JESSÉ SOUZA

A grande teia que precisa ser desarticulada antes que seja tarde demais

Garimpo não representa apenas rime ambiental, mas também a atuação de diversas outras ilegalidades (Foto: Susan Schulman/Getty Images)

Se havia alguma dúvida sobre a conexão entre o garimpo ilegal e o narcotráfico, agora ela não existe mais com a notícia da prisão de garimpeiros com quase 400 Kg de skunk, na Vila Samaúma, no Município de Mucajaí, onde propriedades rurais abrigam pistas clandestinas nas proximidades da Terra Indígena Yanomami. E não tardará para que seja desmascarada a atividade que ficou conhecida como “agropó” em outra região do Estado.

As seguidas apreensões de drogas em larga escala mostra que as polícias estão agindo e que ainda é possível pensar em frear a sanha dessa nova geografia do crime que começou a ser desenhada a partir do avanço do garimpo ilegal, cujos indícios vão parar na política partidária, conforme outra notícia que impactou no início da semana.

Investigações apontam que o narcotráfico estaria patrocinando ações na política, conforme denúncia feita pelo Ministério Público de Roraima (MPRR) envolvendo um vereador da Capital. Não se pode esquecer que outro vereador de legislatura passado cumpriu boa parte do mandato na cadeia acusado de envolvimento com o crime organizado.

As ações do garimpo ilegal são um cenário perfeito para outras ilegalidades, como tráfico de arma e de pessoas. O ilegal sempre atrai mais ilegalidades, a exemplo do crime organizado migrando para o garimpo na Terra Yanomami, segundo acusam investigações que passaram pelas mãos do MPRR, citando inclusive a conexão com uma facção venezuelana.

Em outra ponta, não pode ser esquecido que as investigações da Polícia Federal apontaram uso de aeronaves alugadas pelo governo para atender a saúde indígena que acabavam dando suporte ao garimpo ilegal e, quiçá, para o narcotráfico. Acidentes aéreos do passado revelavam indícios de que aeronaves realizavam “perna” (voo paralelo) para o garimpo, fazendo com que os aviões ficassem sem combustível, provocando a pane seca.

O esquema é tão rentável e fora de controle por parte das autoridades que profissionais de saúde abandonavam seu posto de trabalho em terra indígena para atuar em atividades paralelas, vendendo não apenas remédios e vacinas para os garimpeiros, mas também montando barracas de vendas nas áreas de garimpo aos arredores das aldeias indígenas.

Outro fato que está sob investigação e que não pode ser esquecido é a ação de milícias armadas, compostas por policiais militares, cujo principal caso que é alvo de operação policial diz respeito à ação do grupo armado que invadiu o hangar numa propriedade privada para resgatar uma aeronave utilizada no garimpo ilegal, que terminou com a morte de um policial militar.

Tudo o que foi relatado nesse artigo está registrado em matérias e artigos de jornal, ao longo dos últimos anos, ou consta nos autos das seguidas investigações feitas pela PF nos últimos anos em que o garimpo ilegal avançou no país, especialmente na Terra Yanomami, com apoio de políticos, que de tudo fizeram para liberar a garimpagem sob a fachada de “garimpo artesanal” ou “garimpo em terras não indígenas”.

Se todo esse esquema não for desarticulado, para que não se torne definitivamente um poder paralelo, conforme tem-se observado na movimentação dos atores das organizações criminosas, teremos um caminho sem volta. Se a política partidária e a polícia forem definitivamente contaminadas, aí teremos consequências severas para toda a sociedade. E isso não pode ocorrer.

*Colunista

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