Opinião

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A experiência de um ponto de vista sinestésico

João Paulo M. Araujo

No episódio um da primeira temporada de True Detective (2014) há uma emblemática cena na qual a personagem Rust Cohle (Matthew McConaughey) descreve para o seu parceiro Martin Hart (Woody Harrelson) seu sentimento trágico da existência. Em seguida, depois de Marty implorar para ele calar a boca, Rust descreve sua experiência subjetiva de uma maneira bastante incomum. Viajando com seu parceiro por uma rodovia no estado do Louisiana, contemplando a sombria paisagem, Rust faz a seguinte declaração “Sinto um gosto ruim na boca quando estou aqui. Alumínio, cinzas… É como se sentisse o cheiro do ambiente psicótico”. Essas sensações, quando ocorrem, nunca são processadas e selecionadas de forma isolada através de um dos cinco sentidos, pelo contrário, se apresentam como uma anomalia da experiência onde um sentido mescla-se a outro gerando uma idiossincrasia sensorial.

Para muito além da ficção, a literatura médica tem um nome para esse tipo de anomalia sensorial: sinestesia. A palavra vem da junção de dois vocábulos gregos ‘syn’ (união) + ‘aesthesis’ (sensação), portanto, uma tradução para sinestesia seria ‘sensação conjunta’. Assim, o termo se refere a uma rara capacidade que algumas pessoas possuem para ouvir cores, saborear formas, ver gostos, além de muitas outras fusões sensoriais igualmente estranhas. Os casos de sinestesia desafiam a nossa noção de experiência sensorial. Para uma pessoa “comum”, tais qualidades sensoriais seriam muito difíceis de conceber do ponto de vista da experiência. As pessoas que possuem essas capacidades, são chamadas de sinestetas. Uma experiência visual do vermelho para um cérebro sinestésico poderia vir unificada com um cheiro do vermelho. Alguém ouvindo uma música, essa experiência seria acompanhada pelo “gosto” de terra na boca ou percepções visuais de “fractais”. Posso ler a palavra “árvore” e provar frutas cítricas. Pensar em números e letras que sempre carregam uma cor em particular, etc. Não há regras determinadas para a manifestação da sinestesia em pessoas.  

Vale ressaltar que a sinestesia não é uma doença, tampouco um distúrbio. Uma pessoa que possui um cérebro sinestésico não prejudicará sua saúde a longo prazo, não significa que sua saúde mental está prejudicada de alguma forma. É uma condição que passa tão despercebida que as vezes a pessoa nem sabe que tem sinestesia, pois sempre considerou natural sua experiência a partir dessa perspectiva e, por associação, na maioria dos casos, considera que as outras pessoas também experimentam as coisas da mesma forma que ela. Do ponto de vista da cognição, alguns estudos sugerem que as pessoas que têm sinestesia podem se sair melhor em testes de memória e inteligência do que aquelas que não têm. Em um dos estudos (2001) da APA (American Psychological Association), considerou-se que uma a cada 2.000 pessoas possuem sinestesia em algum grau. A literatura cientifica mais robusta sobre o assunto é relativamente recente. Na década de setenta o psicólogo e professor de Yale, Larry Marks (1975) publicou uma revisão da história inicial da pesquisa em sinestesia no periódico Psychological Bulletin (Vol. 82, no. 3), até então, com um hiato de trinta anos antes do estudo de Marks, nada de significativo tinha sido publicado sobre o assunto.

Na década seguinte, o neurologista Richard Cytowic publicou vários trabalhos que a partir de relatos de casos ajudaram a elevar o interesse científico pelos estudos no campo da sinestesia. Com a escrita do best seller “The Man Who Tasted Shapes” (1993), Cytowic popularizou o termo para além da literatura médica. Durante essa fase inicial de pesquisa, Cytowic associou o sistema límbico (que, grosso modo, podemos caracterizar aqui como uma das partes mais primitiva de nosso cérebro, sede das emoções etc.) com a causa da condição dos quadros de sinestesia, já na época sua tese não recebeu muito apoio da comunidade cientifica, e dado os massivos estudos que já dispomos no campo, o próprio Cytowic (2018) já reconsiderou sua posição ampliando o leque de causas para a sinestesia, sobretudo no campo de formas adquiridas a partir de danos causados ao cérebro.

