Opinião

Opiniao 10261

Liturgia dos pés descalços

Walber Aguiar* Onde houver tristeza que eu leve alegria, onde houver dúvida que eu leve a fé                                                                                        Francisco de Assis                                                                                                   No meu bairro, no velho São Francisco, conheci as ruas de barro vermelho e a simplicidade. Conheci o bar do Neir, seu Calandrino e seu Zé Niça, “Chinelão” e seu Pinheiro, Mário Carioca, filho de seu Eduardo e dona Marieta, Barbosinha, filho da professora Iolanda, Camiranga, filho de Walter Aprígio, Magno e Paulo, filhos de tia Zélia e Zé Chico. Poderia aqui enumerar tantos outros, mas me detenho na velha, embora reformada, igreja de São Francisco de Assis.

Ali, no coração do velho “Chico”, a igreja conseguiu congregar inúmeras pessoas do bairro. Lembro dos velhos arraiais, do bingo e do serviço de recadinhos. Das barracas cheias de gente e alegria. Também do campinho em que “Ribeirão” se reunia com a molecada em torno da contagiante vibração do futebol.

Camiranga, Magno velho, Francélio, Danilo Preventino, Cascadura,Antônio Moacir, Janari, João, filhos do velho Aristeu, nego João e tantos outros participavam daquela pelada no campinho da igreja. A meninada subia no muro pra ver o desenrolar da pelada de fim de tarde.

Ora, a Igreja, com o padre Lírio Girardi, acolhia os fiéis. Lembro que minha mãe, dona Maria Messias, levava a gente pelo braço para assistir à missa. Ali era distribuído o semanário litúrgico- catequético, uma espécie de jornalzinho que dava o roteiro da ritualidade católica.

Quem queria ofertar, ofertava, quem queria se omitir se omitia. Não havia nenhuma maldição ou castigo sobre os despossuídos do vil metal, do dinheirinho suado que cada um ganhava.

Depois que minha mãe foi embora, em outubro de 2003, fui poucas vezes à igrejinha de São Francisco de Assis…

Não me lembro de ter visto nos evangelhos ninguém cobrando para ensinar o povo, fazer milagres, ressuscitar mortos, abençoar os desgraçados e oprimidos que viviam nas regiões da sombra da morte. Jesus nunca cobrou entrada para o “Sermão do Monte”, ou para o ensino fascinante das parábolas. Nunca mercadejou a fé ou comercializou o sagrado. O que vejo é gente cobrando pela fala de um “apóstolo” de Nova York, cheio de pompa e circunstância, que pede cinquenta reais por uma simples entrada num evento de pretensas “curas e libertações”. Acho que o povo que vai será “liberto” do dinheiro no bolso, pois vai depositar o resultado de seu trabalho na sacola de quem cobra para pregar qualquer coisa que atraia as multidões. Questões sobre sexo, dinheiro e saúde são um chama para quem quer ouvir, mesmo que uma simples mensagem não resolva seus problemas.

Num tempo em que um papa renuncia a muitas benesses e tenta viver como um verdadeiro discípulo de Jesus, à semelhança do santo da igreja do meu bairro; de um homem que “conversava” com os bichos e tratava as pessoas como gente, alguns evangélicos seguem na contramão da história, cobrando “indulgências” de gente ingênua e sem uma releitura do evangelho a partir de Jesus.

Naquela manhã, lembrei de minha mãe, do velho bairro e da igrejinha de São Francisco de Assis. Que saudade da grandeza e da simplicidade…

*Poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras

Email: [email protected] 

A crise econômica no Brasil já está estabelecida, não há o que negar

Paulo Linhares*

Ora, se há uma pandemia, se deixam as pessoas se infectarem à vontade, a crise econômica vai acontecer da mesma maneira. É irremediável, a crise está estabelecida no mundo. Não há divergência de que a crise nós iremos enfrentar de qualquer jeito. O óbvio e que o mundo todo vem fazendo é tentar reduzir o número de doentes para abreviar duração da crise. Há um mês a Europa elaborou um planejamento em conjunto. Mas foi só um planejamento, não há uma hipótese sequer que as medidas de contenção possam ser deixadas neste momento. Foram só orientações. A decisão pela suspensão das medidas restritivas, no próprio documento fica a critério de cada localidade e no momento adequado.

Cada lugar sofreu de uma forma e intensidade tem uma capacidade de reação concreta, o comum é o vírus. A saída das restrições só vai ser de alguma forma eficaz, se for gradual, coordenada e que os Estados se comuniquem entre si. Afinal, quem diverge sobre o fato de que este vírus não respeita fronteiras?Não existe e não existiu isolamento vertical em nenhum lugar do mundo, nenhum. A Europa inteira, todos os países desenvolvidos, inclusive nos EUA (em que o governo federal foi contra) acabaram forçados pelas circunstâncias a adotar o isolamento.

