Opinião

Opiniao 30 11 2019 9384

O salvamento da mãe  Rodrigo Alves de Carvalho*

 Wladimir acordou sonolento naquela quarta-feira. Levantou da cama, foi ao banheiro, tomou um banho, trocou de roupa, bebeu um café esquentado que fizera no dia anterior e foi para o trabalho.

Somente com o passar das horas e a agitação em sua repartição fizeram Wladimir ir despertando aos poucos. Quando era mais ou menos dez horas da manhã, deu um salto de sua cadeira naquele escritório de contabilidade e assustado, como se recebera uma mensagem mental ou quem sabe numa espécie de sexto sentido, o rapaz gritou: – Preciso salvar minha mãe! Andrade, o contador que trabalhava ao lado se assustou com tal atitude: – Está louco homem? Wladimir com os olhos arregalados coçando a cabeça estava em desespero: – É sério! Preciso ir embora senão minha mãe poderá morrer! Os outros funcionários do escritório de contabilidade se levantavam um a um para saber o porquê daquela gritaria de Wladimir. – Vou para casa. Acho que ainda dá tempo de salvar mamãe! Pegou seu casaco e se preparava para sair. Roberto, o chefe da repartição chega com sua habitual cara de sapo boi. – O que está acontecendo Wladimir? Todo mundo aqui parou de trabalhar por causa de você! – Vou para casa chefe. Senão poderá ser fatal para minha mãe.

Sem entender, Roberto preparava para dizer que se ele saísse não precisaria voltar, porém, antes de abrir a boca, Wladimir já estava no elevador.

Deixou o prédio e na rua movimentada, embaixo de um aguaceiro que caia naquela hora, nenhum taxi à vista. Saiu correndo rumo ao metrô que ficava há três quadras, corria dignamente como um velocista de cem metros rasos.

Ao chegar ao metrô teve que esperar por quase quinze minutos para embarcar. Foram os quinze minutos mais longos de sua vida, pois a cada segundo sabia que sua mãe poderia partir desta para melhor.

Após parar em três estações, finalmente chegou ao seu bairro. A chuva havia aumentado e Wladimir teve que enfrentar fortes corredeiras e diversos tombos na água suja que era despejada de bueiros entupidos.

Após muito penar, sujo, encharcado e cansado, Wladimir consegue chegar até seu prédio, onde morava sozinho numa pequena quitinete.

Subiu correndo as escadas até o oitavo andar. Ao entrar em casa, escorregando pelo chão devido aos sapatos molhados, ele chega até o quarto onde se abaixa diante sua cama e desvira os chinelos que havia deixado sem querer quando sonolento acordara naquela manhã. Exausto, Wladimir desaba na cama. Feliz por ter salvado sua mãe dos terríveis chinelos virados para baixo.

*Nascindo em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta, possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

SER DEFICIENTE, OU ESTAR DEFICIENTE?

Vera Sábio*

A CPAI/TJRR – Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal de Justiça, nos usos de suas atribuições, vem a todo público, na tentativa de conscientizar a respeito dos direitos das pessoas com deficiência, visto que 03 de dezembro é comemorado o dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

Assim de uma maneira informal, com a criação deste texto pela servidora Vera Sábio, que é escritora cega, e membro da CPAI/TJRR, chamamos todos para a reflexão. 

Não é fácil viver com alguma deficiência, mesmo porque é difícil viver, ser gente e conseguir ser humano.

Em um mundo diversificado e globalizado, a palavra inclusão virou moda e muitos acreditam que dividir os espaços, permitindo que todos circulem em qualquer lugar. É inclusão.

Mas será que você que sai cedo, de moto, em um trânsito louco igual ao nosso, apressado por uma noite mal dormida devido às preocupações para pagar as contas que teimam em crescer, enquanto seu salário só diminui…

Você se sente incluso, quando vê os poderosos não precisando levantar cedo, não tendo a simples motocicleta que você tem, e muito menos a preocupação em pagar as contas que a você pertence?

Estou falando desta forma simples e clara para te dizer :

– Sabia que você é deficiente!

Você que tem muito é deficiente de amor, pois é incapaz de repartir.

Você que tem pouco é deficiente de alegria, pois as preocupações para que o pouco seja o suficiente muitas vezes lhe impedem de sorrir.

Você que vive só, é deficiente de companheirismo, pois muitas vezes se afasta do convívio, ou se torna antipático, fazendo com que os outros se afastem de você.

Você que convive com muitos é muitas vezes deficiente de paz, pois quase nunca consegue encontrar-se consigo mesmo.

Enfim, aquele que não vê o sofrimento do outro, às vezes é mais cego do que eu que não vejo o rosto de alguém.

Aquele que não é capaz de sair do seu comodismo para socorrer a quem precisa, às vezes é mais paralítico do que o que se esforça para caminhar sobre as rodas de uma cadeira para ir ao encontro dos seus ideais.

