Opinião

Opiniao 14 10 2019 9104

Aos mestres, com carinho

Mais um 15 de outubro chegando e professores e professoras seguem vivendo o contexto de preencher com afago e atenção a vida escolar de filhos, com pais e mães, assim como eles e elas, ocupados com carreiras, celulares, correrias, as inquietudes de ‘ter’ e ‘ser’ nisso que chamamos de vida. E a vida de quem ensina é pautada por formação, estudos, métodos, criticidade cientificamente construída.

Ser e estar responsável pela vida de seus alunos é dedicar-se a pessoas e instituições, para além do conteúdo. É uma interação crescente entre as partes. A sala de aula vira lugar de troca de experiências, de construção ou retomada de valores perdidos como gentileza, empatia, cidadania, respeito, honestidade, tolerância. O professor é formador de opiniões, um dos dilemas relativos ao ofício.

Sou professor hoje dedicado a buscar estratégias para valorizar aos mais de 2000 professores de Boa Vista, seus ambientes escolares e sua comunidade. Quem cuida dos professores que cuidam de nossos filhos? Quem pergunta sobre a vida e dores dos que acolhem, valorizam, incentivam, elogiam nossos pequenos? Quem cuida dos que dão suporte para que o trabalho seja bem realizado? O professor deve suprir questões afetivas de alunos, mas e se estiver com medos e sem esperanças?

Há descompasso no Programa Compasso desde o valor pago até a insistência pelo modelo estruturado, prometendo diminuir problemas de comportamento por meio do ensino de habilidades socioemocionais. Alimentar o corpo (e não falo de auxílio-alimentação, que poderia até mesmo existir) e a alma do corpo docente é lidar com competências e habilidades não-cognitivas antes de cobrar a transmissão delas. Daí sai um servidor de valor. 

Saúde com mente sã e corpo são é aquela que não perde 800 reais da gratificação de incentivo à docência, hoje maior e ainda punitiva, com desconto integral se passar dos três dias fora da sala. Não se pode ter doença contraída em sala de aula e ser punido. Imagine professores readaptados em salas de leitura e bibliotecas sem direito à gratificação como se esses espaços de aprendizado fossem menores. Não se pode perder parte importante da remuneração por engravidar e gozar da licença maternidade garantida em lei. Felizmente, avançamos na concessão de GID aos professores indígenas, que até setembro não recebiam.

Vivemos tempos de enfraquecimento da Educação Especial no orçamento local. Em 2018, eram 600 mil reais; em 2019, 300 mil e para 2020 são 100 mil reais para o acolhimento e atendimento especializado para crianças com deficiência. Quando vamos dar a real importância ao Transtorno de Deficit de Atenção, à Deficiência Intelectual, ao Transtorno do Espectro Autista em programas de intervenção precoce que deem suporte ao professor?

Quando vamos tratar de capacitação de professor com rubrica específica e contextualizada às demandas da escola, do bairro, da cidade, sem gurus? Quando vamos tratar de Educação Escolar Indígena com suas especificidades e desenvolvimento de materiais didáticos próprios, elaborados por professores da rede pública municipal? Estas, as rurais e a grande maioria das escolas mais periféricas sofrem com IDEB fora da meta, transporte escolar sem qualidade, acesso complicado; e a conta não pode cair nas costas de professores.

Muito foi feito, eu sei. Mas, falta humanizar a gestão das escolas, oferecendo autonomia com responsabilidade. Falta dar cara roraimense ao material e conteúdo. Falta democratizar o FUNDEB. Falta mais interação com famílias. Falta formação continuada e carreira coerente. Falta internet de qualidade no ambiente escolar e descentralização do que chamamos de inovação tecnológica. 

Não é só um prédio; falta um lugar inspirador e menos reprodutor de saber importado. Falta abraçar e iluminar o professor, a professora para que com coragem percebamos todos que a maior das faltas é não vê-los como protagonistas de nossas vidas. Obrigado, Graça, Noêmia… Fernando, Ana Flávia (meus mestres) e aos professores e professoras de Boa Vista e Roraima pela clareza, dedicação e carinho. 

Linoberg Almeida Professor e Vereador de Boa Vista

Do luto à luta

Corrupção é cercada por areia movediça. Ter consciência do problema é o 1º passo

São já cinco anos e meio de Lava Jato, seis da lei da colaboração premiada, sete do processo criminal do mensalão e lá se vão mais de 31 de Constituição Cidadã. Mesmo assim, 73% dos brasileiros continuam temendo retaliação se denunciarem a corrupção. Este é sinal claro de que há um campo com areia movediça em torno dos números da corrupção no Brasil (que nos impede de quantificá-la com exatidão) em face da óbvia grandeza dos índices de subnotificação (casos não denunciados, a chamada “cifra negra” criminológica).

Para 54% dos brasileiros, a corrupção, de um modo geral, aumentou (em relação a 2018). E para 63% deles, todos ou a maioria dos integrantes do Congresso Nacional estão envolvidos com a corrupção. Para 57% dos ouvidos, a Presidência da República também está envolvida, mesmo tendo sido o Presidente eleito com discurso enfático à luta anticorrupção. Para igualmente 57% dos ouvidos, o Governo Federal não realiza bom trabalho no combate à corrupção.

É chocante este outro número, mas a verdade é que 40% dos ouvidos no Brasil já foram abordados com ofertas para a compra de seus votos. Pior que este percentual na região, somente o México (50%) e a República Dominicana (46%).

