Duas publicações que revelam as digitais e o poderio do garimpo ilegal em Roraima
Jessé Souza*
Aos poucos, têm vindo à tona os motivos pelos quais é tão complicado combater o garimpo ilegal na Amazônia, especialmente no Estado de Roraima, que parece abrigar não apenas as maiores frentes de mineração, mas também o controle de todo o esquema. Duas matérias divulgadas em nível nacional fazem uma radiografia dessa realidade.
Pelo que foi divulgado nesta primeira semana de fevereiro, o garimpo ilegal em Roraima tem dois comandos bem claros, um sob as ordens de um milionário que mora em Goiás e outro nas mãos de lideranças de uma facção criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua em todo o país, dentro e fora dos presídios, com sede em São Paulo. Vejamos então.
Conforme matéria publicada na quarta-feira pelo jornal paulista Estadão, o empresário milionário Aparecido Naves Junior, de 35 anos, que tem uma mansão em Goiânia avaliada em R$ 2,1 milhões e é dono de duas empresas, era dono de aeronaves que estavam sendo utilizadas pelo garimpo ilegal em Roraima e que foram destruídas recentemente por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em vingança, ele teria dado ordem para queimar dois helicópteros do Ibama em Manaus (AM), em janeiro passado, conforme divulgado pelo Estadão, que o aponta “um empresário milionário de Goiânia ligado à exploração ilegal de ouro em garimpos na Terra Indígena Yanomami, em Roraima”. Naves Júnior teria ido a Manaus dias antes do ato criminoso e, na data do atentado, já estava de volta a Roraima.
“No acordo firmado com os outros cinco homens que participaram do episódio, o empresário garimpeiro havia acertado de fazer o pagamento de R$ 5 mil para cada um dos que colocaram fogo nos helicópteros. Durante o ato, apenas um foi incendiado e outro sofreu avarias”, assinala a matéria do jornal paulista, deixando claro o poderio econômico e a forma como o empresário age contra instituições federais que mexem com seus interesses.
Outra matéria, desta vez publicada pelo TAB Uol, na terça-feira, afirma que a facção criminosa paulista PCC tomou áreas de garimpo em Roraima a partir de 2018 e explora o tráfico de drogas e prostituição na Terra Yanomami. O chefe da Dvisão de Iteligência e Captura (Dicap) da Polícia Civil, Roney Cruz, disse na entrevista que cerca de 25 foragidos filiados ao PCC estão em garimpos distantes três dias de barco de Boa Vista.
A hegemonia dessa facção foi alcançada em 2017, quando membros do PCC receberam ordens para eliminar os faccionados do Comando Vermelho (CV) no maior presídio de Roraima, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc). O resultado foi uma chacina que resultou em 33 mortos, com pessoas decaptadas, esquartejadas e incendiadas em um empilhamento de corpos.
A chegada ao garimpo foi uma questão de tempo, pois as fugas eram constantes da Pamc e os foragidos iam buscar abrigo nos distantes garimpos ilegais na terra indígena. Quando o PCC se consolidou, os criminosos descobriram que era mais vantajoso garimpar no Rio Uraricoera, afluente do Rio Branco, do que vender drogas na cidade, conforme a matéria do TAB Uol.
“As atividades do PCC relacionadas ao ouro são uma oportunidade de fazer dinheiro com risco menor de prisão, pois estão distante da capital. O skank e o crack que chegam da Venezuela são vendidos no garimpo, e a partir de 2019 os criminosos passaram a oferecer produtos de primeira necessidade aos garimpeiros, como alimentos, bebidas e combustível. O portfólio de atuação incorporou ainda a prostituição”, narra a matéria.
Ainda conforme a matéria, ninguém procura ouro na terra indígena sem fechar acordo com a facção criminosa, que atua “numa longa faixa do Rio Uraricoera, que começa na Estação Ecológica de Maracá e avança no sentido da fronteira com a Venezuela, dentro da Terra Yanomami”. E uma dessas frentes fica na região de Palamiú, onde milícias armadas fizeram seguidos ataques às comunidades indígenas e enfrentaram a PF a tiros, no ano passado.
Então, como se pode constatar, o garimpo ilegal no Estado de Roraima é um problema que vai além de “pais e mães desempregados” que vão em busca de trabalho, conforme argumentam os defensores dessa atividade. As duas matérias divulgadas esta semana mostram que a exploração do minério em terras indígenas e áreas ambientais mexe com interesses de pessoas milionárias e membros de facção que mostram semanalmente seu poderio com execuções macabras nos bairros de Boa Vista.
Não se trata necessariamente de uma surpresa essas informações que foram divulgadas em dois veículos de ambrangência nacional. Tudo isso já vinha sendo dito, mas sem identificar os “donos do garimpo”. Essas matérias apenas revelam as digitais dos verdadeiros donos de frentes de exploração e colocam as autoridades na linha de cobrança, além de lançar reflexões para a sociedade sobre o garimpo ilegal. Então, quem vai agir? Quem vai se pronunciar sobre isso? Ou todos continuarão fingindo que não sabem de nada?
*Colunista