Opinião

Opiniao 15571

Fragilidade das políticas culturais em Roraima é resultado da crise de representação

  

Éder Santos

Jefferson Dias (Mestre Biriba)

Evandro Pereira

O Sistema Nacional de Cultura (SNC) é o SUS da cultura brasileira. Entre os anos de 2003 a 2016 ocorreu o que podemos denominar de a “primavera da cultura” com a construção de políticas nacionais que valorizaram os trabalhadores e trabalhadoras da cultura. A partir da elaboração do Plano Nacional de Cultura, instituído na gestão do Ministro Gilberto Gil, em 2005 e a realização das Conferências Nacionais de Cultura, promovidas pelo Governo Lula, com a participação dos delegados dos estados da federação em Brasília (DF), a qualidade dos programas e projetos para a cultura brasileira ganharam novo status.

A crise atual das políticas culturais inicia com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, pois em maio o presidente em exercício, Michel Temer, extingue, por decreto, o Ministério da Cultura. Porém, sob fortes pressões populares, Temer muda de plano e retoma o Ministério, poucos dias depois. Em 2019, no governo Bolsonaro, a pasta é definitivamente extinta. O presidente Bolsonaro com sua equipe de ministros e aliados políticos (de feição protofascista, autoritária e violenta) projetam o desprezo pela cultura e a diversidade do povo brasileiro. A pasta da cultura é jogada para debaixo do tapete do Ministério do Turismo. Nomeia-se secretários de cultura sem o mínimo de saber popular. Nomeia-se em outras instâncias, como a importante Fundação Palmares, pessoas que abertamente demostram o racismo estrutural presente na formação das elites econômicas brasileiras.         

Com as mudanças no poder central nas últimas eleições de 2022, o Brasil volta a sonhar com a valorização da cultura. O presidente Lula em seu programa de recuperação da institucionalidade e da dimensão inclusiva, recria, dentre outras pastas importantes, o Ministério da Cultura. Discute-se a retomada dos investimentos na cultura e os programas que vão afetar positivamente milhões de trabalhadores e trabalhadoras da cultura, recuperando os princípios do SNC e da participação popular nas decisões. Os estados mais conservadores começam a sentir os impactos destas políticas de inclusão. Roraima não é diferente. Nosso estado vive uma sombra de neocolonialismo e a desafortunada “síndrome de europeu”, venerada por certos grupos sociais.   

Roraima é um estado situado na tríplice fronteira norte amazônica com uma beleza cultural singular, notadamente percebida na presença de migrantes nordestinos, venezuelanos, haitianos, guianenses, cubanos, populações tradicionais, indígenas, LGBTQIAP+ e quilombolas, que tem a capacidade de produzir cultura como nunca vista no Brasil. Só quem não percebeu isso foram os governos locais, controlados pelas oligarquias econômicas e autoritárias, que historicamente colecionam governos biônicos e empresários financiadores de garimpo ilegal e de campanhas eleitorais para estes mesmos grupos que revezam-se no poder.

Torna-se fundamental a formação de novos quadros políticos com pessoas atentas e críticas a este formato de governança opressora que reina em quase todas as instâncias de poder local. Foi por meio da organização civil, representada no Comitê Pró-cultura Roraima, movimento popular que reúne 92 entidades culturais, que os candidatos ao Governo do Estado receberam, em 2022, a carta com as “Diretrizes e Propostas para Valorização e Promoção das Artes e da Cultura no Estado de Roraima”, sob o lema “Cidadania, Economia e Pertencimento: Por uma Política de Qualidade na Cultura de Roraima”. As propostas foram escritas com a participação das associações culturais, que durante três meses de trabalho convocaram seus membros para esse processo. Na prática, o que se percebe, é que o Governo estadual e a Secretaria Estadual de Cultura e Turismo (SECULT/RR), ignoraram as propostas e, possivelmente, impedem o desenvolvimento político cultural em Roraima. Mas a luta dos movimentos populares não pode parar.

A par disso, um pedido (carta aberta nº. 04/2022) do Comitê Pró-Cultura Roraima foi enviado ao Conselho Estadual de Cultura (CEC-RR), no dia 17 de março de 2022, solicitando audiência para propor a discussão de temas relevantes para a cultura, dentre eles: esclarecimentos sobre alterações do novo Regimento Interno do CEC-RR; solicitação de cópias físicas e virtuais do referido documento; posição do CEC-RR frente à transferência do Departamento de Turismo (DETUR) e do Museu para a estrutura da SECULT; reforço institucional para a ideia de criação de comitês especiais para elaboração dos editais das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc junto à SECULT/RR, assim como de orçamento interno com  sua devida execução.

