Jessé Souza
Buraco da vergonha 24 10 2014 192
Jessé Souza* Com apenas algumas ferramentas manuais, os presos construíram o “túnel da vergonha” em Roraima. Vergonha em vários sentidos: pela fragilidade do sistema prisional, pela organização criminosa que se estabeleceu no Estado e pelos bandidos mostrarem que eles são mais competentes que o poder constituído para realizar obras com poucos recursos e sem nenhum maquinário. Os policiais estão de parabéns pelo trabalho competente de investigar e localizar o imenso buraco pelo qual seria concretizada a maior fuga de todos os tempos no sistema prisional, mas essa exemplar ação não anula nem ameniza a incompetência dos seguidos governantes que permitiram a situação chegar a este quadro, de bandidos conquistarem este nível de poder. Com a descoberta desse túnel, agora o poder constituído precisa se preparar para outra fase: a reação dos presos que poderá vir, uma vez que esse “buraco da vergonha” era o que segurava os descontentamentos e motins naquele presídio. Todos sabemos das precárias condições daquele presídio superlotado, o qual serve de depositário de gente que vive amontoada no cumprimento de suas penas. Também é de conhecimento público que as autoridades não têm o controle dos presídios do portão para dentro, não por causa de incompetência, mas pela fragilidade do sistema ultrapassado, com parcos recursos, baixo efetivo, sem equipamentos e sem armamentos. O poder de força dos presos é grande naquele caldeirão pronto para explodir frente a um aparelho estatal que trabalha no limite e um sistema prisional que pede socorro há anos. As forças são desiguais e o estopim foi aceso a partir da descoberta do túnel. Da competência do crime organizado já sabemos. Assim como temos certeza do esforço e da competência daqueles servidores e policiais que lá atuam. Porém, temos um governo incompetente, que não investe nem elege prioridades e ainda mantém no sistema um esquema de gente contratada apenas para receber sem trabalhar. Não há como fazer frente ao crime organizado se não houver uma mudança radical na forma de governar o bem público. Os agentes penitenciários vêm pedindo socorro há tempos, mas parece que nada disso abala os governantes. A sociedade sabe que os principais crimes praticados hoje em Roraima são arquitetados dentro do sistema prisional. Então, o que se espera das autoridades é que encarem esse problema com prioridade e competência – com a mesma prioridade e competência de quando essas autoridades são escaladas para pedir e comprar votos. Se os bandidos estão organizados, então queremos um Estado disposto, competente, organizado e com vontade política para encarar a realidade. Não dá para esperar, porque o mundo crime não dorme. *Jornalista [email protected]