Mesmo neste contexto, o Congresso aprovou uma nova lei de partidos políticos que permite que se utilizem recursos do fundo partidário sem limites com despesas de advogados e contadores, mesmo se sabendo que a precificação de serviços de advogados é complexa e que isto institui brecha para o caixa dois eleitoral, legitimando-se artificialmente gastos indevidos, como a compra de votos. Autorizou ainda a nova lei, a compra de helicópteros ou veículos de luxo.

Os números estão dolorosamente apontados no relatório da 10ª edição do Barômetro Global da Corrupção, realizado pela Transparência Internacional, ouvindo 17 mil pessoas em 18 países (1 mil delas no Brasil), divulgado nos últimos dias, ressalvando que a análise observa aspectos relacionados à percepção subjetiva da corrupção e deixa de analisar a quantidade e qualidade da vitalidade no enfrentamento deste fenômeno pelas instituições, vale destacar que se há mais visibilidade em relação à corrupção e em boa parte isto deve ser creditado a seu desmascaramento e corajoso combate.

Por outro lado, a pesquisa aponta que apenas 11% dos brasileiros teriam pago propina. Com números melhores, apenas Barbados (9%) e Costa Rica (7%). Mas a verdade é que nosso problema não é a corrupção miúda do varejo, e sim, a grande fraude, a corrupção eleitoral, a corrupção nos partidos políticos, nas licitações para contratações públicas.

Estes números não consideraram a aprovação da Lei Renan Calheiros de abuso de autoridade, a obstacularização do trabalho do Coaf (hoje UIF) para informar o MP sobre transações financeiras suspeitas e da Receita Federal, pretendendo-se cercear sua autonomia e muito menos a nova lei dos partidos, que, como já se enfatizou, abre brechas para o caixa dois eleitoral e para a lavagem de dinheiro.

Mesmo assim, misteriosamente, para 82% dos brasileiros, o cidadão comum daqui pode fazer a diferença. Nosso otimismo ainda se sobrepõe surpreendentemente às agruras terríveis do sentimento de impunidade da corrupção, que ainda imperam, já que Mensalão e Lava Jato tocaram apenas a ponta do iceberg. E hoje, 90% dos brasileiros percebe a corrupção como um grande problema nacional (acima da média da América Latina – 85%).

Para vencer, não bastam investigações, processos e penas. Falta reforma político-partidária, novas medidas contra a corrupção, fim do foro privilegiado, mais transparência, escolhas conscientes nas eleições e muito mais. Mas, ter consciência sobre a gravidade do problema e estar otimista em relação a seu enfrentamento lastreiam e permitem um primeiro passo. Avancemos!

Roberto Livianu  Promotor de Justiça São Paulo, doutor em direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC) e diretor do Ministério Público Democrático (MPD).

Eles voltaram

“A neve e as tempestades matam as flores, mas nada podem contra as sementes.” (Gibran Khalil)

É da semente feinha que nascem as rosas maravilhosas que todos adoramos. E as rosas podem muito bem estarem onde estamos e no que vemos. E, muito embora nada tenha a ver com esse assunto, vi uma rosa naquele casal que havia sumido. Fazia tempo que não os via. Desde o dia que lhes falei do desaparecimento dela. Ele ficou meio borocochô. Pelo menos foi o que notei. Talvez por minha inexperiência em conviver com eles.  Ontem eu estava ali na varanda, olhando o movimento na praça, quando ele apareceu. Como no velho costume, parou, esperou os carros passarem, atravessou a rua, e do outro lado, parou. Como de costume, ele virou-se e ficou olhando para a rua de onde ele saiu. Foi como se estivesse esperando por algum companheiro. De repente ela apareceu. Ele continuou esperando-a. Ela atravessou a rua, e quando aproximou-se dele saíram pela praça, como nos velhos tempos. Adorei vê-la. Muito embora ela me parecesse um pouco diferente, no aspecto. Os pelos pareciam despenteados. Fiquei observando-os na marcha de casal alinhado.  Passei a tarde toda me lembrando, e me admirando com o comportamento dos dois. Mais tarde comentei com a vizinha e ela me disse que o afastamento dela fora por conta do nascimento dos filhotes. Ela tinha dado crias. Foi legal pra dedéu. Mesmo porque, desde que cheguei por aqui, pela Ilha, tenho admirado o comportamento dos cachorros. Já presenciei atitudes e comportamentos iguais aos dos humanos, sem cachorrada. Aí comecei a sorrir. Há seres humanos que fazem muito mais cachorradas do que os cachorros. E ainda pensando nisso fui novamente à varanda. E sem querer dar uma de treinador de cães, fiquei observando os que passavam pela calçada.  Tais observações, às vezes, nos levam a momentos distantes. Lembrei de dois episódios a que assisti, faz muitos anos, em Sampa. Lembrei-me daquela cadela que me chamou a atenção quando ela atravessava a Avenida São João. Aí me lembrei o que teria acontecido se o Caetano Veloso tivesse assistido àquilo. Já contei isso pra você e não vou me alongar. Uma cadela ia pela calçada, acompanhada com vários filhotes. Chegou à beira da calçada, parou e esperou os carros passarem. Ainda cortando a fila eles atravessaram a rua, pararam na ilha, no meio da avenida, esperaram os outros carros passarem, e só aí chegaram à outra calçada e seguiram tranquilamente. Tenho observado tal comportamento aqui, na Ilha Comprida, que muitos humanos deveriam seguir. Vamos dar mais atenção à evolução do ser habitante da Terra. Pense nisso.

Afonso Rodrigues de Oliveira Articulista [email protected] 99121-1460