Os movimentos culturais organizados no Comitê receberam a mesma atenção que o Governo deu a carta com as diretrizes – ou seja: nenhuma. Até houve audiência, mas sob forte controle de tempo e informações e sem encaminhamentos práticos. Tais ações citadas e discutidas durante a audiência são de competência desta instância de representação da classe cultural. O que tem marcado tais gestões é um silêncio ensurdecedor frente às questões sérias e estruturais da cultura, prática recorrente em um estado com pouco participação popular nas decisões.

Por outro lado, o SNC prevê políticas para a promoção de três dimensões da cultura: 1) econômica, 2) simbólica e 3) cidadã. Vale ressaltar que a “dimensão simbólica” em Roraima, possivelmente, seja central para a virada na forma de fazer política cultural e construir cidadania. Vejamos alguns exemplos: em 30 anos de criação do CEC-RR (1993), ainda não existe uma cadeira específica para a cultura indígena, uma vez que Roraima é, demograficamente, o estado mais indígena do Brasil. De outro modo, também, não existe uma cadeira para a cultura afro-brasileira, cenário este, existente em todos os estados brasileiros. Outra curiosidade está no prédio do Palácio da Cultura em Roraima que foi batizado de ‘Nenê Macaggi’, alusão à “grande dama de Roraima nas Letras”, cuja obra reconhecida como inaugural na literatura em Roraima [isso apenas para algumas famílias ditas tradicionais] é seu livro intitulado “A Mulher do Garimpo”.

Como dito em outros artigos [citados abaixo], a escritora paranaense, subserviente ao poder à época, narra em sua obra de ficção que os afro-indígenas são: “sujos, feios, baixos, grossos, preguiçosos, fedorentos, que trocam facilmente suas famílias por espingardas ou por um saco de sal, que vendem crianças, que não tem responsabilidade, não tem noção de dignidade, de honra, de amor fraternal, filial ou paternal [ver págs. 147-160, edição de 2012]. Um alerta para as novas gerações indígenas e não-indígenas que imaginam que o racismo acabou no país. O argumento da dita ‘obra inaugural da literatura roraimense’ é proveniente do pensamento colonial e escravocrata que reinou absoluto no Brasil, um país de práticas necropolíticas”. Se no estado de São Paulo, o governo de Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, altera em 2023 o nome da linha 2 do Metrô, antes chamada de Paulo Freire, para homenagear o bandeirante e assassino, Fernão Dias, aqui temos a veneração à Nenê Macaggi, a nossa “Borba Gato” de saias. Símbolos de uma violência presente.

É imperioso nesse momento em nosso estado, conhecermos efetivamente o caldeirão cultural que permeia a nossa sociedade. A Constituição Federal do Brasil em seu artigo 216, diz, que constituem o patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto e que portam a referência e a identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores do nosso povo. São formas de expressão, modos de fazer, criar, viver, obras, objetos, documentos, conjuntos urbanos, sítios arqueológicos entre outros. Ressalta ainda, em seu parágrafo 1°, que o Poder Público, com a “colaboração da comunidade” promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro.

Roraima, foi elevado à condição de estado da federação em 1988, no percurso até os dias atuais, o estado não conhece efetivamente a sua cultura. O que há, são pinceladas sem tinta em um quadro cultural inexistente, invisível aos olhos dos governantes que pelo poder já passaram. Chegou o momento, da sociedade civil organizada de todos os segmentos assumirem a sua parte na colaboração para a construção de uma política cultural em nosso estado, não uma nova política, pois subtende-se que já existe uma, quando na verdade, os fazedores de cultura ainda são vistos pelos dominadores como meros “bobo da corte”.  Se somos protagonistas nos palcos, devemos assumir os palanques, as mesas de reuniões, quebrando grilhões de todo o tipo. É preciso dialogar de frente com o estado, intermediando uma construção política harmônica com diretrizes que sejam capazes de garantir diretos culturais homogêneos para todos. É preciso refletir sobre: O que eu [fazedor de cultura] ganho atualmente com isso? O que estado ganha? E o que a sociedade roraimense ganha?

