JESSÉ SOUZA

Acidentes em atrativos turísticos e a cultura de não querer pagar mão de obra

Turistas precisam se conscientizar da necessidade de contratar um guia ou condutor local para que tenham segurança

Na semana que se passou, dois acidentes com turistas em atrativos da Serra do Tepequém, ponto turístico no Município do Amajari, por pouco não terminam em tragédias, embora as duas vítimas tenham sofrido ferimentos sérios. Os episódios chamam a atenção para um problema recorrente: a resistência de visitantes em não contratar guias ou condutores locais, especialmente para acessar locais que representam perigo.

A trilha para a Cachoeira da Laje Verde é um dos atrativos que necessariamente precisa de profissionais preparados para conduzir os turistas com toda segurança necessária. No entanto, muitos subestimam os perigos sob a alegação de que sabem a localização da trilha ou reclamam dos valores cobrados para o guiamento sob alegações das mais variadas. Tal problema não ocorre somente em Tepequém, mas em outros pontos turísticos, a exemplo da Serra Grande, no Cantá, e cachoeiras em Mucajaí, por exemplo.

No Brasil, que teve um passado de colonizadores que escravizaram negros e indígenas, criou-se a cultura de não querer pagar por mão de obra de profissionais ou de explorar aqueles sem formação para desembolsar um valor irrisório. Isso ocorre com muita frequência em Roraima, onde os imigrantes venezuelanos sofrem todos os tipos de exploração de mão de obra.

Não se trata de algo localizado, de uma realidade somente de Roraima com os venezuelanos. É uma cultura de esperteza dos brasileiros que acham que não devem pagar por mão de obra, seja por não valorizarem ou reconhecerem o investimento que os profissionais apostam na sua formação ou pela cultura de exploração colonizadora enraizada na sociedade desde o Brasil colônia que ultrapassa gerações.

No entanto, como esses brasileiros sofrem do complexo de vira-lata, conforme dizia o dramaturgo Nelson Rodrigues, quando se trata de tirar férias no exterior, ou em outros locais que não são seus locais sociais, eles se programam financeiramente e não reclamam do que é cobrado nos atrativos pelos guias e conduções em veículos, além de serviços ofertados nos pontos e cidades turísticos. Pelo contrário, se orgulham do que gastaram como investimento em sua qualidade de vida.

É fato que em Tepequém ainda carece de melhor estrutura e de números de guias e condutores suficientes para atender toda a demanda em altas temporadas. Porém, independente do período, recusar o serviço de guiamento é uma realidade recorrente em qualquer período do ano. E assim têm sido registrados os acidentes graves e outros que ocorrem por falta de orientação de um profissional presente nos atrativos.

A tendência é o problema se agravar, se não houver providências e estratégias para enfrentar a situação, pois estão andamento as obras do complexo turístico de Tepequém, o que irá provocar o aumento de demanda de turistas quando tudo estiver pronto a partir do próximo ano. Daí a necessidade da comunidade e das autoridades estarem atentas a esta nova realidade que se avizinha.

A primeira turma de guias de turismo de Tepequém formados pelo Instituto Federal de Roraima (IFRR) está prestes a receberem seus diplomas, previsto para o mês de outubro, o que representa um alento a fim de mudar o quadro no oferecimento de um melhor serviço ao turista. No entanto, é necessário que os turistas também tomem consciência no sentido de fazer sua parte, que é valorizar os serviços profissionais para que possam desfrutar das belezas naturais de forma segura.

Trata-se de uma realidade que também não pode ser ignorada pelas autoridades, especialmente aquelas responsáveis pelas políticas públicas. Os acidentes que ocorreram nos atrativos de Tepequém (e o que ocorreu meses atrás em Mucajaí) não podem ser ignorados, tanto pelos operadores de turismo e autoridades em geral, quanto pela comunidade local e pelos próprios turistas, entre os quais muitos não cuidam sequer do seu lixo e ignoram todas as regras, se negando a valorizar os serviços e a mão de obra locais.

*Colunista

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