Jessé Souza

A realidade de duas CPIs e a caixa preta da saude publica em Roraima 12709

A realidade de duas CPIs e a caixa-preta da saúde pública em Roraima   Jessé Souza*

A Comissão Parlamentar de Inquérito  (CPI) da Covid chega ao fim no Senado Federal, depois de cinco meses e meio de intenso trabalho, a qual produziu um relatório de 1.052 páginas que será apresentado aos senadores nesta terça-feira, 19, cuja votação ocorrerá no dia seguinte. 

Mas… e a CPI da Saúde na Assembleia Legislativa do Estado de Roraima? Depois de dois anos e dois meses de atividade (isso mesmo: dois anos!), tornou-se um enredo sem fim, cujo maior feito foi o malabarismo para que os casos visíveis de corrupção na saúde pública roraimense não respingassem sobre o governador Antonio Denarium (PP). 

Quando se compara a realidade da CPI local com a da CPI da Covid, em Brasília, percebe-se que a saúde pública em Roraima continua com sua caixa-preta intacta, apesar do primeiro dos oitos secretários de Saúde do atual governo a deixar a pasta, Ailton Wanderley, ter denunciado que havia uma corrupção sistêmica e organizada na saúde.

Em abril de 2019, ao deixar o cargo, Ailton Wanderley escreveu na sua rede social que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) estava “mergulhada em um pântano de corrupção”. Não se trata de qualquer um. Foi um médico conceituado que conhece bem os meandros da saúde e que assumiu a pasta com a misssão de moralizar o serviço público, como havia prometido o governador Denarium ainda em campanha eleitoral.

Para ser fiel às palavras do ex-secretário, eis a íntegra do trecho da postagem dele: “Enquanto forem permitidas empresas de deputados estaduais, federais e senadores vendendo serviços dentro da secretaria; enquanto forem permitidos uma cooperativa distribuindo plantões a quem não trabalha; enquanto forem permitidas famílias com poder político vendendo serviços dentro da secretaria; enquanto forem permitidos médicos concursados vendendo serviços para a secretaria; enquanto forem permitidos judicializar procedimentos para beneficiar um grupo de pessoas; haverá corrupção no governo”.

Só aí já seria suficiente para promover uma verdadeira varredura na saúde pública, com quebra de sigilos e tudo o mais. Mas não foi o que ocorreu, pois em seu depoimento, na CPI,  entrou mudo e saiu calado. Ao contrário,  o quarto secretário de Saúde deixou o cargo, o  militar Allan Garcês (exonerado em janeiro de 2020 com apenas um mês na pasta)  ameaçou revelar fatos bombásticos para a CPI. 

Alegando que corria riscos, Allan Garcês pediu para ser ouvido em Brasília, sob garantia de segurança. Misteriosamente, recuou em seu depoimento, sem que tivesse seus sigilos quebrados imediatamente, uma vez que tudo era muito suspeito. Mas nem por isso deixou de dar declarações preocupantes que sequer foram levadas em consideração pela CPI.

Garcês relatou um encontro, em Brasília, com um irmão do governador Denarium, numa cafeteria, onde o interlocutor apresentou o dono de uma empresa que tinha um contrato de fornecimento de medicamentos com a Sesau. Revelou que o irmão de Denarium estava operando nos bastidores para beneficiar essa empresa que já vinha sendo alvo de investigação por irregularidades na saúde. Só isso seria o suficiente para que Denarium fosse ouvido.

O ex-secretário também falou sobre os processos indenizatórios de empresas que prestavam serviços para a Sesau, as quais vinham sendo recontratadas sem licitação desde 2018, fazendo  serviços ou fornecendo materiais. Disse que tentava  corrigir esses problemas quando foi exonerado pelo governador sem explicação plausível.

Allan Garcês  lembrou que o novo secretário que o sucedeu, Francisco Monteiro, havia sido denunciado  na Ouvidora do Estado, por  uma servidora, que o acusou de assédio sexual e moral. Monteiro era o adjunto e havia sido demitido por decisão de Garcês. Ou seja, o governador ignorou a grave denúncia e não só readmitiu Francisco Monteiro como o nomeou  novo secretário de Saúde, o quinto do total de nove nomeados durante todo o seu governo até aqui.

Esse dado é muito revelador, mas ignorado solenemente até hoje: surpreendentemente,  Francisco Monteiro apareceu na investigação da Polícia Federal como suposto operador do  esquema, cuja operação policial culminou com o caso do dinheiro encontrado na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM), que era vice-lider do governo Bolsonaro (sem partido).

Enquanto a CPI do Senado chega ao seu final, inclusive citando ex-secretários de Denárium, a CPI local se enreda em seu malabarismo sem fim e mantém a caixa-preta da Saúde intacta por longo dois anos. Óbvio que a situação da Sesau remonta aos demais governos, mas os atuais aliados do governador já negociaram a Saúde com governos anteriores. O exemplo mais recente é o deputado federal Hiran Gonçalves (PP), que filiou Denarium em seu partido recentemente. 

Hiran Goçalves recebeu a Sesau “de porteira fechada” das mãos da então governadora Suely Campos, em troca da garantia da candidatura dela para a reeleição. Suely nem chegou a terminar seu mandato, quando foi sacada do cargo após uma negociação que culminou com a intervenção federal no Estado, assinada pelo então presidente Michel Temer (MDB), que nomeou Denarium como interventor até ele tomar posse como novo governador eleito. Para saber o que ocorreu com a saúde pública de lá para cá, é só começar a ler esse artigo, outra vez, a partir do terceiro parágrafo. 

*Colunista