JESSÉ SOUZA

De um voo macabro à remodelagem da geografia do garimpo ilegal na fronteira

Vídeo de helicóptero com corpos de garimpeiros brasileiros mortos içados em uma cesta foi divulgado em 2022 (Imagem: Reprodução)

Depois da intensificação das ações de enfrentamento do governo brasileiro ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, houve uma grande remodelagem da geografia do crime na fronteira norte. Não só a base das ações de comando do garimpo passou para o lado venezuelano, como também toda rede comercial que dá suporte a esta atividade ilegal do lado brasileiro.

O resultado disso é que a cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén transformou a paisagem de seu comércio fronteiriço. Aquela localidade rapidamente foi tomada por várias empresas que vendem máquinas, equipamentos e veículos para as atividades garimpeiras, aos moldes do que ocorreu por aqui no auge do garimpo. É a partir de lá que toda infraestrutura do garimpo ilegal é sustentada a partir de agora.

Mais que nunca, as ações de suporte e comando do garimpo ilegal se internacionalizaram oficialmente como forma de sobrevivência diante das ações de enfrentamento na terra indígena, inclusive com a organização do crime também se tornando bilingue. As facções binacionais efetivaram o único tipo de intercâmbio que tem dado certo, desafiando os discursos políticos oficiais.

A senha de que esse poder criminoso binacional estava se formando foi distribuída lá atrás, mais precisamente em 10 de julho de 2022, quando o garimpo ilegal do Brasil e da Venezuela desafiou todos os poderes constituídos e a soberania brasileira ao patrocinar um voo macabro com corpos de garimpeiros brasileiros mortos no país vizinho, cujas autoridades locais se mostraram incapazes de repatriar os corpos.

Naquela data, um helicóptero venezuelano sem qualquer identificação atravessou a fronteira com cinco corpos de garimpeiros brasileiros assassinados em um garimpo na Venezuela, sendo quatro homens e uma mulher, os quais foram transportados içados em uma imensa rede. Uma cena tão macabra quanto desconcertante para a diplomacia brasileira e as Forças Armadas.

O helicóptero não identificado atravessou a fronteira sem qualquer problema, à luz do dia, e lançou a rede com os corpos em decomposição em uma área de Campos Novos, uma região de assentamento localizada no Município de Iracema conhecida por abrigar pistas clandestinas de apoio ao garimpo ilegal na Terra Yanomami. E tudo isso sob o silêncio de todos.

A consequência disso é que, apesar de toda ação executada pelo Exército em conjunto com os órgãos federais comandados pela Casa de Governo, instalada em Boa Vista, o enfrentamento ao garimpo ilegal na terra indígena não surtirá o efeito desejado se não houver uma cooperação da Venezuela, onde o narcogarimpo já controla as atividades há muito tempo.

Já existem investigações, pelo lado brasileiro, sobre uma possível atuação conjunta de milícias brasileiras e venezuelanas a pedido de autoridades locais. Será questão de tempo para um sinistro caso “estourar”, caso as autoridades brasileiras se mostrem verdadeiramente interessadas em enfrentar essa nova realidade, cujo enredo mostra conexão com casos conhecidas da crônica policial local.

*Colunista

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