Opinião

Opiniao 16 11 2019 9307

Reis, Heróis e Mitos! Luiz Maito Jr*

Na maioria das vezes tentamos ser apenas honestos no dia a dia, esses que nos roubam os prazeres menores, honestos por sermos quem somos, pessoas que nasceram sem a estrela na testa e superando o degrau acima com suor e às vezes admoestações que se enveredam por caminhos escusos, de pessoas escusas, que se entrincheiram em volta de um palácio, para proteger o seu grande algoz. Vendidos, seja pela falta de caráter ou mesmo pela insuperável servilidade apreendida em anos de subserviência.

A disputa pelo manto não nos serve, nem neste momento, nem em nenhum outro, se as pessoas partem de observações duais, elas apenas reprimem em si o caráter libertário que a visão mais ampla premia. Se não está do meu lado, ou do meu chefe, é meu inimigo, a belicidade que tomou este país tem em sua história de formação as características perfeitas para entender este tempo de raivosos e raivosos. Colônia x Metrópole, Senhor de Engenho x Escravos, Fazendeiros x Indígenas, Monarquia x República, Democracia x Ditadura, Arena x MDB, Esquerda x Direita, Terraplanistas x Cientistas. O eterno Fla x Flu que desembocou nesta sociedade rancorosa e incapaz do diálogo.

Há o queijo e há os vermes, há o Estado e há seus detratores, há o dialogo e há os portadores de armas, não só aquelas que se colocam na cintura falsamente disfarçada para aparecer e intimidar mesmo, outras armas que esvaziam vidas, retiram perspectivas e mantém em seu cárcere o que deveria ser de todos, a privação do público para o público, a coisificação da ideia, o absoluto subtrair a quem deveria ter e o maximizar de quem já tem, mas que tem um projeto pessoal, tem vontades próprias, e que se farta do todo, aquele todo que é público, que é uma ideia, que serviria a todos, mas bem arregimentado, bem deslocado, cabe perfeitamente ao rei como se sempre tivesse sido seu.

Algumas vezes tentamos o salto, tentamos ser o que nos pedem para ser nossas consciências, buscamos o bem e nos deparamos com o mal humor geral, os arruaceiros, os contra a ordem, os que nunca estão contentes. O heroísmo não nos pertence. A estes estão reservadas as glórias fajutas. Uma luta por todos não serve para os reis, clãs empoderados, famílias de estirpe pioneira. Os heróis são fabricados nos nossos dias da infância, nos bancos escolares, nas conversas dos bares, entre homens e mulheres que aceitam de bom grado seus presentinhos, o cálice não afastado a tempo. Os mitos se proliferam no macro e no micro, heróis, herdeiros de um tempo decadente e moribundo.

Como disse um grande Historiador deste país semana passada, brucutus, ressentidos e odiadores da Educação e da Ciência. Os males se avolumam e todos se adoentam, sejam sofrendo estes males, sejam proliferando estes males, o País, o Estado, a Cidade, a Educação, a Universidade, a crise é criada, desenvolvida e utilizada para que sejamos sempre estes doentes. Outro poeta já disse:

“O tempo que nos gera, também gera generais”. É assim mesmo, estaremos fadados à dualidade e ao confronto enquanto espetacularizarmos a ignorância, enquanto aplaudirmos o rei que nos joga um contra os outros, que nos utiliza como brinquedinho de montar, que serve o almoço às três horas da tarde porque estamos famintos e vamos agradecer, mas que não nos deixa jantar, porque os custos são altos.

Os reis destes lugares apenas nos apartam, nos distanciam um dos outros, acalmam nossa fome imediata, já que amanhã teu estômago estará vazio. O macro e o micro se misturam, mimetizam, enroscam um ao outro e a você que acha que há Reis, Heróis, Mitos.

*Pós-Graduando em História da Amazônia

Idealismo revolucionário

Oscar D’Ambrosio*

A busca pela liberdade é um dos desejos mais legítimos do ser humano, ainda mais quando se é jovem. É um momento da vida em que parece não haver limites para a nossa capacidade de criar e de realizar tudo aquilo que sonhamos. A questão que se coloca é se há um limite para o preço individual e coletivo para realizar um desejo.

