As evidências de uma educação pública que historicamente vem sendo preterida e protelada
Jessé Souza*
Dá um sentimento de indignação visitar escolas públicas em comunidades indígenas. Porque o cenário de abandono da estrutura física dessas escolas revela um projeto falido de governo, uma vez que educação é a base para qualquer nação se desenvolver. O problema é generalizado, se repetindo nas escolas municipais também, onde a situação chega ser até pior.
Há locais onde as comunidades indígenas, largadas à própria sorte, construíram suas próprias salas de aula, algumas de taipa e coberta de palha. Então, anos depois, o governo foi lá, trocou a palha por telhas e registrou a unidade escolar para que entrasse no Censo Escolar e assim gerar recursos para os cofres estaduais.
Em outras, nem isso. As professoras, o tuxaua e a comunidade tiraram dinheiro do próprio bolso para construir uma escola bem humilde, de madeira, de taipa ou de tijolo sem reboco e o piso de cimento grosso. Aí, o município foi lá, cadastrou a unidade e colocou uma placa de acrílico infomando que se tratava de uma escola municipal.
Esse é o caso da escola na Comunidade do Ouro, no Municipio de Amajari, onde a comunidade construiu o prédio bem simples, e a professora passou a tirar dinheiro do próprio bolso para reformar e dar melhor estrutura às crianças e condições de trabalho mínimo. A Prefeitura só teve o trabalho de colocar uma placa informando que a escola é municipal e registrou a unidade para gerar recursos.
Existem outras localidades onde a sala de aula é debaixo de pés de mangueiras, em barracões de palha, prédio com madeira velha reaproveitada e no chão de barro batido. A maioria das escolas indígenas foi construída no governo de Ottomar Pinto, há 30 anos, as quais nunca passaram por qualquer obra de manutenção.
Nessas localidades, o prédio das escolas é coletivo e serve para abrigar também o posto de saúde, a cozinha comunitária e o clube de mães. Quando tem atendimento de saúde, as aulas são suspensas. É assim na escola da Comunidade Cajueiro, também no Amajari. Outras dividem o espaço com turmas do ensino municipal, pela manhã, do ensino estadual, à tarde, e de jovens e adultos, à noite.
Aqui está o resumo do que está se passando na educação indígena em Roraima. Na rede estadual na Capital e no interior, cujas aulas presenciais foram retomadas na semana passada, a realidade é bem melhor, mas longe do ideal. As aulas recomeçaram, mas sequer foi contratado o serviço de transporte escolar, prejudicando quem mora na zona rural e terras indígenas.
Foram dois anos de pandemia, sem aula presencial, com as escolas fechadas, mas o governo não teve tempo ou competência (ou seria vontade política?!) para reformar as escolas e contratar o transporte escolar. O secretário estadual de Infraestura, Edilson Lima, em entrevista na manhã deste domingo, na Rádio Folha, alegou como justificativa que faltaram cimento e mão de obra no mercado como reflexo da pandemia. Não procede.
O secretário informou que, das 285 escolas em todo o Estado, 30 já passaram por reformas e outras estão com processo em andamento. Mas falou apenas da Capital. Não deu qualquer declaração sobre as escolas nas comunidades indígenas. Perdeu a oportunidade de ao menos mostrar um ponto positivo do governo, pois há cerca de 100 escolas indígenas na lista de obras de reforma ou ampliação, além de aquisição de mobílias e quadras esportivas.
Essas 100 escolas indígenas foram beneficiadas com recursos de emendas parlamentares da deputada federal Joenia Wapichana (REDE), a única parlamentar indígena do Brasil. Por dois anos consecutivos, 2020 e 2021, a parlamentar direcionou toda sua emenda de bancada para reformar ou ampliar essas escolas, totalizando R$44,5 milhões destinados para a Secretaria Estadual de Educação e Desporto (Seed) investir nessas obras.
Pela primeira e única vez, em toda existência do Estado, criado em 1988, as escolas indígenas foram beneficiadas com emenda parlamentar para que se possa melhorar sua estrutura física. Mas o governo não tem interesse em divulgar isso, o que surpreende, pois o secretário foi lá exatamente para falar das obras estruturantes que estão sendo realizadas pelo governo Antonio Denarium (PL).
Talvez nada foi informado por questões partidárias, ainda que estas obras estejam sendo realizadas pelo Governo de Roraima, que enfrenta a burocracia extrema de realizar obras em terras indígenas, o que necessita do aceite da comunidade e autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de outros trâmites, tornando os processos ainda mais lentos. Foi citado apenas o nome de outro parlamentar que destinou emenda apenas para uma escola na Capital.
Independente da divulgação ou não destes fatos, é imprescindível destacar a importância do investimento na educação, incluindo as escolas indígenas. Porque é da sala de aula que surge um futuro promissor para qualquer nação. Os países desevolvidos já provam isso há muito tempo, inclusive aqueles arrasados pela guerra ou tragédias ambientais, que apostam na sua reconstrução investindo pesado na educação de seu povo.
Então, é preocupante a situação do país, que corta recursos para a educação e que tem autoridades que atacam as univesidades públicas. E preocupa sobremaneira a realidade de Roraima, que não prioriza a educação historicamente, levando em consideração que escolas indígenas há 30 anos foram largadas ao descaso e a realidade do retorno das aulas presenciais na Capital e no interior que revelam falta de estrutura adequada.
Mas há um alento em saber que tem gente preocupada em dar estrutura adequada para as escolas indígenas. Ainda é possível consertar o que está errado nesse Estado. Depende da união de todos e da consciência de que é possível fazer muito mais independente das cores partidárias. Mas parece que “eles” não querem isso. Especialmente na educação.
*Colunista