JESSÉ SOUZA

Denúncias em Genebra e o buraco do garimpo ilegal, que é muito mais embaixo

Lideranças indígenas participam de debates em Genebra desde o dia 8 sobre direitos indígenas (Foto: Fred Mauro/Terra Floresta Filmes/ISA)

Não basta ao governo realizar ações de monitoramento, vigilância e ocupação de áreas vulneráveis ao garimpo ilegal nas terras indígenas. É preciso criar e executar um plano de proteção territorial permanentes para todos os povos indígenas. É exatamente para isso que lideranças indígenas brasileiras estão em Genebra, na Suíça, hoje, durante  a 17ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP).

Representantes de aliança dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku irão cobrar do governo brasileiro uma política que contemple a implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; o controle efetivo do espaço aéreo;  monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das terras indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas.

Também irão cobrar a formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; a promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão não só do garimpo, mas de todos os tipos de invasão; além da garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.

Os povos Kayapó, Yanomami e Munduruku são os três mais afetados pelo garimpo ilegal no Brasil, por isso os representantes dessas etnias estão em Genebra para denunciar as violações a seus territórios. O evento internacional começou no dia 8 e se estenderá até o dia 12 deste mês, com plenárias e discussões durante toda a programação.

Amanhã, dia 10, ocorrerá o evento paralelo “Povos Indígenas contra o garimpo de ouro na Amazônia brasileira”, organizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), quando será divulgado o dossiê “Terra Rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira”, elaborado pela Aliança em Defesa dos Territórios, que aponta que o garimpo em territórios dos povos Kayapós, Yanomami e Munduruku disparou 495% entre 2010 e 2020.

Conforme os dados, em 2023 a exploração ilegal de ouro em terras indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami concentram-se 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados deste ano de 2024.

Outro ponto a ser denunciado é a questão de quem incentiva o garimpo ilegal, a exemplo de países que compram o ouro extraído criminosamente nas terras indígenas. Suíça e Canadá são apontados como os principais importadores de ouro do Brasil.

Informações divulgadas esta semana afirmam que, ainda em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de terras indígenas, mas o dossiê destaca que a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudica a fiscalização, outro ponto importante que se decide no Congresso, hoje contaminado por fortes bancadas anti-indígenas.

Conforme foi comentado no artigo de segunda-feira, 07, intitulado “Amazônia precisa de ações efetivas e permanentes, a exemplo do que vem ocorrendo”, o atual governo tem tomado providências, mas há uma grande estrutura não só de apoio político dentro e fora do Congresso, mas de manutenção de um grande esquema ligado ao narcotráfico e facções criminosas, atualmente chamado de narcogarimpo.

E isso precisa ser levado em consideração nas políticas de governo, pois não é mais só o garimpo escavando buracos, destruindo a floresta, contaminando rios e levando doenças. Trata-se uma grande organização criminosa em ação, que tem contaminado a política com tentáculos nos poderes constituídos.  O buraco é mais embaixo.

*Colunista

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