JESSÉ SOUZA

Algo cheira muito mal além da fumaça nesse momento crítico de fogo e seca

Moradores combatem incêndio criminoso em propriedade na Serra do Tepequém, no Município do Amajari, no sábado

Seja no inverno ou no verão, o cenário sempre se repete: os municípios decretam situação de emergência, que é reconhecida pelo Governo do Estado por meio de decreto, que por sua vez libera recursos emergenciais, os quais podem ser usados pelos prefeitos também de maneira emergencial, ou seja, sem licitação pública. Fórmula perfeita para aplicação imediata de recursos livre das amarras da burocracia e da fiscalização.

Foi exatamente assim que ocorreu no inverno roraimense de 2023, quando as chuvas se tornaram intensas e várias regiões ficaram ilhadas por causa de estradas no atoleiro e pontes de madeiras destruídas pelas enxurradas. E está sendo da mesma forma este ano, no verão,  quando a forte estiagem já atingiu todo o Estado, resultando em queimadas descontroladas nos lavrados e incêndios florestais em várias localidades, além da falta de água. Também há coincidência no que diz respeito de ser ano eleitoral.

Só que, em 2023, a liberação pelo Governo de Roraima do valor de R$70 milhões para 12 municípios do interior, com autorização aprovada pela Assembleia Legislativa de Roraima, amparado por decretos de calamidade pública dos prefeitos por causa do inverno, ocorreu a 100 dias das eleições, fato este que acabou sendo questionado na Justiça Eleitoral, cujo resultado todos sabem no que deu.

Não foi apenas isso. Logo em seguida, o governo estadual anunciou um contrato no valor de quase R$105 milhões direcionados para supostamente realizar serviços nos 15 municípios do Estado, serviços estes não especificados, o que dificultou ainda mais a fiscalização por quem desejasse saber informações. Até hoje não se sabe como os municípios aplicaram os R$70 milhões nem como foi utilizado o montante de R$105 milhões anunciados pelo governo.

Agora, com noves municípios incluídos no decretão de situação de emergência por causa da estiagem e dos incêndios, é preciso que os órgãos fiscalizadores acompanhem de perto a aplicação de recursos que irão ser destinados para os prefeitos, pois houve tempo suficiente para governo e municípios terem se preparado para este momento crítico, no entanto absolutamente nada foi feito, a não ser o básico do dia a dia, que é a obrigação profissional.

E isso sem contar que estamos em um ano eleitoral para escolher prefeitos e vereadores. Pelas postagens nas redes sociais a respeito dos incêndios, já existem políticos se aproveitando do momento para se promoverem, especialmente os aliados de prefeituras. Significa que a desgraça provocada pelo fogo, em incêndios criminosos ou não, tem servido para uso político, o que é lamentável e preocupante.

É preciso que as autoridades sejam responsabilizadas por omissões ou descaso, pois a cada einverno e verão a forma que os políticos atuam sem qualquer plano estratégico antecipado para enfrentamento a chuva e seca intensas acaba contribuindo para as calamidades, como se houvesse uma clara intenção de deixar chegar à situação do “quanto  pior, melhor” para que seja feito repasse de recursos a serem aplicados de forma emergencial, o que significa falta de controle e de fiscalização.

É preciso dar um basta no descaso com as ações de prevenção e combate aos efeitos das enchentes e das queimadas. A fórmula do “quanto pior, melhor” não pode mais prosperar, especialmente em anos eleitorais. Tem algo cheirando muito mal nisso tudo – e não é só o cheiro de fumaça e fuligem que o povo está sentindo nesse período crítico de fogo e seca.

*Colunista

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