De ideologia o povo roraimense está cheio desde a paranoia da internacionalização
Jessé Souza*
Pelas declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em um vídeo gravado recentemente, o principal objetivo de sua ida à cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, seria mais ideológico do que necessariamente conhecer de perto o que a migração em massa está provocando no Estado de Roraima.
Conforme ele disse, a finalidade é gravar um vídeo na fronteira para mostrar o que o regime do país vizinho está fazendo com seu povo, fugindo para o Brasil, e associá-lo o que pode ocorrer com uma possível volta da esquerda ao poder ao país. Seria mais uma etapa de sua campanha eleitoral antecipada durante suas viagens pelo país.
Pelo que tudo indica, o governo está satisfeito com a Operação Acolhida, em que o Exército passou a cuidar dos venezuelanos que chegam ao Estado, aliviando inclusive na fiscalização da fronteira. Os custos social e orçamentário que têm impactado sobremaneira o nosso Estado, que precisa de uma compensação para que os serviços públicos não entrem em colapso, sequer é citado na fala do presidente.
A saúde e a educação são os principais setores que sentem os graves impactos da chegada em massa de venezuelanos. Já é possível observar que a segurança pública também sofre os duros reflexos do desordenamento, uma vez que não há uma ação efetiva na fronteira para evitar que bandidos entrem facilmente no país.
O Município de Pacaraima é o primeiro a sentir esses graves reflexos, onde a violência urbana predomina e o crime organizado venezuelano se fortifica, seja por meio do tráfico de droga ou do tráfico de arma de fogo. Aquela cidade fronteiriça se tornou uma favela a céu aberto, com invasões a áreas ambientais e a terras indígenas.
Em Boa Vista, o envolvimento de estrangeiros com a criminalidade passou a ser notícia corriqueira na crônica policial, seja por envolvimento com facções, assaltos, assassinatos e práticas de furtos ou roubos, somando-se à criminalidade que já existia com o avanço do crime organizado brasileiro que age nos bairros e até mesmo no Centro de Boa Vista, onde execuções ocorrem constantemente.
Recentemente, uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar de Roraima apreendeu cerca de 30 armas brancas, entre facas e facões, em locais que servem de abrigos improvisados para venezuelanos na área central da Capital, revelando a necessidade efetiva da ação policial.
Obviamente que a maioria dos imigrantes vem em busca de uma nova oportunidade de vida, mas nessa movimentação em massa chegam também pessoas de má índole e outras envolvidas em crimes. Daí a necessidade de se investir mais em segurança pública, seja por parte do Estado quanto do Município, por meio da Guarda Municipal.
A situação da saúde pública só se agravou ainda mais, além do que foi provocado pela corrupção sistêmica que já havia sucateado hospitais e outras unidades. Basta ver as filas para consultas no Hospital Coronel Mota e a longa lista de espera para cirurgias eletivas (aquelas não urgentes) no Hospital Geral de Roraima (HGR), suspensas desde o início da pandemia, há dois anos.
A pobreza tem aumentado, bastando ver o crescente número de pedintes nos semáforos, mercados e feiras, além de crianças e jovens estrangeiros vivendo na ociosidade nos bairros mais afastados. Em um curto espaço de tempo, somente a Operação Acolhida não irá mais conseguir dar conta do número cada vez maior de imigrantes, os quais passam a viver em invasões ou abrigos improvisados.
Esta é a realidade que precisava ser vista pelo presidente e reconhecida pelo Governo Federal como demasiadamente preocupante para um Estado pobre, sem indústrias, vivendo do contracheque governamental, e sem as estruturas mínimas para suportar toda essa sobrecarga social e econômica que vem da fronteira.
O Estado de Roraima pede socorro para continuar suportando o ônus pesado do acolhimento não só de venezuelanos, mas de haitianos e outros estrangeiros que fogem das dificuldades de seus países. Como não há como frear esse fluxo migratório intenso, somente uma compensação poderá fazer o povo roraimense respirar um pouco mais aliviado.
De ideologia o povo roraimense está cheio, desde que os políticos locais pregavam outra invasão, a de norte-americanos que iriam se aproveitar das terras indígenas para tomar a Amazônia brasileira. Era a paranoia da internacionalização, que fez a cabeça de muitos.
Hoje, o que Bolsonaro pretende é alimentar outro temor, que é a paranoia do comunismo e do socialismo, enquanto os ricos ficam mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Não se pode esquecer que Roraima é o Estado mais pobre do país. Isso precisa ser reconhecido imediatamente para que não colapse diante da crescente chegada de mais imigrantes diariamente.
*Colunista