Jessé Souza
A cova 16 04 2015 870
A cova – Jessé Souza* As propagandas televisivas podem decifrar muita coisa do que somos ou do que queremos ser nessa sociedade em que consumir é a chave para o existir, para se sentir ou ser aceito. Um fato presente em todas as propagandas é que elas exaltam a solidão como o ponto de partida. Somos solitários e, somente quando consumimos algo, é que faremos parte de um grupo, de um mundo dos eleitos, do paraíso do consumo que faz uma pessoa existir. Embora as redes sociais tenham nos conectados com o mundo e com várias pessoas de forma instantânea, nos sentimos solitários, no final, com um vazio a ser preenchido. Na internet, interagimos com um “curtir” ou com um simples “bom dia”, debates acalorados, novas “amizades”, expressões de sonhos e realidades. Porém, trata-se de uma realidade fictícia, porque não estamos tocando o outro pelo simples aperto de mão, da conversar olhando nos olhos, do sentir o tom da expressão do outro e dos outros. Quando estamos travestidos de rede social, somos extrovertidos, cheios de ideias e brilhantismo. Mas, quando partimos para o contato direto, surgem o avergonhamento, a retração e a sensação de que não iremos agradar porque não se pode maquiar o “selfie”, enquadrar melhor meu sorriso ou editar a fala ou os defeitos. A propaganda acaba suprindo essa solidão que sentimos por uma realidade que não existe, de fato, a não ser na TV, nas redes sociais ou nas conversas secas ou cheias de carinhas, bonequinhos e símbolos do WhatsApp. O carro do ano da propaganda pode ser a nossa armadura para ser aquilo que não somos ou queremos ser: atraentes, poderosos, decididos, influentes e aceitos por usar uma tecnologia compreendida no mundo todo como símbolo de poder. A propaganda de cerveja nos remete (falo dos homens) a acreditar que teremos aquela mulher perfeita que só conhecemos nas fotos das redes sociais ou, ao menos, poderemos ter a possibilidade de olhá-las bem de perto no barzinho popular da cidade ou numa festa qualquer. E passamos a consumir aquilo que parece nos dar existência e sentido de vida, que cubra nosso vazio existencial ou afetivo quando não podemos nos afogar nos compartilhamentos, comentários e curtidas das redes sociais. Achamos que nossa solidão será compensada ao nos conectarmos ao comprar aquele pacote de internet infinita, veloz e potente aonde quer que cheguemos. No mundo da conexão, terminamos por cair na solidão mesmo estando no meio da multidão, porque nos entregamos a uma falsa realidade, que existe tão somente nas propagandas feitas pelos donos do mundo, que têm a chave do consumismo, nem que para isso a pessoa tenha que delinquir ou partir para o crime. Neste sentido, ter é mais importante do que ser. Estamos cavando nossa própria cova e nem nos damos conta disso. *Jornalista [email protected]