Quem já trabalhou com jornalismo investigativo ou atuou nos bastidores de movimentos sociais e indígenas sabe da existência de um aparato de monitoramento realizado por um serviço de inteligência do governo, das polícias e até mesmo do Exército com a finalidade subsidiar as autoridades a tomar decisões e acompanhar o avanço de mobilizações ou movimentos que, por ventura, possam sair do controle.
Quase duas décadas atrás, quando a internet no jornalismo não existia e o jornalista tinha que ir para a rua, informações de fontes de serviço de inteligência foram responsáveis por furos jornalísticos importantes na própria Folha de Boa Vista. No entanto, um aparato de monitoramento político por qualquer esfera de governo é um assunto temoroso, pois pode significar a montagem de uma estrutura paralela de espionagem com poderes ilimitados dentro de um governo.
Já temos um exemplo em Brasília, no governo passado, em que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi transformada em instrumento político de arapongagem contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STG), parlamentares, jornalistas e lideranças políticas. Os desdobramentos dessas investigações, pela Polícia Federal, ainda terão amplas consequências para a política brasileira.
Nem precisa ir longe com os exemplos. A disputa pelo poder na Assembleia Legislativa de Roraima, quando houve um levante para destituir o presidente da Casa, o então deputado Jalser Renier, contou em seu barulhento enredo com denúncia de espionagem, em 2021, cujo episódio terminou com a destituição de Renier do cargo de presidente e a cassação de seu mandato em 2022.
Então, não é sem sentido a preocupação dos deputados com a existência de uma estrutura dentro da Casa Civil para fazer qualquer tipo de monitoramento a autoridades e servidores, especialmente dentro do espaço democrático de fazer reivindicações, como foi o caso em questão. Se não haveria oposição dentro da Assembleia nem qualquer risco de um movimento de agentes de policiais penais em manifestação, então por que monitorar e produzir relatório com imagens?
O mínimo que se poderia imaginar é documentar a participação nos atos e registrar imagens para futuras retaliações políticas e profissionais, o que já seria preocupante. O máximo seria a possibilidade de uma estrutura paralela de espionagens para fins obscuros, serviço este que poderia ganhar outros viés em mãos erradas, principalmente sem conhecimento de aliados, a exemplo dos próprios parlamentares.
Serviço de arapongagem (investigação clandestina) tem o mesmo risco da existência de grupo de extermínio, cuja justificativa para a montagem de uma milícia seria a eliminação de bandidos para favorecer a sociedade, mas que fatalmente se torna um poder paralelo que passa a desafiar os poderes constituídos. Logo, a arapongagem para fins políticos é um grande perigo para o Estado democrático de direito.
É preciso passar bem a limpo essa denúncia feita pelos deputados, que resultou no racha político com o governo, para que a sociedade tenha certeza de que realmente não exista um órgão paralelo do governo que esteja agindo ao arrepio da lei, desrespeitando os limites legais e os direitos individuais, que é a base de uma sociedade democrática.
*Colunista