Autorização para o erro – Jessé Souza*
Li, em algum lugar, um parlamentar divulgando que enviou para as autoridades municipais de trânsito um documento pedindo que o órgão de trânsito autorize pais de alunos a estacionarem seus carros em frente de uma escola, no Centro, e em uma das “ilhas” demarcada em um espaço na movimentada via pública.
É o que eu sempre venho afirmando por aqui: muitos pais folgados não querem ter o trabalho de estacionar seus carros um pouco mais distante e caminhar até a escola para pegar seus filhos. Por isso, provocam congestionamento, estacionam em fila dupla, param seus veículos em locais proibidos e ainda ficam buzinando em frente da escola.
Pela indicação feita pelo parlamentar, os pais dessa referida escola querem autorização oficial para infringir as leis de trânsito e estacionar em locais proibidos, tudo para que tenham comodidade por alguns minutos na hora do tráfego intenso. Querem atropelar as leis para que suas máquinas tenham mais preferência no trânsito.
As pessoas precisam entender que o trânsito em sociedades avançadas dá preferência ao ser humano, e não às máquinas. No Brasil, o condutor acha que o carro passou a ser uma armadura, quase uma prótese, em que a pessoa não quer ter trabalho de descer do veículo a fim de favorecer um trânsito mais ordenado, em que o pedestre tenha mais preferência e menos riscos.
O carro virou um status social, e não apenas um meio de transporte, algo que distingue quem é melhor e quem é pior, quem tem mais força e quem não tem força alguma. Dentro desta bolha social, as pessoas vão desumanizando as relações sociais porque cada uma passou a achar que tem mais preferência ou mais direito que o outro. E tudo vira uma guerrilha, com mortos, feridos e sequelados.
Estou interessado em saber que resposta as autoridades de trânsito vão dar ao pedido do parlamentar, uma vez que se trata de um legislador pedindo autorização para que se descumpram as leis de trânsito em favor da acomodação de pais que querem parar seus carros em locais proibidos.
Já não basta o poder público municipal autorizar o fechamento de uma via pública importante, como a Ataíde Teive, na zona Oeste, em horário de pico e em dia de semana, para que uma igreja faça seu evento. Agora querem oficializar o desrespeito às regras mais básicas do trânsito, como se fosse normal ficar abrindo exceções para este ou aquele que recorre a políticos em busca de privilégios.
Boa Vista vive um tumulto no trânsito não apenas pela falta de investimento e organização por parte dos governos, mas também pela capacidade que muitas pessoas têm de achar que somente os governantes têm obrigações e deveres. O cidadão também é peça fundamental para humanizarmos o trânsito.
*Jornalista – [email protected]
