A fila do ovo e uma nova elite armamentista que favorece o crime organizado
Jessé Souza*
O brasileiro que achou que iria comprar arma de fogo hoje está disputando fila para comprar ovo. Essa é a mensagem de um meme que circula nas redes sociais em que uma foto no supermercado mostra uma fila de pessoas na promoção de cartas de ovos de galinha. Por mais irônica que seja, reflete muito bem a realidade em que o país vive no momento.
Quem está comprando armas hoje legalmente, com autorização do Exército, conforme denunciou a imprensa nacional, são membros da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). E tudo graças às várias portarias do presidente Jair Bolsonaro (PL) que possibilitaram facilidades para a compra de armas de fogo.
No artigo publicado no dia 21 passado, sob o título “Resumo do que se tornou a Amazônia a partir das prioridades do governo”, esta coluna comentou que o governo fez de tudo para facilitar a liberação de armas. Nos últimos três anos, foram publicados 17 decretos, 19 portarias, três instruções normativas, dois projetos de lei e duas resoluções ampliando o acesso a armas e munições sem controle.
Foi a partir dessas fartas benesses armamentistas que colecionadores, atiradores e caçadores (reunidos em clubes de tiros chamados CACs) passaram a ter porte de arma automático. Não demorou para que milicianos e facionados, a exemplo do PCC, aproveitando a brecha na legislação, passaram a se associar a esses CACs que existem em todos os estados brasileiros.
O jornal O Estado de São Paulo revelou que três criminosos presos por ligação com o PCC, acusados de terem arsenais pessoais e até por esquemas de lavagem de dinheiro, compraram armas legalmente. O caso que repercutiu nacionalmente ocorreu em Minas Gerais, onde um faccionado que foi preso com fuzis já havia sido processado 16 vezes por tráfico de drogas e homicídio.
A legislação não apenas facilita a compra no mercado legal, como também alterou o número de armas que um CAC pode comprar. Caso a licença seja de atirador, a pessoa pode comprar 30 armas sem qualquer fiscalização. Se for colecionador, não há limite para comprar armas, desde que sejam comprados cinco armamentos de cada modelo. E assim as milícias e facções estão se armando dentro da lei, com a concessão emitida pelas Forças Armadas.
O negócio passou a ser tão favorável e lucrativo que os colecionadores de armas, atiradores e caçadores deram mais um salto e passaram a se articular para formar uma bancada no Congresso já a partir de 2023, inclusive com anúncio de 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, que é a CAC mais influente no país.
É exatamente aqui que entram os memes. Enquanto uma nova elite armamentista galga o poder no país, com todas as facilidades para comprar armas e benesses políticas, o povo se espreme na fila do ovo e da ossada, e muitos pais e mães de famílias nem consegue mais encher o tanque da gasolina da moto e do carro com o salário no fim de cada mês.
A que ponto o país chegou…
*Colunista