Foi logo depois do achamento do Brasil, em 1541, que começaram os relatos de aventureiros se lançando em viagens muitas vezes suicidas para penetrar os rios da Amazônia em busca do lendário El Dorado, que povoava o imaginário dos europeus. E, assim, piratas e corsários, estes que recebiam autorização de governos para pilhar navios de outras nações, se juntavam a expedições em busca do ouro na perdida Amazônia, com o cometimento de todos os tipos de crimes e explorações.
Desde lá, em nome do ouro, se praticam as mais diversas rapinagens, crimes e genocídios. E não se trata de uma afirmação a respeito das aventuras e desventuras dos europeus em busca do El Dorado mítico. Mas de um fato que ocorre hoje, bem ali, diante de nossos olhos, na Terra Yanomami. É o que ficou bem claro no desenrolar das três operações da Polícia Federal, deflagradas simultaneamente nesta quarta-feira, 20, em Roraima e mais setes estados, além do Distrito Federal, visado desarticular organizações criminosas suspeitas de atuarem com mineração ilegal de ouro em terras indígenas.
O garimpo ilegal tem o poder de reunir em seu âmago e entorno os mais diversos crimes, assim como ocorria desde o achamento do Brasil. Nos dias atuais, a última fronteira do garimpo ilegal foi conquistada pelas facções, que viram algo mais rentável e menos arriscado devido à inexistência da fiscalização e ausência da polícia nas inóspitas florestas, realidade propícia para lucrar com o tráfico de drogas e de armas, além do tráfico de mulheres, especialmente adolescentes, para a exploração sexual.
Desde as primeiras entradas na Amazônia do Brasil colônia, não se deu importância a outros crimes tão graves quanto os demais, como danos irreparáveis ao meio ambiente (biodiversidade, ecossistemas e recursos hídricos, essenciais para a sobrevivência humana), populações indígenas (doenças, mortes e degeneração da organização social e cultural) e contra o sistema financeiro (evasão de divisas).
As operações Eldorado, Emboabas e Lupi, deflagradas pela PF nesta quarta-feira, traz à luz da opinião pública um bem bolado esquema que envolve gente graúda em Roraima, Goiás, Amazonas, Tocantins, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Pará. Em Roraima, os indícios apontam a exploração do contrabando de ouro da Venezuela e venda de ouro da Terra Yanomami, tendo como operadores alguns empresários que exportam alimentos para a Venezuela, responsáveis por lavar o dinheiro.
E não será surpresa se, puxando o fio da meada, se chegue até o Sul do Estado, onde investigações da PF já apontam a atuação do “agropó”, conforme indica a quarta operação deflagrada ontem, também pela PF, chamada de Operação Câmbio de Ruta (mas esse é outro assunto, por enquanto).
Na Operação Eldorado, a investigação é sobre um esquema de contrabando e venda de ouro de garimpos ilegais que teria movimentado R$ 6 bilhões, envolvendo o contrabando de ouro da Venezuela, que era vendido para pagar empresas de exportação de alimentos para a Venezuela por grandes supermercados de Roraima e do Amazonas. O esquema envolvia ainda a exploração ilegal de minério na Terra Indígena Yanomami e em garimpos espalhados em outros estados.
Já a Operação Emboabas indica que a exploração do ouro segue as mesmas práticas coloniais, ou seja, a comercialização ilegal de ouro do Brasil para a Europa. Só não existem mais os corsários e piratas. Mas, agora, são novos atores que igualmente patrocinam outros tipos de usurpadores, os quais fazem os mesmos papeis do passado. O grupo investigado teria movimentado mais de R$ 5,7 bilhões. A investigação começou quando 35Kg de ouro seriam entregues a dois norte-americanos sócios de uma empresa dos Estados Unidos.
Atenção ao enredo: conforme a PF, o alvo principal realizava o esquentamento do ouro através de um austríaco que se naturalizou brasileiro e que afirma ter mais de mais R$ 20 bilhões em barras de ouro em um suposto país independente criado pelo próprio investigado. Aí estão sendo investigados crimes de usurpação de bens da União, organização criminosa, lavagem de dinheiro, extração ilegal do ouro, contrabando, falsidade ideológica e receptação qualificada.
As operações policiais mostrando que o garimpo segue reunindo e atraindo os mais diversos crimes desde o Brasil colônia. E Roraima sempre metido em todos os tipos de desgraças. Valendo ressaltar que a corrida pelo ouro ilegal movimenta cifras bilionárias nas mãos de poucos, enquanto para a população restam tão somente as mazelas.
*Colunista