JESSÉ SOUZA

Cercas, omissão e indefinição fundiária ameaçam o principal ponto turístico de Roraima

Atrativo turístico Poção, na entrada da Vila Tepequém, está sendo ocupado por propriedade particular

Enquanto as autoridades municipais e estaduais fazem pouco caso sobre a regularização fundiária do principal ponto turístico de Roraima no Município do Amajari, a Serra do Tepequém, as ocupações irregulares e especulação imobiliária seguem sendo a principal ameaça não apenas para o turismo, mas para o próprio futuro dos moradores da localidade.

Conforme já abordado aqui, anteriormente, a transferência das terras da Gleba Tepequém foi marcada por uma flagrante irregularidade, quando o Instituto de Terras de Roraima (Iteraima) registrou 402.755,00 hectares de terras desta gleba em nome no Estado de Roraima, sem passar pelos trâmites legais, sem qualquer processo ou documento oficial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Como não houve uma investigação para identificar, responsabilizar e punir os autores dessa “grilagem oficial”, caso este que foi parar na Justiça Federal (processo 1001241-07.2018.4.01.4200), até hoje existe uma movimentação de apropriação indevida de terras em Tepequém, inclusive inviabilizando atrativos turísticos, que estão sendo cercados sob a omissão das autoridades.

A mais recente apropriação ocorreu em uma das lagoas na entrada da vila, a menos de 100 metros da RR-203, chamado de Poção, por ter surgido da atividade garimpeira do passado e que atualmente serve ao turismo e, não menos importante, como reservatório de água para manter a vida do Igarapé do Paiva, manancial onde estão os principais atrativos turístico de Tepequém.

O Poção foi ocupado sem aval da Associação de Desenvolvimento Sustentável dos Moradores do Tepequém (Adesmote), já que é de conhecimento público que o terreno em questão está na margem do Poção, uma área frágil ambientalmente, assim como todo ecossistema da serra, um solo arenoso e que alaga quando chega o período de chuvas e as águas transbordam.

Apesar de tudo isso, de ser um atrativo turístico consolidado, uma área ambientalmente frágil e que serve de “caixa-d’água” para um dos igarapés de Tepequém, o terreno foi ocupado, documentado e já reconhecido pela empresa energética, que instalou poste, transformador e ligou a energia antes mesmo de ter qualquer benfeitoria local, enquanto moradores e pequenos empreendedores da vila não conseguem regularizar suas propriedades nem instalação de luz e água.

Além disso, houve supressão da vegetação no terreno, o que pode se configurar uma séria agressão ambiental por se tratar de uma lagoa localizada numa área frágil e que precisa da vegetação para continuar existindo. Não menos importante, a  propriedade precisará de sanitário, o que significa que uma fossa será instalada à margem da lagoa, complicando ainda mais a questão ambiental. Fora a necessidade de aterro, já que o terreno fica em um areal e tem depressões que alagam no inverno.

O que chama a atenção é que as autoridades locais estão sabendo sobre o que está ocorrendo, tanto a Câmara de Vereadores quanto a Prefeitura do Amajari, esta que recentemente fez uma ação para arrancar cercas de uma área institucional na cabeceira da pista de pouso, a qual está em processo de homologação por empenho próprio de um morador. Enquanto isso, cercas com arame farpado são erguidas em outras áreas, inviabilizando atrativos como o Poção, mirante Pedra Mão de Deus, Cachoeira do Miudinho, a Cachoeira do Cipó e outras mais distantes das vilas do Paiva e Cabo Sobral.

Ao que tudo indica, há dois pesos e duas medidas quando se trata de regularização fundiária e instalação de bens essenciais como água e luz. Enquanto moradores e pequenos empreendedores não conseguem regularizar suas propriedades, outras pessoas conseguem até titulação do Iteraima por meio de um suposto esquema que inclui georreferenciamento, cujos moradores locais não conseguem ter acesso, seja por estar fora de seu alcance financeiro ou por exigências de comprovações quase impossíveis a quem nunca teve documento de nada.

O correto a ser feito é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Terras, que está em andamento na Assembleia Legislativa de Roraima, também inclua a Gleba Tepequém nas investigações para que seja feita uma varredura nessa questão de georreferenciamento e revisão das titulações emitidas até aqui, além de uma ação conjunta de governos para impedir que atrativos turísticos sejam “engolidos” por posses duvidosas ou cercas da especulação imobiliária.

Algo precisa ser feito urgentemente sob risco de o turismo em Tepequém seja inviabilizado como fonte gerador de emprego e renda para a comunidade local, além de instrumento de proteção ambiental. Afinal, o Governo do Estado e a Prefeitura do Amajari agiram rápido demais para construir um complexo turístico na Vila do Paiva sem antes resolver os graves e sérios problemas dos moradores e do Tepequém, a exemplo da questão fundiária, a questão ambiental, instalação de água, esgoto, luz e telefone, além de outras infraestruturas necessárias para receber um grande volume de turista que está por vir.

Por que tanta pressa nessas obras? Ou será que querem transformar a Serra do Tepequém em um grande local de veraneio para autoridades, grandes empresários e políticos, os quais estão se apropriando de terras, forçando que os moradores mais pobres vendam tudo e se retirem?

*Colunista

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