Esse tipo de indagação surge com força no filme “Hostages”, de Rezo Gigineishvili. O diretor parte de um episódio pouco conhecido no Ocidente, a tentativa de sequestro de um avião por um grupo de jovens da Geórgia que desejava ir para a Turquia e escapar do regime soviético em novembro de 1983.

Após uma festa de casamento, no que pareceria ser uma viagem de lua de mel, o casal e alguns amigos realizam uma amadora tentativa de fuga da chamada cortina de ferro, que resulta em mortos e feridos. Entre eles, tripulantes e passageiros. Filhos da classe média alta local, os sequestradores demonstram idealismo, irresponsabilidade e ingenuidade.

Entre os atores, destaca-se a jovem noiva, Tina Dalakishvili, com uma meiga e lânguida sensualidade, interpretando justamente o cerne de uma ação com nobres intenções, mas totalmente desastrada, que resultou em condenações a morte dos sobreviventes, com seus corpos nunca encontrados até hoje.

O mais interessante é que os jovens justificam a sua ação argumentando que foram influenciados pelos próprios pais, que informavam que a vida no exterior seria melhor que na Geórgia comunista. Curiosamente, nenhum deles vivenciava qualquer tipo de dificuldade social. A ação ocorreu pelo desejo de se ter algo sem se saber exatamente o que isso seria.

Sacrificar a própria vida por um objetivo é uma escolha pessoal, mas, de maneira impensada, envolver outras pessoas que não compartilham desse ideal, ou que simplesmente não sabem o que está acontecendo, fere a autonomia e o livre-arbítrio. Seja por divulgar o episódio ou por levantar essas perguntas, o filme é uma excelente opção de reflexão.

*Jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.  

A idade derrete

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos.” (Bob Marley)

Vamos a um papo bem coloquial. E me desculpe por estar repetindo muito o Bob Marley. Mas não posso evitar quando o pensamento do cara se encaixa nos meus sentimentos. Não sou um sentimentalista. Desde minha infância, que está longe pra dedéu, que indico meu controle emocional. Certo dia, refleti muito sobre isso, mas não me deixei vencer. Foi no funeral do meu pai, em São Paulo, em 1976. No dia seguinte, uma de minhas irmãs comentou comigo que minha mãe lhe dissera haver estranhado que eu fui o único membro da família que não chorou durante o enterro. Fiquei chateado por minha mãe ter percebido isso. Mas fiquei na minha. Porque sempre soube que nenhum dos membros da família amou mais nem respeitou mais o meu pai, do que eu. Por que eu não chorei, quem me conhece sabe. 

Mas vamos amenizar o assunto. Continuo não sendo um chorão, mas estou chorando mais de felicidade do que de tristeza. Basta que alguém se apresente com personalidade, num papo ou demonstração que me emociono. Não choro, claro, mas as lágrimas vêm de mansinho e q
uerem escorregar pelos olhos. Aí começo a rir de mim mesmo. Mas como não sou mentiroso como alguns acham, contenho-me, porque as lágrimas não chegam se não houver um motivo, ainda que seja a preguiça. 

Recentemente refleti sobre tudo isso, ali na varanda, com o movimento dos carros lá embaixo. Mas, como isso não me interessa, prefiro prestar mais atenção às crianças brincando ali na praça, nos escorregadores. Uma das coisas que mais me fascinam aqui na Ilha Comprida. De repente percebi que havia um movimento de lágrimas querendo escorregar pelos meus olhos. Novamente sorri. Mais pela simplicidade do motivo que estava empurrando as lágrimas do que pelo motivo que causava os escorregões. Eu estava me emocionando com a brincadeira de um garotinho pequenininho, que tentava subir as escadazinhas. Sempre que a mãe dele se aproximava querendo ajudá-lo, ele rejeitava a ajuda, de uma maneira bem viril. Era como se estivesse dizendo: “Chega pra lá. Deixa que eu me viro.” Fiquei observando as atitudes do garotinho por longo tempo. Sempre que ele caía na descida do escorregador e a mãe corria para ajudá-lo, ele se levantava rápido e saía correndo para a escada de subida.

Mas o mais importante e que empurrou as lágrimas para os meus olhos foi o comportamento do garoto depois da brincadeira. A mãe chamou-o para saírem e ele correu pra ela. Segurou a mão dela e ficou falando com ela como se estivesse lhe dizendo o que sentira na brincadeira. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460