E você vai continuar?
Matheus Oliva da Costa (Professor do curso de Filosofia da UERR)
Você sabe quando duas coisas que normalmente são diferentes e distantes se juntam e geram algo novo e instigante? Existem vários exemplos: peixe e vinho, bicicleta e mp3, sol e chuva e tantos outros. Tem alguns anos que comecei a perceber a força que existe na mistura entre filosofia e música. Quem está inteirado na filosofia da mente já deve ter imaginado o rockeiro David Chalmers e sua irreverente música Zombie Blues, em que ele canta o seu experimento mental do “zumbi filosófico”. O experimento consiste em imaginar um ser que tem a mesma aparência de um ser humano, contudo, não sente dor, emoções e demais percepções sensoriais como nós sentimos, o que o faz, consequentemente, não ter a consciência dessas percepções como as temos.
O caso de Chalmers já seria suficiente para mostrar que alguém que vive a refletir e analisar o mundo através da filosofia tem um forte potencial de criar letras reflexivas e, ao mesmo tempo, uma música excitante. Mas, particularmente, nos últimos meses tenho pensado mais no cenário brasileiro, mais exatamente no caso de Rogério Skylab (lê-se “iskailabi”). Este personagem da cena musical “alternativa” e autoral nacional é conhecido por obras um tanto específicas, que muitas vezes causam estranhamento, para dizer o mínimo, dado a recorrência de temas sexuais, só para dar um exemplo. Quando soube que ele também é formado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sinceramente, me espantei. Contudo, isso apenas me instigou a ouvir mais as músicas dele, e comecei a admirar o seu trabalho.
Nas nossas aulas de Introdução à Filosofia na UERR, abordamos um tópico clássico da autodefinição de filosofia que tanto Sócrates como Aristóteles afirmaram: o filosofar nasce do “thaumazein θαυμάζειν”, espanto ou admiração, em grego antigo. Sem estar curioso, instigado, espantado, admirado, dificilmente alguém estará interessado em entender os problemas do mundo. Não quero dizer “problemas” no sentido comum, de “algo ruim que ocorre conosco”. Por “problema” quero dizer uma pergunta que fazemos sinceramente com o objetivo de buscar esclarecer algo que nos é confuso ou difícil de compreender, movidos por alcançar a resposta.
É exatamente esse tipo de espanto que uma pergunta repetidamente cantada por Skylab me causa: “E você vai continuar fazendo música?”. Bem, eu não sou músico, então a parte literal da pergunta não me gera nada demais. Mas essa que é a terceira faixa do disco Skylab V, denominada Você Vai Continuar Fazendo Música?, é mais profunda do que parece. Essa canção tem uma força estética em três sentidos: (1) a repetição desesperada dessa pergunta leva o ouvinte a sentir o peso da dúvida existencial, levando a se questionar também se você, quem ouve, vai continuar fazendo o que faz na sua vida; (2) as várias justificativas do porquê continuar a fazer música (dívidas, problemas nas relações, falta de perspectiva, falta de apoio, as chacotas, os desafios etc.) indicam que o caminho do eu lírico da música é difícil e pesado de ser vivido; (3) porém, apesar dos pontos anteriores, esse eu lírico continua fazendo música, não desiste, persevera, mantêm-se nesse caminho – e, se o Skylab estiver se referindo a ele mesmo, ele continuou, de fato, a produzir suas irreverentes obras musicais.
E você, leitor ou leitora, vai continuar? Reza a lenda que o “brasileiro não desiste nunca”. No entanto, as vezes tudo a nossa volta parece nos apontar para a desistência. O que faz o Skylab continuar a fazer música? Não sei se posso responder isso com certeza – talvez nem mesmo ele saiba. Mas, se você não for um “zumbi filosófico”, e, logo, se você tem consciência, como Chalmers defende, talvez você possa escolher criar um sentido, buscar constantemente respostas à pergunta “se você vai continuar” fazendo o que faz. A minha resposta ao espanto que a pergunta skylabica que causou é a seguinte: não sei se vou “continuar fazendo música”, talvez sim, talvez não, mas com certeza continuarei buscando o sentido e o motivo para continuar. Se nós mesmos não buscarmos responder sinceramente aos espantos que a vida nos provoca, acho difícil outra pessoa responder por nós. Assim, é melhor continuar a buscar a resposta, tendo consciência de que a resposta mudará, a pergunta mudará, e nós vamos continuar, sempre que tiver chance de tentar. Como diria o Raulzito: “tente outra vez”.
Virei chorão
Afonso Rodrigues de Oliveira
“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos” (Bob Marley)
Sempre fui desligado do sentimentalismo. E era por isso que minha mãe achava que eu era comunista. E isso quando eu era criança. Mas estávamos no governo Vargas. Mas deixa isso pra lá, e vamos ao atual. Só hoje foi que me dei conta de que estou ficando um cara meio chorão. Embora não chore, as lágrimas tentam correr sempre que estou num momento de felicidade. E olha que ainda estou entrando na chamada “idade avançada”.
Faltam só dois anos para eu me considerar um idoso. Em 2024 acho que vou completar os noventas. E estou ansioso para ver como é que um cara com noventa anos, vive. Mas estou sentimental. E ontem foi um domingo malvado. Um dia lindão, e de repente caiu uma foto do quadro, na parede. Senti saudade quando vi a foto de 1966. Estava meio machucada. Corri e fiquei uma hora tentando recuperá-la, e consegui. Era uma foto minha com a Salete, o Homero, a Helena, o Alexandre e o Marco Aurélio. Carlos Magno e Rômulo ainda não existiam. Recuperei a foto e vou guardá-la com carinho.
Eu acabara de recuperar a foto, e estava olhando-a, quando o celular chamou. E, acredite, era o Alexandre, lá da Ilha Comprida, em São Paulo. Foi uma judiação, porque a saudade bateu forte. Sempre que me lembro da Ilha, sinto saudade dos dias maravilhosos que vivi ali. E daria tudo para estar caminhado pelo calçadão da Beiramar, ou pelo comércio da Avenida Copacabana. Dois ambientes da Ilha que não saem da minha memória. E novamente percebi que estou chorão, mesmo não chorando.
No papo com o Alexandre falei sobre meus dias por aqui. E não poderia faltar os causos que acho que só acontecem comigo. No último sábado eu já estava cansado e não tinha onde descansar. Uma senhora estava fazendo a limpeza, e eu não tinha onde me deitar. Encontrei uma cama deso
cupada e me joguei nela. Mas ainda nem cochilava, quando a mulher da limpeza chegou à porta e falou: seu Afonso… vou limpar aí. Pulei da cama e fiquei lá fora sem saber o que fazer. De repente me lembrei da rede estendida debaixo da jaqueira. Sorri e corri pra lá.
O dia estava maravilhoso, um calor abrasador, e nada mais agradável do que uma rede debaixo, mesmo de uma jaqueira. Mas me arrisquei. Deitei-me e me espreguicei. O vento gostoso me desligou do mundo. Não sei quantos minutos se passaram, quando ouvi um barulho forte. Só tive tempo para abrir os olhos quando a chuva forte caiu, me molhando. Pulei da rede e saí correndo, e me molhando. Ainda bem que ninguém riu. A chuva foi fraca. Foi só pra me chatear. Mas fiquei na minha. Pense nisso.
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