AFONSO RODRIGUES

É bom lembrar o bom

“Os soluços longos dos violinos de outono ferem-me o coração com monótono langor” (Voltaire)

Há momentos na vida da gente, que não devemos esquecer, independentemente da época do acontecimento. Naquela noite eu estava dentro do cinema, assistindo ao filme “Fugitivos do Inferno”. O filme era sobre a Segunda Guerra Mundial. Estávamos no ano de 1945 e eu tinha apenas 11 anos de idade. Porque eu estava no cinema à noite, com 11 anos de idade, eu explico depois. De repente, começou um barulho na cidade, que parecia mais um bombardeio de aviões. O barulho dentro do cinema foi de arrepiar. Muita gente se machucou na saída. A tela do cinema apagou-se, mas eu continuei sentado, esperando o momento da saída. O barulho nas ruas aumentava como se estivéssemos num campo de guerra.

Minha família morava próximo ao cinema. Quando saí pela porta do cinema, meu pai estava me esperando na saída. Ele simplesmente acenou para eu o acompanhar. E o que me surpreendeu foi que em vez de irmos para casa, fomos para o meio da bagunça. O movimento nas ruas era assustador. Mas, todos riam, inclusive meu pai, que não me falou nada sobre o que acontecia. As calçadas estavam lotadas de barris de bebidas de todas as marcas. Todo mundo bebia e gritava de alegria. Foi aí que aquele cara levantou o copo e gritou: “Viva o barril”! Só aí descobri que estávamos comemorando o final da Guerra. Meu pai não bebia e resistia à insistência dos que bebiam. Foi aí que fomos para casa, comemorar.

Lembrei-me de tudo isso, hoje pela manhã, à mesa do café. Assistíamos ao um programa de humor, pela televisão, onde um homem caminhava com uma bandeja enorme, cheia de copos de bebidas. Foi aí que me veio a lembrança daquela noite comemorativa. Era como os copos com bebidas eram distribuídos pelas ruas. E nesses momentos os pensamentos correm, voam, navegam e fazem a gente se lembrar e se divertir com coisas que muitas vezes estão bem longe de nós. Mas as distâncias não anulam as lembranças e assim não nos separam de momentos e coisas que nos fizeram feliz no passado.

Vamos explicar por que eu estava no cinema à noite, quando eu era uma criança de 11 anos de idade. É que à época, isso era admitido, desde que a criança fosse acompanhada, ou se os responsáveis as deixassem na entrada do cinema. Entre a tela do cinema e o auditório tinha uma mureta baixinha, separando as crianças dos adultos. E era lá que eu estava, e por isso fiquei quietinho até o barulho no cinema terminar. Lembrando que à época os cinemas não tinham saídas de emergência. E por isso muita gente se machucou. Menos eu, espertinho. Pense nisso.

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