Fora, que temos mais de 30 milhões de pessoas no Brasil em condições sanitárias indignas. Agora essa conta chegou, higiene básica, infraestrutura mínima, ambiente inadequado para os humanos, perfeito para uma epidemia. Já vivemos numa crise social que não é invisível, só é negada por alguns segmentos, mas ela existe em estado de latência, só que agora bate em todas as portas cobrando essa conta.

Negar, nesse momento, não é mais uma opção. É evidente que não tivemos medidas para conter os efeitos da crise social, que já é reflexo da econômica. Agora, vamos enfrentar a crise de saúde em conjunção, já que as pessoas dividem com as outras e com o vírus, espaços comuns. Então, mesmo não querendo ser o pai da razão, a racionalidade da situação é essa aqui no Brasil, o resto, me perdoe a franqueza, é esperneio de quem quer se isentar do vírus ou tem a intenção deliberada de ganhar algo investindo a favor da crise. Esse tipo de conversa de “é mais econômico contratar leitos”, está mais do que provado ser inadequado, é apenas uma forma de transferir recursos públicos ao particular.

Claro, há eventualmente esta possibilidade de forma complementar, porém nunca como proposta de modelo de gestão de saúde pública, terceirizar a rede. A nossa única cautela até então, claramente, foi ainda ter o SUS, os EUA por não o ter virou um epicentro mundial. A Itália, Reino Unido, dentre outros tiveram que recuar no modelo privado.Novamente sem querer ser o pai da razão, penso que negar estes fatos, é, me permita, tentar ignorar o interesse público para manter vantagens individuais de segmentos isolados.

No que vai dar tudo isso? Quanto tempo ainda teremos de restrições? São questões ainda imprecisas e imprevisíveis, mas certamente não serão respondidas com fantasias ou meias verdades, temos e vivemos um problema real, universalizado, enfrentemos!

*Cirurgião-dentista, ex-vereador do município de Boa Vista, ex-secretário de Saúde de Boa Vista, ex-secretário de Saúde de Roraima

São e serão os mesmos

Afonso Rodrigues de Oliveira*

“Os políticos são os mesmos em toda parte. Prometem construir uma ponte mesmo onde não há rio.” (Nikita Kruschev)

As miras sobre os políticos vêm de muito longe. E vamos continuar nesse clima. Pelo menos enquanto não nos tornarmos dignos, e produzirmos. E
os políticos são frutos do nosso trabalho como eleitores em busca da cidadania. Eça de Queiroz tem uma frase que define muito bem os políticos atuais. Que não são diferentes dos de antigamente. Faz tempo que tento citar o Eça de Queiroz, mas não me sinto bem, em respeito aos bons políticos que ainda temos. Mesmo sendo em minoria. Mas, mesmo assim, vejamos o que o Eça disse: “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.”

Quem assistiu aos vídeos da reunião do Presidente com os Ministros, sabe o quanto Eça de Queiroz sabia o que dizia. Mas tudo bem, vamos deixar as sujeiras para o lixo e vamos cuidar da limpeza. Porque, queiramos ou não, cada um de nós, independentemente de sua posição social, é um gari da cidadania. Então vamos amadurecer para poder fazer nosso trabalho com precisão. Aí vamos nos lembrar do SwamiVivecananda: “Não se mede o valor de um homem pela tarefa que ele executa e sim pela maneira de ele executá-la.” Vamos assumir a responsabilidade que temos, para melhorar nossa política. E nunca o faremos enquanto não formos um povo verdadeiramente educado. Então vamos nos educar.

Precisamos nos respeitar como cidadãos. Mas primeiro precisamos ser cidadãos. E nunca o seremos enquanto não soubermos quais os caminhos e os direitos da cidadania. Ainda não temos o direito de escolher nossos candidatos. Ainda somos obrigados a votar em candidatos escolhidos por partidos que não têm cidadania na escolha. Mostram-nos, apresentam-nos, e nos obrigam a votar em candidatos escolhidos por eles, sem a menor qualificação para o cargo que irão ocupar e, infelizmente, nosso analfabetismo político nos obriga a votar. E obrigados, não temos escolha. E continuaremos votando em candidatos que devem ser mudados frequentemente. Mas o pior é que as mudanças não mudam nada. Estamos sempre trocando seis por meia dúzia.

Vamos esfriar as cabeças. Falo com os que estão realmente preocupados com os desmandos que nos obrigam a fazer; votando em candidatos despreparados, escolhidos por partidos que não são mais do que arapucas. Vamos fazer nossa parte procurando nos educarmos politicamente, mas sem intenção de viver da política. Porque é isso que a maioria dos políticos faz. Não estão vivendo a política, mas da política. O que os leva à banca rota na administração. Pense nisso.

*Articulista

Email: [email protected]

95-99121-1460