Aquele que não escuta o sorriso de uma criança, muitas vezes é mais surdo do que a pessoa que não ouve, mas faz uma criança sorrir.

Quem só pensa em seus problemas, em sua vida, e vive no seu egoísmo, tem muito mais dificuldades de raciocínio do que muitos deficientes intelectuais que estão prontos para quem tenha a sensibilidade de os aceitar e os amar como eles são.

Então, querido leitor, lhes digo que:

Estar deficiente é uma condição que limita uma pessoa de utilizar alguns dos sentidos físicos e sensoriais, devido a uma doença, ou por um acidente, ou até mesmo por má formação genética. Fator este pertinente a qualquer pessoa que tenha, ou virá a ter esta condição; a qual não as impedem de superá-las com sensibilidade, inclusão, esforços, respeito, amor e boa vontade da sociedade em acolhê-las, promovendo e proporcionando acessibilidade adequadas para isso.

Algo bem diferente de ser deficiente.

Pois ser deficiente é:

Estar estagnado perante a situação física ou sensorial, e pior ainda atitudinal, que o impede de conquistar espaços, enxergar sonhos, ouvir lamentos, abraçar lutas, pensar atitudes, desvendar mistérios, encontrar caminhos e ser vencedor…

Somos diferentes, o que é nossa riqueza, mas somos iguais, o que é nossa condição de seres humanos.

Por isso, no dia internacional da pessoa com deficiência, peço a você que tem os sentidos perfeitos: tenha muito mais que isso… tenha a coragem de sair do seu comodismo e enxergar em uma pessoa com alguma limitação um irmão, um parente, uma pessoa que você ama e não deixar que a limitação do preconceito o impeça de realizar a inclusão que fará um mundo bem melhor.

A única limitação que não tem j
eito é a limitação da vontade. Com vontade e oportunidade todos poderemos bem mais do que os olhos enxergam, do que os ouvidos escutam, do que o raciocínio compreende e do que os passos cheguem.

*Escritora, palestrante, servidora pública, esposa, mãe e cega com grande visão interna. Adquira meu livro Enxergando o Sucesso com as Mãos pelo cel. 95 991687731 blog: enxergandocomosdedos.blogspot.com.br

Os violinos de outono

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Os soluços longos dos violinos de outono ferem-me o coração com monótono langor.” (Voltaire)

Nada de monotonia. Só não sei por que sempre que o dia está manhoso, friinho e às vezes chuvoso, me lembro dos violinos de outono. Talvez por eu ter vivido aqueles dias nebulosos em que os aliados usaram a poesia do Voltaire, como senha para a invasão da Normandia. Mas tudo bem. O que aconteceu foi que ontem era dia de eu receber a fortuna que recebo como salário. E como chovia, resolvi ir a Iguape. E isso porque o ônibus passa bem em frete à varanda. Fica mais cômodo do que caminhar até a Avenida Copacabana, aqui na Ilha, para receber a fortuna. Tomei o ônibus que estava lotado. E é um ônibus intermunicipal. Mas o tempo que levamos para chegar ao Município de Iguape é o mesmo que levamos para chegar à Avenida Copacabana. E lá fomos nós.

Sentei-me e no banco à minha frente ia um senhor de idade, de cabelos brancos. Ele iniciou uma conversa com uma senhora da mesma idade dele, mais ou menos. E pelo que vi, eles não se conheciam. Mas o cara era o cara e iniciou a conversa que se estendeu até o fim da viagem. Mas o que mais me encantou foi o humor do cidadão. Durante os poucos minutos de viagem, ele contou uma porção de piadinhas elegantes e muito divertidas. Todos os que estavam próximos deles, riam. Eu ri moderadamente. Só que ele viu que eu ria e começou a contar as piadinhas olhando para mim. Será que ele pensou que eu iria usá-las? Houve um momento em que fiquei esperando oportunidade de perguntar o nome dele, para poder usar suas piadas. Porque vi que elas eram originais. Mas ele desceu antes de mim e não tive oportunidade.

Passei a tarde pensando nas piadinhas simples e nada vulgares. E a que mais me divertiu e fez aquela senhora rir muito foi: ele disse que um dia foi à igreja se confessar. Num momento ele falou para ao padre: eu sou um criminoso inveterado. Eu cometo um assassinato por dia, todos os dias. O padre assustou-se e disse para ele lhe dizer por que era levado a cometer os crimes. E ele explicou para o padre: eu não resisto padre. Todos os dias, quando estou com muita fome, levanto-me vou até o botequinho, como alguma coisa e mato a fome. 

Valeu a pena. Desci do ônibus, fui até a Caixa Econômica, recebi a fortuna e voltei para casa feliz da vida. Almocei e matei a fome, sem que alguém percebesse. Aí percebi que não são os violinos de outono que ferem meu coração, mas que me fazem passar um dia feliz. Obrigado àquele senhor de cabelos brancos que me divertiu dentro de um ônibus lotado, numa viagem curtíssima e divertida. Pense nisso.

*Articulista [email protected] 99121-1460