O Estado de Roraima tem uma vocação de estar metido em todos os tipos de desgraças brasileiras, do garimpo ilegal ao narcotráfico, das facções aos grandes casos de corrupção, da imigração desordenada à exploração sexual de mulheres. Quem leu a reportagem da revista Piauí do dia 05 de setembro, intitulada “Quero meter [dinheiro] é no agropó”, não imaginaria que Roraima seria citado. Ledo engano. Não seria dessa desgraça que ficaríamos de fora.
A reportagem fala de uma investigação da Polícia Federal que revelou um grande esquema que combinava grilagem, garimpo e tráfico internacional de cocaína na Amazônia. Tudo muito a ver com o extremo norte brasileiro, onde todos esses ingredientes estão presentes. Só que as investigações começaram no Maranhão, onde há dez anos uma propriedade de 30 hectares foi comprada dentro dos limites Parque Nacional da Chapada das Mesas.
Embora seja uma unidade de conservação federal, a terra foi equipada para criar gado, com a mata nativa às margens do principal curso d’água da região derrubada para fazer pastagem. Apesar do proprietário ter sido multado e a área embargada, em fevereiro do ano passado as autoridades voltaram lá e descobriram uma pista de pouso de aviões onde funcionava uma lucrativa rota de tráfico de drogas a partir da Bolívia. Ali estava o modelo do novo crime organizado.
O grande esquema do tráfico internacional envolve grilagem de terras em áreas de conservação para construção de pistas de pouso clandestinas, desmatamento de terras públicas para pastagem de gado e garimpo ilegal em terras indígenas, cuja exploração servia para lavar o dinheiro do narcotráfico. E foi aí que surgiu o neologismo quando um pecuarista investigado pela Polícia Federal enviou uma mensagem a um dos comparsas dizendo: “Quero meter [dinheiro] é no agropó”.
Mas Roraima apareceu na matéria da revista Piaú não por ter gente envolvida nesta investigação, mas pelo cruzamento das atividades do tráfico e do garimpo ilegal. Um dos envolvidos, quando acumulou R$4 milhões do agropó, procurou um subordinado de Pedro Emiliano Garcia, garimpeiro que há pelo menos 30 anos explora ouro ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, o qual foi citado como sujeito que “não hesita em usar violência contra os nativos da região”.
Garcia e mais 23 garimpeiros, em 1993, praticaram uma chacina que vitimou 16 Yanomami, no caso que ficou conhecido mundialmente como massacre de Haximu, o qual até hoje existem políticos roraimenses tentando negar a existência dessa matança. Todos eles foram condenados por genocídio, mas em 2020 Garcia voltou a ser preso ao ser flagrado com 2Kg de ouro de origem ilegal em sua casa, em Boa Vista.
Não por coincidência, Roraima passou a viver uma realidade muito semelhante ao que está sendo investigado pela PF no Maranhão e Pará, onde fazendas de gados surgem em áreas de conservação e de onde brotam pistas de pouso clandestina. Inclusive, há uma investigação em curso em que a PF tentar saber se uma fazenda em Rorainópolis, no Sul do Estado, onde um carregamento de droga foi apreendido em um avião que havia pousado no local, pertenceria a um político roraimense.
São todos os indícios do agropó em atividade. Na região de Alto Alegre, Mucajaí e Iracema há várias fazendas com pistas de pouso clandestinas que servem ao garimpo legal na Terra Yanomami e ao narcotráfico. Há muito tempo que o agro não só é pop como também é pó. O crime organizado sempre se reinventa com o dedo da política no meio.
*Colunista