De acordo com Grossenbacher e Lovelacer (2001), existem três modalidades principais, a saber: (1) genuína, (2) adquirida e (3) induzida por uso de drogas. A forma mais comum e estudada é a sinestesia genuína ou de desenvolvimento. Trata-se da forma que basicamente descreverei ao longo do texto, na qual segundo Tilot et al. (2018) “é uma forma da condição que persiste desde o nascimento ou na primeira infância e que permanece relativamente estável e sistemática ao longo do tempo”. Todavia, no que concerne às outras formas, apesar da distinção de Grossenbacher e Lovelacer que vimos acima, podemos agregar a forma de indução de sinestesia por uso de drogas como sendo em alguns casos, um tipo de forma adquiria. Segundo Cytowic (2018), “drogas psicoativas, estados de privação sensorial, estados de foco meditativo, epilepsia do lobo temporal, traumatismo craniano e outros tipos de danos cerebrais podem induzir uma série de sinestesias adquiridas”.

A experiência de sinestesia em um indivíduo não é algo que pode ser controlada, é algo de ordem involuntária. O sujeito é assaltado de imediato pela anomalia sensorial de modo que se torna inevitável não passar pela experiência, em outras palavras, não podemos escolher entre uma experiência sinestésica e outra que não tenha sinestesia. Ela simplesmente acontece. Possui um caráter introspectivo e, portanto, subjetivo no que concerne a qualidade dos estados mentais conscientes. No campo fenomênico dos estados mentais, por exemplo, as cores que acompanham o pensamento de números e letras são intrínsecas à consciência do indivíduo, todavia, existem relatos em que alguns sinestetas veem cores no mundo externo, isto é, fora dos limites de sua introspecção.  

Outra característica é que a experiência de um indivíduo que tem sinestesia tende a permanecer a mesma ao longo de sua existência. Se uma pessoa vê o número “7” na cor verde hoje, ele provavelmente verá o sete sempre na mesma cor não importando o tempo decorrido. Durante a infância, que é quando muitas vezes se manifesta a sinestesia, as associações de letras/números a cores podem ser aleatórias no início e tornam-se mais fixas à medida que a criança cresce. Isso tem sérias implicações no campo da aprendizagem, pois, indica que o sinesteta tem um recurso que pode lhe ser útil na hora de categorizar coisas. Imaginem o caso de uma pessoa que vê os dias da semana de uma determinada cor. Prima facie, isso pode parecer irrisório, mas revela um recurso extra que o sinesteta dispõe para fixar uma informação. Em um estudo chamado “Synesthesia and learning: a critical review and novel theory” de Marcus Watson et al. (2014), considerou-se que a sinestesia pode ser valiosa na aprendizagem, pois “sinestetas parecem ser capazes de usar suas experiências incomuns como dispositivos mnemônicos e podem até explorá-los enquanto novas categorias abstratas”. Em outro estudo foi pedido para que pessoas com sinestesia olhassem para 100 palavras e dissessem a cor que viram para cada uma delas. Cerca de um ano depois, os pesquisadores deram aos participantes o mesmo teste sem que eles soubessem. Os sinestetas acertaram mais de 90% daquele mesmo teste. Por outro lado, em um experimento com pessoas sem sinestesia cujo o intervalo de um teste para o outro foram apenas de duas semanas após o primeiro teste, os acertos corresponderam a apenas 20% das palavras.

< p style="text-align:justify">Apesar de atualmente existir bastante literatura sobre a sinestesia, a comunidade científica ainda não tem nada de conclusivo acerca de suas reais causas. Do ponto de vista do cérebro, afirma-se que pessoas com sinestesia possuem conexões nervosas que operam por caminhos diferentes de pessoas sem sinestesia. Quando se observa o cérebro de sinestetas que dizem ouvir cores, percebe-se que eles apresentam uma resposta cerebral maior quando ouvem um som. As neuroimagens também indicam que os sinestetas têm mais conexões entre as partes do encéfalo que controlam os seus sentidos. Do ponto de vista genético, a sinestesia parece ser passada de pais para filhos, dado que é sempre comum encontrar casos de hereditariedade (Baron-Cohen et al., 1996). Outra curiosidade é que a sinestesia se manifesta muito mais em pessoas canhotas do que em pessoas destras. No que diz respeito ao gênero, houve um período que associavam a maior ocorrência de casos de sinestesia em mulheres, mas depois percebeu-se que isso não correspondia, o que acontecia era que as mulheres estavam mais dispostas a falar sobre suas experiências do que os homens. A sinestesia também está muito ligada ao mundo das artes, é comum ver um grande número de sinestetas envolvidos com atividades no campo da música, da pintura e até mesmo da escrita.