Esse é um Brasil que precisa ser superado com políticas sérias. Isso se faz com novas representações nas instâncias de poder, com participação popular e com o contraditório – Eis a democracia. O que os fazedores e fazedoras de cultura querem é trabalho e respeito. A dignidade e visibilidade de nossa arte devem estar na ordem do dia das políticas culturais. Eis a nossa luta!

Sobre a obra “Mulher do Garimpo”, de Nenê Macaggi ver:

https://racismoambiental.net.br/2021/08/29/a-borba-gata-de-roraima-e-o-marco-temporal-por-jose-ribamar-bessa-freire/ 

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1638-jurupari-exu-e-o-dr-edilson-no-carnaval

Éder Santos é jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia Humana pela UNIR, editor de publicações da UFRR, presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (GEP Cultura/UNIR), da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP) e membro do Comitê Pró-Cultura Roraima. E-mail: [email protected].

Jeferson Dias – (Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito. Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR). Contramestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba. Membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e Membro do Comitê Pró-Cultura Roraima. Foi Presidente da Federação Roraimense de Capoeira (2019 à 2022). Foi professor de Direito Penal, Ética, Bioética e Legislação Trabalhista na instituição Ser Educacional.

Evandro Pereira é sociólogo, mestrando em Antropologia pela UFRR, indígena da etnia Wapichana, ex-coordenador da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores indígenas de Roraima, membro do Comitê Pró-cultura de Roraima, representante das associações culturais indígenas do contexto urbano da cidade de Boa Vista-RR e membro da Rede Nacional de Articulação dos Indígenas em Contextos Urbanos e Migrantes – RENIU/São Paulo.

Sempre paramos no tempo

Afonso Rodrigues de Oliveira

“O tempo não para. Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo”. (Confúcio)

E é muito gostoso viajar no tempo, embarcado nos pensamentos bons, e com lembranças agradáveis. Quem de nós não ficou um tempinho pensando em algum momento agradável de sua infância? E isso independe da nossa idade. Há um número enorme de pensamentos escritos por grandes pensadores, sobre a saudade. De todos os pensamentos que conheço, sorrio sempre com o do Bob Marley: “Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos”. Já vi pessoas lacrimejando, lembrando-se de bons momentos de sua infância. Aposto que você também já viu.

Senti saudade, ontem pela manhã, com o barulhinho da chuva lá fora. Um dia gostoso, mas difícil de se sair para visitar, ou simplesmente rever pessoas que moram do lado esquerdo do meu peito pequeno. Pequeno, mas que acomoda grandes figuras que me fazem feliz. Adoraria cumprimentar, pessoalmente, entre outros tantos: o Plínio Vicente; o Jorge Macedo; a Samara Diniz; Elena Fioretti, e tantos amigos dos quais me afastei, mas levando a saudade comigo.

Durante o tempo que passei na Ilha Comprida, no litoral paulista, recebi muitas visitas agradáveis que me fortaleceram nas amizades. De volta a Boa Vista, senti como aumentou o número de amizades que alimentam a saudade. Porque agora estou sentindo saudade dos amigos que deixei por lá. E por isso valorizo tanto o sentimento de afeto, que só é construído com amor, carinho e muito respeito. Construa sempre um grupo de amigos dos quais você possa sentir saudade, quando distante.

A distância não separa. Ainda sinto saudade de pessoas que me fizerem feliz na minha infância. E, olha que minha infância está muito distante, no tempo que passou, mas ficou como um instrumento do amor. O ex-governador de São Paulo, Laudo Natel, tem um pensamento simples, mas edificante e que mantém a felicidade bem perto de nós: “Saudade é a presença da ausência”. Quando sentimos saudade sentimos a presença do passado. Então procure construir sempre amizades que façam sentir saudade na separação física. Porque é assim que somos felizes.

Viva seu dia, hoje, mirando sempre no agradável, mesmo que o desagradável esteja tentando perturbar seus sentimentos. “Ninguém, além de você mesmo, tem o poder de fazer você se sentir feliz ou infeliz, se você não estiver a fim”. E não confunda isso com sentimentalismo. É apenas uma procura da vereda que nos leve à felicidade, independentemente dos trancos que possam querer atrapalhar. Você tem todo o poder de que necessita para ser feliz. Vá em frente. Pense nisso.

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