A execução da mãe Yanomami, o crime organizado e a insegurança pública
Jessé Souza*
A execução de uma mãe indígena Yanonami com dois tiros na cabeça, na sexta-feira passada, que estava acampada de forma precária com uma criança de colo, junto com a família, na calçada da Feira do Produtor, vai muito mais além da questão indígena. Mexe, ainda, com a insegurança que reina naquele setor da cidade, que fica próximo ao viaduto que divide os bairros São Vicente, Pricumã e Mecejana.
Quem frequenta a Feira do Produtor sabe que dificilmente existe uma ronda ostensiva dentro e fora dos muros daquele centro de vendas, que é circundado por vários quiosques e barracas de vendedores informais. Outras mortes semelhantes já ocorreram por lá, sem que houvesse uma intervenção das forças policiais para coibir o tráfico de droga, a vagabundagem e a malandragem naquele setor.
É uma situação semelhante a de outros centros comerciais, inclusive a exemplo do Caxambú, localizado no Centro de Boa Vista, que se conecta com o comércio da Avenida Jaimbe Brasil, onde também já ocorreu uma execução cedo da manhã, na frente de todos. Mas tudo foi logo esquecido e sequer há uma ronda rotineira naquele local, onde os espertalhões agem às claras vendendo celulares sem documentos.
Na Feira do Produtor há uma situação mais sombria, pois aquela região é dominada pelo tráfico de drogas e, por ficar próximo à Rodoviária Internacional de Boa Vista, onde age uma facção criminosa venezuelana. Foi no meio dessa realidade que aquela mãe Yanomami, que mantinha sua criança em situação insalubre e em total vulnerabilidade, foi executada por dois elementos armados que chegaram de bicicleta.
Esse é a forma de agir de membros da facção venezuelana, que já mataram outros venezuelanos a tiros, no bairro 13 de Setembro, em claro sinal de execução por acerto de conta, chegando de bicicleta. Esse bairro também faz parte desse polígono (junto com São Vicente, Pricumã e Mecejana) dominado pela droga e facções criminosas, além de bares onde ocorrem situações permissivas para o mundo do crime.
É de conhecimento público que os Yanomami, que por lá acampam provisoriamente nas calçadas, costumam recorrer às pessoas daquela região pedindo dinheiro ou mesmo cachaça. Isso pode ter incomodado alguém ou mesmo o crime organizado que por lá age dominando o tráfico de drogas.
Significa que o crime manda naquele setor dando ordens e impondo suas próprias leis, revelando a fragilidade da segurança pública roraimense, a qual tem duas realidades: a que está nos institucionais do governo, imagem esta amplamente explorada na campanha eleitoral, e a que se apresenta na realidade das pessoas que moram nessas zonas dominadas pelo crime.
Embora o assassinato da mãe Yanomami possa ter esse contexto, o fato não livra a responsabilidade das autoridades federais, especialmente a Fundação Nacional do Índio (Funai), nem o tratamento preconceituoso de boa parte da sociedade, que defende o garimpo ilegal e culpa os povos indígenas por tudo de ruim que ocorre no que diz respeito aos problemas que travam o desenvolvimento do Estado.
Providências vêm sendo cobradas reiteradas vezes, inclusive pelo Ministério Público Federal, mas a Funai deixou de ser um órgão de defesa e apoio aos povos indígenas, neste atual governo, a ponto de nos últimos quatros anos sequer ter mais aparecido nas comunidades indígenas. E a questão dos Yanomami em vulnerabilidade perambulando pela cidade nunca foi tratada como prioridade.
Com o novo governo que assume em janeiro de 2023, a esperança é que a Funai retome o seu papel e que o Governo Federal reassuma seu compromisso em defesa das minorias. A execução da mãe Yanomami precisa ser o marco entre o descaso governamental nesses últimos anos e a necessidade de uma nova política indigenista a partir daqui.
*Colunista