Jessé Souza
Do paizao a paixao 31 10 14 221
Jessé Souza* Desde o tempo em que o brigadeiro Ottomar Pinto chegou para assumir o Governo do Estado, indicado pelas Forças Armadas, no início da década de 80, instalando um governo assistencialista em Roraima, criou-se uma política em que as pessoas sentiam gratidão ao “paizão Estado”, que fornecia de tudo – da buchada de boi ao enxoval de mulheres grávidas, do panetone ao presente de Natal das crianças, da rede a roupas para os pais de família. Os eleitores daquela época veneravam o “velho brigadeiro”, transmitindo para os seus filhos, hoje os novos eleitores, essa forma de ser grato ao político e ao governo que tudo proveem. Foi um passo para o paternalismo e um salto para a compra de voto declarada, em que os eleitores passaram a ter na chamada “boca de urna” mais uma forma de beneficiar as pessoas pobres com algum dinheiro ou agrado no dia de votar. É por isso que muitos não conseguem enxergar a compra de voto como um crime, tornando-se algo cultural o hábito de “receber algo” do governo ou dos políticos, inclusive na hora de votar. Tal realidade pode ser traduzida nas vigílias que se formam na frente das casas a cada véspera de eleição, quando as pessoas aguardam a “boca de urna”. Não é fácil mudar no povo o que foi enraizado em uma geração. Porém, já é possível visualizar uma mudança. Os netos dos órfãos do “velho brigadeiro” começaram a viver uma nova realidade, seja por meio da formação, com o surgimento de universidades públicas e faculdades particulares, ou da mudança do perfil da migração (deixo este assunto específica para os especialistas). Porém, ainda são muito fortes os resquícios do paternalismo, que tornou as pessoas presas fáceis dos políticos e ainda provoca no povo uma paixão descabida por políticos, a quem os eleitores acham que devem eterna gratidão. A política tem esse poder de provocar paixões, porém as pessoas precisam aprender a se desvencilhar dessas armadilhas. O eleitor pode, sim, agradecer e elogiar as boas ações dos governantes. Afinal, decisões acertadas merecem reconhecimento. Mas, antes disso, é preciso compreender que o político é eleito (e bem pago) para executar as ações em benefício da coletividade. Ele é um servidor público e deve satisfação ao povo. O que não pode é que a gratidão por cumprir bem com o seu dever se transforme em uma paixão ou uma subserviência de bajuladores cegos. O paternalismo do passado possibilitou um grande atraso para o desenvolvimento de Roraima, quando a gratidão apaixonada terminou por colocar um cabresto no eleitor. Não se pode permitir que essa paixão por política ou pelos políticos nos cegue outra vez. A sociedade não pode ficar refém de qualquer outro tipo de dependência crônica, como foi o paternalismo do passado. O paternalismo nos permitiu experimentar a quase vitória de uma oligarquia. Então, não deixemos que a paixão nos cegue outra vez… *Jornalista [email protected]