Buscando o passado para contextualizar o presente: de olho na loucura coletiva
Jessé Souza*
Era um sábado, 1º de abril de 1933, quando surgiu uma lista de comércio e negócios de judeus a serem boicotados (“Judenboykott”) com uma primeira ação coordenada do regime nazista contra os israelitas na Alemanha. Estavam relacionados também os consultórios e escritórios de profissionais judeus da área de saúde ou de advogados judeus.
Os nazistas alegavam que o boicote era uma ação contra judeus alemães e os estrangeiros que criticavam o regime nazista, dentre eles jornalistas estadunidenses e britânicos. Mas os motivos eram outros, obviamente. Os nazistas divulgavam teorias da conspiração alegando que os judeus tinham influência demais na economia.
Ainda os culpavam pela devastação econômica causada pela Grande Depressão. E a finalidade do movimento era “salvar” a economia alemã que estaria sob influência judaica, então o boicote seria o primeiro passo para atingir esse objetivo.
Para isso, os nazistas criaram listas de estabelecimentos que consideravam ser de propriedade judaica, os quais eram pinchados e aviltados, enquanto os nazistas dirigiam e marchavam pelas ruas cantando lemas antijudaicos, além de canções nazistas. O boicote não deveria ser violento, mas isso não impediu que espancassem e matassem judeus.
E foi assim que começou um dos regimes mais sombrios e facínora da História. O final todos sabem (ou deveriam conhecer). Por isso é necessário relembrar os fatos para recorrer ao passado como forma de contextualizar o presente, a fim de evitar que novos erros e atrocidades se repitam, como forma de expurgar nossos demônios escondidos no armário.
Com esse extremismo que se acentuou no país, entre esquerda e direita, a não aceitação do resultado das eleições provocou fortes reações de cunho paranoico, autoritário e golpista. Inclusive, surgiram listas de pessoas e comércios a serem boicotados em nome da “liberdade” (alguma semelhança com aquele passado sombrio?!).
O Brasil precisa ser pacificado, mas não se pode esquecer aqueles que extrapolam o limite da liberdade de expressão e de manifestação, os punindo com o rigor da lei. Conforme escreveu Luiz Henrique Lima, no GEN Jurídico, a história do nazismo comprovou que “toda loucura coletiva começa com um punhado de imbecis aos quais não se deu atenção no início, reprimindo-os antes que seu discurso liberticida se espalhasse”.
Motivos não faltam para enquadrar quem pratica incitação ou apologia ao crime, que é inafiançável e imprescritível, conforme Lima. A começar pelo Código Penal que, no seu Título IX – Dos Crimes contra a Paz Pública, no artigo 286, define que incitar publicamente a prática de crime resulta em pena de detenção, de três a seis meses, ou multa. O artigo 287 define que apologia ao crime com a mesma pena.
O artigo 22 da Lei 7.170/1983 também define como crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Além disso, o inciso XLIV do artigo 5º da Constituição da República diz que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Protestos e manifestações pelo descontentamento contra o resultado das urnas, sim, conforme garante o regime democrático. Mas atos golpistas, que pedem intervenção militar, ameaçando a paz social e a democracia, jamais! A História está aí para mostrar que as autoridades não podem ser coniventes com esse momento triste e tenebroso no Brasil.
*Colunista