JESSÉ SOUZA

Cenário de seca e fogo seguirá até a única solução cair do céu: as chuvas do fim de março

Destruição ocasionada pelo fogo segue desde o grande incêndio de 1998 registrado em Roraima (Imagem: Divulgação/ISA 1988)

As autoridades em todos os níveis de governo não aprenderam nada com o que ocorreu em Roraima no fim de 1997 e início de 1988, quando um dos piores incêndios florestais da história mundial recente atingiu uma área de quase 40 mil km², destruindo cerca de 12 mil km² de florestas primárias. A área impactada representou aproximadamente 7% de todos as florestas do Estado (Fonte: Victor Pires, ISA – 05.02.2016).

Naquela época, houve uma grande mobilização nacional para combater o avanço do fogo, inclusive com colaboração internacional, momento em que foi instalado um moderno centro de inteligência e monitoramento com boletins informativos diários. Os anos se passaram e tudo isso se perdeu, da mesma forma que as autoridades de seguidos governos não seguiram com os investimentos.

Quase nada mais avançou, apesar de estudos, debates e alertas surgidos naquela época terem desenhado cenários futuros de novas tragédias provocadas por incêndios. Inclusive, as autoridades foram testadas 18 anos depois do mega incêndio, quando uma seca de três anos seguidos culminou com outro grande incêndio em 2016.

A cada ressurgimento do El Niño, fica bem claro que os seguidos governos não se preocupam com os efeitos das secas e das chuvas, ficando na base do improviso e se agarrando no que havia no passado e se esquivando das responsabilidades sob alegações absurdas. A falta de investimento é tanta que o governo local não tem sequer um helicóptero para ajudar no combate a incêndios em serras e lugares inacessíveis das florestas.

Também não houve preocupação em mobilizar pessoal e equipamentos, inclusive a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Femarh) fez seletivo para contratar brigadistas, em setembro do ano passado, mas até agora os 240 aprovados aguardam convocação. E isso porque foram quatro anos de chuvas, sem que o Governo do Estado tenha se preocupado em se preparar para a chegada do período de forte estiagem, conforme está ocorrendo agora.

No entanto, instrumentos e estudos do passado poderiam ter sido utilizados para amenizar os impactos. É sabido de todos que todos que existem diversos satélites de observação passando por cima da Amazônia que monitoram os focos diariamente de queimadas e incêndios florestais. As previsões do clima também estão cada vez mais avançadas, inclusive foram emitidos alertas por agências internacionais.

Além disso, pelas experiências passadas, sabe-se muito bem que o Estado apresenta características que favorecem grandes incêndios, a exemplo do extenso lavrado, onde chove menos e a ocorrência de queimadas é mais frequente do que na floresta. Também é de conhecimento público que a região Norte de Roraima é a que apresenta a maior incidência de ventos na Amazônia, favorecendo o rápido alastramento do fogo, como está sendo visto hoje no Município do Amajari, onde está o principal ponto turístico do Estado.

Quem foi ao Tepequém no feriadão de Carnaval ficou refém de uma paisagem sob intensas cortinas de fumaças, prejudicando o turismo já afetado pela seca das águas das cachoeiras e os incêndios no entorno. A fumaça inclusive impediu o que havia restado de alternativa para os turistas, que é apreciar o pôr do sol em alguns dos mirantes que existem naquela privilegiada localidade.

Os estudos que surgiram ao longo de 36 anos depois do grande incêndio seguem ignorados. Naquela época, os pesquisadores já alertavam para o que estava acontecendo não apenas com os pequenos cursos d’água que mantém biodiversidades nos imensos lavrados, mas principalmente no principal manancial de água potável de Roraima, o Rio Branco, atacado por seguidos períodos de secas prolongadas, tema até hoje solenemente ignorado.

Naquela seca histórica, o Rio Branco apresentava perda significativa do volume de água, que é o termômetro principal dos processos que afetaram profundamente a hidrologia regional. O rio possuía de 800 a 1.000m de largura frente às barrancas fluviais de Boa Vista, mas teve sua largura reduzida para 100-200m, no máximo no fim de março de 1998. O curso do rio, que possuía uma coluna d’água de 4 a 5 m, passou a uma espessura média de águas da ordem de 60cm (Fonte – Roraima: os paradoxos de um grande incêndio ao fim do milênio, Aziz Nacib Ab’Sáber).

E isso foi muito antes da nova invasão garimpeira na Terra Yanomami, ocorrida nos últimos quatro anos, que resultou na severa degradação de alguns dos principais rios que ajudam a formar o Rio Branco, considerado “o coletor solista de toda a bacia hidrográfica da porção Norte de Roraima”, conforme Ab’Sáber, geógrafo e professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), que esteve em Roraima durante o grande incêndio de 1997/1998.

A despeito de tudo isso, as autoridades de todos os níveis de governo continuam dormindo em berço esplêndido, historicamente esperando pela única solução, aquela quem vem literalmente do céu: as chuvas no fim de março que anunciam o fim do verão, conforme diz muito bem a letra da música de Tom Jobim.

*Colunista

[email protected]