Dos diamantes e ouro a um projeto de poder com a militarização do governo
Jessé Souza*
O escândalos das joias, em que a comitiva do então presidente Jair Bolsonaro tentou trazer ilegalmente peças com diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões, joga à tona um fato que poucos comentam: os envolvidos que tentaram liberar a carga milionária retida pela Receita Federal, no aeroporto, eram todos militares, do que trouxe o pacote na mochila ao que tentou dar a última carteirada para pegar as joias a três dias de encerrar o governo bolsonarista.
Os militares ganharam amplos poderes no governo passado, o que acabou por se tornar uma situação preocupante, pois foi exatamente assim que a realidade começou a mudar na nossa vizinha Venezuela, quando os militares não só dominaram o cenário político como se lambuzaram com vantagens legais, embora imorais, além das ilegais, culminando no que já sabemos hoje com a fuga em massa de venezuelanos ao Brasil, a partir de Roraima.
Mas, no Brasil, nada disso preocupou. Pelo contrário, vagam por aí saudosistas da ditadura e muitos tarados por extremismo militar, como foi visto nas manifestações de frente dos quarteis do Exército que resultaram nos atos extremistas do dia 8 de janeiro. E as investigações apontam a participação não apenas de familiares de militares de baixa e de alta patente, mas também dos próprios militares da ativa das Forças Armadas.
O que se percebe é que o governo estava sendo instrumentalizado e até já podia ser considerado um governo militarizado, pois um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ainda em 2020, apontou 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo Bolsonaro, número que representava o dobro do seu antecessor, em 2018, no governo Michel Temer (2.765). Os da ativa eram 3.029 militares (1.832 do Exército, 688 da Aeronáutica e 509 da Marinha), sendo 239 em cargos de natureza civil.
Uma verdadeira bonança aos milicos, cujas benesses foram mais além do normal, com pagamento de supersalários a cerca de 3.500 militares, inclusive com remunerações extraordinárias a alguns deles que chegaram a ser maiores que R$1 milhão em apenas um mês, ainda em 2020, para militares da ativa, inativos e pensionistas, isso fora o salário mensal. Um festival jamais visto em qualquer outro governo.
E ainda havia quatro ministros militares no Palácio do Planalto: Casa Civil: Walter Souza Braga Netto (general do Exército); Gabinete de Segurança Institucional: Augusto Heleno (general da reserva do Exército); Secretaria de Governo: Luiz Eduardo Ramos (general da reserva do Exército); Secretaria-Geral: Jorge Oliveira (major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal).
Não só isso. Eles estavam também espalhados por aí: Defesa – Fernando Azevedo e Silva, general do Exército; Ciência e Tecnologia – Marcos Pontes, tenente-coronel da Aeronáutica; Minas e Energia – Bento Albuquerque, almirante da Marinha; e Saúde – Eduardo Pazuello, general do Exército. E os que não eram mais militares, mas que já foram oficiais do Exército: Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União).
O caso do Ministério da Saúde foi emblemático, pois foi sob as ordens do general Pazuello que o país enfrentou a crise da vacina contra a Covid-19, com a morte de milhões de pessoas que esperavam pela imunização. E foi com ele que começou a crise sanitária do povo Yanomami, naquela altura já assolado pelo garimpo ilegal, quando os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) começaram a ser ocupados por militares.
Os Dseis são responsáveis pela saúde das comunidades indígenas, porém, em vez de protegê-las, os diretores passaram a desmontar barreiras sanitárias instaladas nas comunidades, ameaçar lideranças indígenas, desviar verbas para combate à pandemia, bem como muitas decisões equivocadas devido à completa falta de competência e de experiência com o trabalho desenvolvido na saúde indígena. Até a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ficou sob o comando de um militar.
De outro lado, as mais recentes operações policiais revelaram indícios de que militares davam apoio a garimpeiros, inclusive os avisando das operações que seriam realizadas com a participação do Exército. E não menos grave: o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, deu início ao avanço da exploração mineral ao autorizar sete projetos de exploração de ouro na Amazônia, decisão considerada inédita pelo Conselho de Defesa Nacional.
Não custa relembrar que o vice-presidente escolhido por Bolsonaro foi um militar, general Hamilton Mourão (hoje senador), decisão repetida na campanha para a reeleição, quando o escolhido foi outro militar, general Braga Netto, cuja chapa saiu derrotada nas eleições do ano passado. Então, nada foi aleatório, e o que está se vendo agora, no caso das joias, com envolvimento de militares, não foi por acaso ou uma simples coincidência.
Diante de todos os fatos e evidências, o que resta é uma grande dúvida, se foi Bolsonaro que se utilizou de membros das Forças Armadas para viabilizar seu projeto de poder, que visivelmente flertava com o golpismo; ou se foi um seleto grupo de militares de alta patente, da ativa e na inativos, que usou Bolsonaro como um fantoche de seus interesses para se apoderar do país por vias democráticas, mas com um pensamento fixo de tomar o poder de assalto, pelo golpe, para manter e ampliar seus privilégios e esquemas.
É por isso que o Brasil precisa passar muito bem a limpo o que ocorreu no dia 8 de janeiro. Porque os tarados por privilégios e golpismos estão não apenas soltos, por aí, mas também eleitos pelo voto, no Congresso Nacional, se utilizando de discursos golpistas e cercados de um forte aparato ideológico que se vale de mentiras e teorias conspiratórias, com ajuda de pastores evangélicos igualmente ávidos por poder e dinheiro.
*Colunista