Aprovação do estado de calamidade na saúde e os fatos que contrariam essa decisão
Jessé Souza*
Na contramão dos fatos, 17 deputados estaduais aprovaram a continuidade do estado de calamidade pública em Roraima em virtude da pandemia da Covid-19, o qual está vingente desde março de 2020, permitindo que o Governo do Estado, entre outros atos, continue a comprar bens, contratar serviços e realizar obras sem processo licitatório.
A decisão foi tomada um dia após o Comitê de Combate à Covid-19 ter decidido pela liberação do uso de máscaras em ambientes abertos em Boa Vista, além de a Prefeitura ter anunciado o retorno 100% presencial dos atendimentos nas secretarias e órgãos públicos a partir de segunda-feira, 14. As autoridades flexibilizaram as restrições com base em dados estatísticos.
Foram apontados os baixos números de casos da Covid-19 na Capital e a queda acentuada das internações em leitos clínicos e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O boletim epidemiológico divulgado pelo próprio Governo do Estado, no domingo, indicava que o Hospital Geral de Roraima (HGR) estava com apenas 26% dos leitos de UTI ocupados. O Hospital da Criança permanece com 20% de ocupação.
Os dados não justificam qualquer calamidade, além do tempo de dois anos que o governo estadual teve para arrumar a situação da saúde pública, inclusive com as investigações policiais e o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa que contribuíram para frear os esquemas de corrupção na Secretaria Estadual de Saúde (Sesau).
A propósito, não custa lembrar que o ninho de corrupção na Sesau se valeu especialmente de processos emergenciais para compra de materiais para cirurgias ortopédicas e neurocirurgias. Em uma fala na tribuna da Assembleia Legislativa, em outubro de 2020, a promotora de justiça da Saúde, Jeanne Sampaio, explicitou bem isso.
Conforme a promotora destacou, à época, haviam passados mais de 11 meses do governo Antonio Denarium (PP), a contar a partir da intervenção em dezembro de 2018, mas a Sesau ainda realizava serviços sem contratos e compras emergenciais sem licitação, como se quase um ano de administração não fosse suficiente para colocar a casa em ordem.
A seguida troca de secretários (no total de nove) acabou por revelar uma máfia enraizada na saúde pública, com os casos investigados pela Polícia Civil, pela Polícia Federal (que gerou o caso do escândalo do dinheiro na cueca do senador) e pela CPI da Saúde na ALE. Apesar de tudo isso, é inacreditável que a situação da saúde prossiga em estado de calamidade.
Para contrariar, o líder político do governador, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já divulgou a intenção de querer rebaixar para endemia o status da Covid-19 no Brasil, alegando melhoria do cenário epidemiológico, o que significa mais um fato político que contraria a decisão local de continuar com o estado de calamidade.
Além disso, dentro do contexto de um ano eleitoral, o desenrolar dos acontecimentos impõem muita desconfiança no eleitor, uma vez que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) determinou que o governador retirasse as publicações nas redes sociais em que ele aparece entregando cestas básicas por se configurar uso da máquina pública para se promover, uma vez que ele é pré-candidato.
Embora a continuidade da calamidade na saúde não tenha nenhuma ligação direta com a decisão do TRE local, esse é um fato que joga mais luz dentro do acirrado debate sobre a movimentação dos políticos visando as eleições deste ano. E todos já sabem que dificilmente o cidadão irá acreditar que os deputados irão fiscalizar as ações do Executivo.
Basta lembrar o episódio do deputado que ontem quis entrar no Hospital de Retaguarda para fiscalizar, mas foi repelido, indo o caso parar na delegacia, sob denúncia de invasão, em vez de o referido parlamentar ter sido convidado e acompanhado em uma visita supresa. Ou existe mesmo algo a esconder?!
Enquanto tudo isso ocorre, estado de calamidade de verdade estão os municípios do interior atingido pelas fortes chuvas, com comunidades ilhadas, pontes arrastadas pelas águas e estradas transformadas em atoleiros.
*Colunista