lógica produtiva é outra, até porque a relação destas parcelas do povo com o meio ambiente incorpora outra visão produtiva, com respeito ao espaço e à terra. Tanto o é que o território da cidadania indígena, em Roraima, possui projetos, alguns implantados, outros esperando recursos. Porém, em sua grande maioria não incentivados pelo Estado. 

Se há interesse de produção na terra indígena, não é arrendando ou esburacando seu solo que encontraremos o caminho. A apenas geraremos conflitos. Mas isso não impede o desenvolvimento de modelos agroecológi
cos de produção, um modelo inclusivo, com foco na diversificação, cujo objetivo seja a qualidade de vida – não apenas a dos dados econômicos, medidos pela renda per capita – mas sim uma perspectiva de bem viver que permita o pleno desenvolvimento humano, social e ambiental de nosso povo.

Sua lógica produtivista, caro professor, é ultrapassada e reproduz a exclusão social. Não terá vez, a não ser que o Estado mais uma vez use de seu aparato jurídico e militar para impor um novo contrato social.

*Historiador e Candidato ao Governo de Roraima pelo PSOL em 2018.

Multiplique elevando

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Não deveis apenas multiplicar a espécie, mas também elevá-la. E que vos ajude nessa empreitada, o jardim do matrimônio.” (Assim falava Zaratustra)

Na verdade, o matrimônio sempre foi o pedestal do equilíbrio da sociedade. Só que tal equilíbrio sempre esteve ligado às épocas e eras em que existiu. Nem sempre tivemos capacidade de seguir ordenadamente o desenvolvimento social. Os comportamentos na educação do povo nem sempre acompanharam o desenvolvimento cultural e científico. E mais. Estamos vivendo e sofrendo isso atualmente. Se se levar em consideração o andamento cultural, nem estamos educando, nem ensinando. Mas leve aí em consideração as diferenças regionais. O que, a meu ver, não deveria fazer diferença. Afinal de contas, somos todos da mesma origem e com o mesmo desenvolvimento na marcha do progresso a regresso. 

Vamos debulhar a espiga. O matrimônio sempre seguiu regras de certa forma religiosas. Quando deveria seguir regras murais e educacionais. O compromisso no matrimônio não está ligado somente ao amor imposto. No matrimônio assumimos o compromisso de desenvolver a sociedade e, consequentemente, a humanidade. Está parecendo complicado, mas é simples pra dedéu. O problema está em ainda não conseguirmos distinguir o fácil do simples. São coisas distintas. Há coisas simples que nem sempre são fáceis. E coisas fáceis que nem sempre são simples. Como entender esse labirinto que estou tentando desenrolar é o maior exemplo.

Vamos simplificar. Somos seres humanos, considerados racionais. Quando na verdade somos apenas de origem racional. Ainda não entendemos o perigo que vivemos com o crescimento acelerado das populações. E não estamos em condições de acompanhar o desenvolvimento, elevando o nível da racionalidade no ser humano. Aí caímos em poços que deveriam ser apenas buracos. As escolas estão vivendo esse descontrole. Não estamos educando nossos filhos em casa e eles estão indo mal educados para as escolas, que não têm condições de educar.

Vamos fazer uma reflexão sobre esse labirinto. Vamos parar de creditar a responsabilidade aos poderes. Vamos nos colocar na posição de responsáveis pelo nosso dever de cidadãos. Valorizemo-nos no que somos para poder ser o que ainda não somos. Porque as mudanças são inevitáveis. E quando não mudamos ficamos no lamaçal da ignorância que nos manterá no pantanal da irracionalidade. Somos todos de origem do Universo Racional. Vamos voltar para lá, com racionalidade. E todos nós temos esse poder. É só saber usá-lo, incluindo nele o matrimônio como a Universidade do Progresso. Somos o que somos. Pense nisso. 

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