Você sabia que é possível registrar mais de um pai ou de uma mãe no registro civil? Entenda o que é a Multiparentalidade socioafetiva
Por Clarissa Vencato
A parentalidade socioafetiva é a realidade de inúmeras famílias e caracteriza-se quando alguém, com ou sem vínculo de parentesco (que já não seja de filiação), exerce o papel de pai ou mãe da criança, que passa a ser parte em sua formação familiar, psicológica, ética e social, prestando-lhe assistência material, educacional e afetiva. É o caso do “pai e mãe de criação/do coração” que exercem a paternidade ou maternidade da criança.
A chamada socioafetividade é a formação de laços familiares com base no afeto entre os indivíduos, vínculo esse que goza de reconhecimento e proteção legais, conforme se verá adiante.
No entanto, muitas pessoas que exercem a parentalidade socioafetiva não sabem que é possível requerer o reconhecimento jurídico de sua condição de pai e mãe na certidão de nascimento da criança.
Assim, a multiparentalidade socioafetiva se configura quando a criança, mesmo que possua registro em nome dos pais biológicos e viva sob os cuidados destes, também reconhece como pai ou mãe outras pessoas que exercem o dever de cuidado, sustento e assistência material e afetiva, formando uma grande e complexa entidade familiar.
Parentalidade socioafetiva e adoção são a mesma coisa?
Não! Apesar de aparentemente idênticos, por serem ambos irrevogáveis, existem muitas diferenças entre ambos os institutos.
Na adoção, parte-se da premissa de que adotante e adotado não se conhecem ainda e ainda precisam formar laços de afeto e convivência, dependendo da formação prévia do vínculo afetivo e adaptação entre adotante e adotado (estágio de convivência) para que seja deferida. Já no caso da parentalidade socioafetiva, o vínculo de afeto já existe, podendo ser reconhecido em cartório (em alguns casos) ou judicialmente, ao passo que a adoção somente é reconhecida judicialmente.
Outra diferença consiste no fato de que, na parentalidade socioafetiva, é comum haver mais de um pai ou mais de uma mãe no registro civil da criança, ao passo que, na adoção, a legislação somente permite sua realização por no máximo duas pessoas, que sejam casadas ou que convivam em união estável.
A adoção permite não apenas a mudança do sobrenome, incluindo os sobrenomes dos adotantes e extinguindo o vínculo e registro dos pais biológicos, como também permite a mudança do prenome da criança. Já na parentalidade socioafetiva, não é possível alterar o prenome, mas somente o sobrenome, onde a inclusão do sobrenome do pai/mãe socioafetivo não interfere na permanência dos pais biológicos no registro, a menos que haja pedido expresso nesse sentido.
A parentalidade socioafetiva pode ser exercida por parentes ou apenas por pessoas sem vínculo sanguíneo?
A parentalidade socioafetiva pode ser exercida por qualquer pessoa, com ou sem vínculo sanguíneo, que forme vinculo afetivo com a criança a ponto de por ela ser reconhecido(a) como pai ou mãe. É o caso da tia/tio, avô/avó, padrinho/madrinha, madrasta/padrasto, dentre outros.
Os tribunais brasileiros constantemente apreciam pedidos envolvendo guarda, pensão alimentícia e reconhecimento de parentalidade socioafetiva tendo como requerentes outros parentes da criança que com ela formaram laços de afeto paternais / maternais.
Quais os direitos e deveres que surgem com a efetivação do registro da Parentalidade socioafetiva?
Com o registro da parentalidade socioafetiva, obtido em sentença judicial ou realizado em cartório de registro civil, forma-se o vínculo jurídico de filiação, surgindo com ele todos os direitos sucessórios, patrimoniais, alimentares, previdenciários, dentre outros, além do dever de mútua assistência, isto é, dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais.
Também é possível a alteração do nome daquele que teve incluído em seu registro o nome de pai/mãe socioafetivos,para fazer constar o sobrenome destes.
O reconhecimento da paternidade / maternidade socioafetivos é irrevogável, portanto, não pode ser desfeito por “arrependimento”.
O registro do “pai de criação” ou da “mãe de criação” implica a retirada do registro em nome dos pais biológicos?
Não! Isto ocorre apenas na adoção. Na parentalidade socioafetiva, há apenas a inclusão do pai/ mãe afetivos no registro da pessoa, sem prejudicar a permanência do registro em nome dos pais biológicos. Somente se o pedido de reconhecimento de parentalidade socioafetiva vier acompanhado expressamente de pedido de exclusão de registro em nome dos pais biológicos é que isto acontecerá.
É possível o registro da parentalidade socioafetiva após o falecimento do pai/mãe socioafetivos?
Sim! No entanto, o chamado reconhecimento de parentalidade socioafetiva post mortem somente pode ser declarado judicialmente.
É possível o regisro do pai ou mãe socioafetivos diretamente em cartório (extrajudicialmente), sem ação judicial?
Sim! O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio do Provimento 83/2019, regulamenta o reconhecimento da Parentalidade socioafetiva em cartório nos casos de maiores de 12 anos, onde o registrador deverá atestar a efetiva existência dos laços afetivos por meio de todos os meios de prova admitidos em direito.
Em todos os casos onde o filho for maior de 12 anos e menor de 18 anos, será obrigatória a manifestação de seu consentimento, bem como será obrigatória a oitiva do Ministério Público.
No caso dos menores de 12 anos, o reconhecimento somente pode ser feito judicialmente, não sendo permitido que seja feito em cartório.
Por fim, o procedimento feito em cartório (extrajudicial) somente permite a inclusão de um único ascendente socioafetivo como pai ou mãe. A inclusão de mais de um ascendente do lado paterno ou materno (ex: incluir simultaneamente dois pais ou duas mães) somente pode ser feito judicialmente.