Quem anda pelo centro comercial Caxambú, na área central de Boa Vista, certamente irá observar a ação de homens vendendo celular sem qualquer documento do aparelho, o que desperta a atenção para a possibilidade de serem produtos de procedência no mínimo duvidosa. A abordagem dos vendedores (geralmente estrangeiros) é feita às claras, em meio ao grande movimento de pessoas.
Em um país em que quase um milhão de celulares foram roubados ou furtados no ano passado, uma alta de 16,6% em relação a 2021, conforme o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esse tipo de ocorrência policial nem chama a atenção das autoridades. O ponto positivo é que Roraima encabeça a lista de cinco estados que tiveram queda de casos desse tipo (14,5%) seguido de Paraíba (-4,5%), Acre (-3,8%), Pará (-3,5%) e Rio Grande do Norte (-3,3%).
No entanto, se houvesse vontade política para enfrentar o problema, teria como reduzir significativamente a ação de meliantes que se apossam indevidamente de celulares dos outros e de um comércio paralelo de aparelhos sem documento, especialmente por meio de anúncios em redes sociais. E não se trata apenas de retórica, pois a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado do Piauí é o grande exemplo.
A SSP piauiense implementou um inédito esquema de investigação que já permitiu recuperar cerca de 4 mil celulares nos últimos nove meses, reduzindo pela metade (50%) o número de roubos e furtos de celulares na Capital neste ano de 2024. No ano passado, quando o projeto começou a ser colocado em prática, a queda na Capital piauiense já chegava a 40% e 37% nos municípios do interior.
Inclusive, o novo sistema ajudou a recuperar aparelhos que foram comercializados em Roraima e outros estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pará), graças à colaboração com a Polícia Civil desses estados, o que evidencia que tudo depende de vontade política e estrutura para desenvolver o trabalho.
O projeto funciona a partir de três pontos principais. O primeiro é o rastreamento dos aparelhos a partir de informações obtidas junto às operadoras de telefonia móvel, por meio de ordens judiciais que obrigam as empresas a forneçam informações sobre abertura de novas linhas em aparelhos irregulares. A partir daí as investigações começam, com a busca e rastreio do aparelho, serviços estes chamados pela SSP do Piauí de blitzens.
Em seguida, intimações em massa são disparadas aos aparelhos por mensagens. Quem está com o celular é orientado a comparecer a uma unidade policial e fazer a entrega do aparelho, com a garantia de que a pessoa não será responsabilizada pelo roubo ou furto registrado, já que não é possível atribuir nenhum tipo de prova sobre a ocorrência. Caso contrário, o monitoramento do celular segue e policiais podem ir pessoalmente fazer a apreensão.
Integrado ao esquema está a Operação Interditados, fechando os três pilares do projeto. Ao chegar a essa etapa, agentes realizam a interdição de estabelecimentos, físicos ou virtuais, que fazem compra ou revenda de celulares roubados.
Um detalhe importante é que todos os dados das investigações são centralizados em um aplicativo desenvolvido pela Inteligência da SSP, o que permite que agentes da Superintendência de Operações Integradas (SOI) consultem em um só lugar as informações relacionadas a ocorrências do tipo, desde registros de busca até dados sobre a recuperação.
Outro sistema integrado é o Lupa Bot, utilizado em todo o Estado do Piauí e que permite policiais realizarem consultas para verificar se aparelhos possuem restrição de roubo ou furto, bastando uma foto do IMEI do aparelho para isso.
Então, não há segredo, truque ou mágica. Basta que exista um poder público interessado em resolver os problemas e com vontade política para garantir estrutura e treinamento aos profissionais. O Estado do Piauí é exemplo não só para Roraima, mas para todo o Brasil. No entanto, enquanto não há interesse, os bandidos agem às claras nas redes sociais e no Caxambú.
*Colunista