É possível categorizar a sinestesia? Grosso modo, há três grandes grupos de ocorrência de experiências sinestésicas. O primeiro é a combinação de letras ou números com cores específicas, esse tipo é conhecido pelo termo “grafema-cor”. O segundo tipo é o “som-cor”, a combinação sensorial que faz com que você ouça sons acompanhados de formas de cores diferentes. Por fim, a combinação “léxico-gustativa” em que determinadas palavras (ou até mesmo sons e imagens) evocam gostos diferentes. Dada as combinações acima, podemos extrair mais de 30 subgrupos diferentes de experiências sinestésicas. Tudo depende das conexões de cada indivíduo, que por sua vez, torna única a condição de cada sinesteta.  

Do ponto de vista filosófico, a sinestesia é um terreno que pode suscitar muitas questões no campo da linguagem, da mente/consciência e percepção. No que concerne a linguagem, o problema consiste em entender como nosso vocabulário de sensações de um ponto de vista normativo da língua se adequaria a descrições de sensações conjuntas de casos de sinestesia. Acerca da mente/consciência, o desafio repousa sobre a discussão dos correlatos cerebrais da experiência consciente do sinesteta, levando também em consideração a questão dos qualia em filosofia da mente. Já nas discussões perceptuais, a questão seria traçar uma linha demarcatória entre aquilo que os filósofos chamam de experiências perceptuais verídicas e não verídicas. Com base no texto Colour Synaesthesia and its Philosophical Implications de Berit Brogaard (2021), podemos formular a seguinte pergunta: Como uma experiência de um objeto verídico (ver uma paisagem) causa uma experiência não verídica (de uma imagem ou pensamento) de outra coisa no mesmo fluxo sensorial? São essas formas incomuns de ver o mundo que interessam ao pensamento filosófico, uma vez que elas escapam de qualquer pretensão de universalizar e uniformizar a experiência humana.

Até agora não há nenhum teste específico para detectar e determinar se alguém possui algum grau de sinestesia. Entretanto, existem algumas ferramentas online que podem ajudar as pessoas nessa busca. Para as formas mais comuns de sinestesia genuína ou de desenvolvimento existe o site www.synesthete.org do neurocientista David Eagleman et al., que através de uma bateria de testes, permite com um certo rigor e rigidez investigar traços de sinestesia nos indivíduos, sobretudo no que concerne a sua estabilidade e sistematicidade ao longo do tempo. E você, já cogitou a possibilidade de ter algum grau de sinestesia?

João Paulo M. Araujo é professor do curso de filosofia da UERR

Informação, Desinformação e Democracia

José Aristimuno

O discurso do presidente Obama na Stanford University em abril, praticamente simultaneamente com a compra do Twitter por Elon Musk, convida à reflexão sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação a favor ou contra o modo de vida americano e a democracia em geral.

As palavras de Barack Obama deixam um registro claro de sua preocupação com a magnitude do poder de influência representado pelas redes sociais e a ameaça do uso distorcido da informação sem qualquer tipo de restrição.

Compartilho a preocupação de Obama sobre a necessidade de um equilíbrio de poderes para proteger a democracia. O Estado e as empresas privadas devem ter poder de ação suficiente mas não tanto que tenham nas mãos os direitos fundamentais dos cidadãos.

A separação, os freios e contrapesos desses poderes são necessários para que nenhum deles público ou privado, imponha seu domínio sobre os demais. Se permitirmos que essa forma de dominação ocorra, o espírito e a razão de ser de nossa constituição perderiam seu papel fundamental na regulação dos poderes e proteção do povo americano.

A influência que as redes sociais em geral, e o Twitter em particular, têm mostrado na formação de opinião por meio da disseminação de notícias falsas, propaganda e desinformação é motivo de reflexão. A coleta de dados pessoais e contas automatizadas (Bots) têm sido ferramentas para a disseminação e distorção indiscriminada de conteúdos criados pelos usuários e evidenciam os riscos de um poder de manipulação social sustentado pelas tecnologias da informação além de todos os limites.

