Azeitona estragada e a situação corriqueira dos consumidores de serviços essenciais
Jessé Souza*
Quase um ano depois da data do alegado episódio, a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), divulgou ter entrado com uma ação na Justiça contra a empresa Americanas, em Boa Vista, por supostamente vender um pacote de azeitonas com a data de validade vencida.
Coincidência (ou não), a ação foi protocolada no dia 13, no mesmo momento em que as Americanas levaram a público um rombo contábil de R$20 bilhões que pode decretar a falência da empresa, caso não seja saneada, cuja dívida bilionária vai mais além, ao ter afetado diretamente pessoas simples que investiram em um fundo de reserva de emergência do banco digital Nubank, um dos investidores das Americanas, cuja rentabilidade caiu a ponto de ficar negativa.
A ação judicial foi movida sob a justificativa de que uma consumidora das lojas Americanas, em fevereiro do ano passado, passou mal após comprar um pacote de azeitonas temperadas com a data de validade vencida, sendo necessário levá-la para o hospital, irregularidade esta que fora confirmada somente depois do consumo, conforme consta na informação do MPRR.
O pedido da ação foi pela condenação da empresa por dano moral coletivo pela venda e exposição de produto impróprio para consumo, no valor mínimo de R$ 500.000,00, o qual deverá ser revertido para o Fundo Estadual de Defesa do Consumidor. De fato, um valor justo como punição para uma grande empresa, ainda que perto de uma provável falência, cujo desfecho pode não dar em nada.
Particularmente, já passei por problemas com esta empresa ao comprar um produto pela internet, o qual nunca chegou a ser entregue, cuja devolução do dinheiro demorou quase dois anos (e sem qualquer correção!) após muita dor de cabeça e gastos com viagens a Boa Vista para fazer a reclamação presencial a partir de uma loja na Capital; e isso após ser ignorado virtualmente e, mais tarde, bloqueado no aplicativo. Então, de certa forma, tal ação me cai como uma vingança pessoal.
No entanto, Justiça não significa vingança. Essa ação do MPRR é justa e tem um valor até razoável para que sirva de exemplo. Mas não se pode mais esperar exemplo de uma empresa moribunda. Por outro lado, a questão é que não se tem visto ações judiciais para pedir a punição exemplar de outras empresas que historicamente espezinham o consumidor roraimense, mais precisamente as prestadoras de serviços essenciais, como internet, água e energia, as quais têm passado incólumes até aqui.
Ao contrário, conforme artigo publicado nesta Coluna no dia 27 de dezembro passado, intitulado “O desrespeito ao consumidor que é visto pelos magistrados apenas como ‘mero aborrecimento’”, os consumidores não conseguem resultado em suas ações por reparos pela má prestação dos serviços, uma vez que juízes de primeira instância estão convictos de que uma cobrança indevida, apagões constantes e outros problemas não passam de uma simples dor de cabeça ao consumidor.
No caso de uma azeitona estragada, o problema pode ser facilmente evitado se cada consumidor tivesse uma consciência aguçada de verificar imediatamente a data de validade. Eu, particularmente, quando vejo uma promoção imbatível no supermercado, trato logo de verificar imediatamente o prazo de validade. Conferência essa que segue nos demais produtos antes de serem consumidos em casa.
Mas este não é o caso de quem consome internet, água, luz e telefone, pois o prazo de validade em forma de boleto fatalmente chegará a cada fim de mês, independente dos apagões, das cobranças indevidas, do pesadelo para cancelar um plano, da má qualidade da prestação de serviço, dos abusos de ligações querendo empurrar algum produto e de tudo aquilo que excede o que os juízes alegam ser dor de cabeça quando se trata de um consumidor de farinha, quer dizer, sem importância social a qual me incluo.
Alto lá! Não que uma azeitona estragada que levou uma consumidora ao hospital seja insignificante. Absolutamente não. Trata-se de um atentado aos direitos e à saúde do consumidor. O que não pode ser considerado um “mero aborrecimento” são estes contumazes atentados aos consumidores de serviços essenciais, os quais passam ao largo do escrutínio dos órgãos fiscalizadores e de defesa do consumidor.
Se esses casos fossem tratados com todo rigor, com devidas punições judiciais a partir de ações judiciais individuais (estas que são desencorajadas pelos próprios magistrados) ou pedindo reparos à população de forma coletiva, a exemplo da azeitona estragada, as empresas pensariam duas vezes em espezinhar o consumidor ou em agirem com desleixos aos problemas que passaram a ser corriqueiros.
Não há como continuar da forma que está, com problemas crônicos passando a se tornar corriqueiros e insignificantes aos olhos dos órgãos fiscalizadores e da própria Justiça, quando chamada a apreciar uma ação por danos morais. Os problemas das prestadoras de serviços essenciais precisam ser enxergados da mesma maneira como uma empresa que vende azeitona estragada.
A sanidade mental, o bem-estar individual e da família, a vida profissional e o bolso do consumidor são agredidos quase que diariamente, além dos estragos provocados na economia local dependente de internet, em que todos pagam caro pelo consumo de água, luz, telefone e internet para um serviço de péssima qualidade.
*Colunista