Essa situação tem um precedente nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos quando as redes foram a ferramenta para disseminar a desinformação e desmobilizar o voto democrata em municípios-chave.

O caso da recente compra do Twitter por Musk, que se considera ter o toque de Midas, tem potencial para fazer desta plataforma (preferida por um grande número de jornalistas e figuras públicas) a maior rede de notícias do mundo e com maior influência no mercado, governos e campanhas eleitorais.

Além de introduzir mudanças no sentido da monetização e uma maior presença de conteúdos visuais que focam na captação de um grupo geracional mais jovem, dos 18 aos 25 anos, propõe-se, pelo menos como declaração de intenções, a verificação de que os relatos pertencem a humanos (e a consequente eliminação de Bots), o uso de algoritmos de código aberto e a implementação de regras contra a disseminação de notícias falsas e incitação ao ódio.

De certa forma, a posição de Musk é compatível com a preocupação que Obama vem levantando e de forma alguma ameaça a liberdade de expressão, um direito praticamente sagrado do povo americano. Somos a favor da expressão de opinião, mas não da deturpação da informação para desinformar e manipular a sociedade.

No entanto, não sabemos a profundidade dessa compatibilidade das posições Obama-Musk, pois o potencial do Twitter não deve ser perdido de vista. Há uma linha muito tênue entre o controle de informações consideradas falsas e a censura. Os debates são saudáveis ​​e ter o poder de controlar a opinião pública sobre questões de Economia, Governo ou Relações Inte
rnacionais a partir de uma plataforma ainda é perigoso para nosso conceito de democracia.

Cuide do jardim

Afonso Rodrigues de Oliveira

“O segredo não é correr atrás das borboletas; é cuidar do jardim para que elas venham até você”. (Mário Quintana)

De nada adianta sair por aí correndo atrás da felicidade. As borboletas podem trazê-la se você mantiver o jardim bem cuidado. E o jardim pode estar na sua mente. Na maneira de você viver sua vida. Os momentos simples podem lhe trazer felicidade e alegria, de acordo com maneira de ver, ouvir e falar. Simples pra dedéu. O dia pode ser feliz para uns e péssimo para outros. O que significa que não depende do dia, mas da maneira como o vemos e vivemos.

Não sou um cara festivo. Ou mais precisamente, não externo muito, minha alegria, apenas vivo-a dentro de mim, espalhando-a com meu sorriso. Desde que você não se impressione com a feiura do meu sorrir. Afinal, esta cara não fui eu quem a fez, ela nasceu comigo. Mas vamos falar sério. Ontem foi o Dia das Mães. E meus filhos levaram a dona Salete para um café da manhã, num ambiente muito agradável. E como não podia ser diferente, levaram-me com ela. Foi muito agradável e gratificante.

Enquanto esperávamos à mesa, o café acompanhado de coisas gostosas, fiquei dando uma caminhada pela calçada, e olhando a rua renovada. Senti saudade dos dias que vivi naquele ambiente, logo que chegamos a Boa Vista, há quarenta anos. Tudo está diferente do que era naquela época. Enquanto os filhos conversavam, meus pensamentos passeavam, observando as casas e prédios novos, totalmente diferentes dos daqueles tempos.

O Magno olhou para mim, sorriu e nos lembrou do episódio ocorrido na época; um vizinho me alertou que o Rômulo, com apenas cinto ou seis aninhos de idade, estava atrapalhando o trânsito, pedalando um velocípede, bem no meio do asfalto. Isso ocorreu no ano de mil novecentos e muito mais. São momentos que ficam arquivados em nossos sentimentos. Não importa quantos anos eles permaneçam ali, o que importa é que um dia eles vêm à tona e nos faz feliz.

Enquanto os membros à mesa falavam, eu pensava. Lembrei-me de falas de pensadores, que cito frequentemente para você. O Laudo Natel disse: “Saudade é a presença da ausência”. Foi o que senti naquele momento, naquele ambiente. Ser feliz é simples. É só você cuidar do jardim da mente, e a borboleta estará sempre presente. Arquive na sua memória os momentos mais simples que lhe trouxerem felicidade, mesmo que elas sejam relâmpagos. O que importa é que elas se alojem e permaneçam enquanto você existir.

Vocês, mamães, de todo o mundo, recebam com carinho, meus parabéns pelo que vocês são para o mundo. Não existiríamos, nem seriamos, se vocês não existissem. Pense nisso.

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